Um museu que insiste em se chamar Igreja

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readSep 21, 2017

Sobre a crescente intolerância religiosa

Foto: Egielen Meira, São Paulo, Brasil. Behance

Assistimos horrorizados na semana passada a cenas de traficantes que, em seu próprio nome e em nome do imaginário religioso que compartilham, violaram o espaço cultico de irmãos e irmãs que professam a sacralidade da vida através do culto aos orixás. Embrutecidos de ódio invocaram o Cristo como motivação para a sua barbárie. Agiram em nome do ódio, do preconceito que trazem em si, do imaginário que compartilham e dos líderes reais e imaginários que embalam seus rancores. Fizeram em seu próprio nome evocando o nome de Cristo.

Nos sentimos violentados, com nossos irmãos e irmãs, o povo do santo. Sua dor doeu em nós. Nos sentimos envergonhados em saber que tal virulência não é gratuita, ela é o resultado de um caldo de ódio e preconceitos que infelizmente certas expressões evangélicas têm ajudado a construir.

Podemos não nos sentir culpados pelos horrores da invasão de terreiros na baixada fluminense, que tem se tornado tão frequentes nos últimos anos, mas não há como não nos sentirmos responsáveis por tais comportamentos. Sobretudo os evangélicos, não podemos nos silenciar ante os discursos violentos dos púlpitos deste país; não podemos nos recolher ante a banalização dos mercadores do evangelho, não podemos recuar ante a pauta do fundamentalismo evangélico que hoje é um dos bastiões do congresso nacional.

É urgente afirmarmos a pluralidade de caminhos para Deus como um tesouro, uma riqueza, um compromisso da fé que nos anima! Mais, é preciso nos deixarmos fecundar pelas religiões dos nossos semelhantes, para que o respeito ao ‘outro religioso’ não seja cordialidade vazia, mas canto de gratidão ao Deus que não tem religião e não é racista.

Tem-se falado tanto dos quinhentos anos da Reforma. Do que estamos a falar? Da coragem de Lutero, a despeito de suas profundas contradições, em afirmar que ninguém é melhor que ninguém, ninguém é superior a ninguém quando se trata de estar diante do Deus vivo? Ou estamos a falar de um integrismo vazio, de uma volta à ortodoxia, um fundamentalismo bíblico que nunca foi professado pelos reformadores?

A pauta do respeito à diversidade religiosa talvez seja uma das versões contemporâneas da afirmação luterana do sacerdócio universal de todos os que creem.

Vivamos, dialoguemos e anunciemos esta pauta, ou a Reforma será o nome de um museu que insiste em se chamar igreja e não um jeito novo de viver as velhas palavras daquele que deu a sua vida sem tirar a vida de ninguém, que deixou o seu recado sem desqualificar e anular o recado de ninguém. O Cristo que, segundo o testemunho dos evangelhos, foi crítico e intransigente com uma única religião: a religião do dinheiro, a religião de Mamom.

Edson Fernando de Almeida. Escritor, Doutor em Teologia (PUC-Rio). Pastor da Igreja Cristã de Ipanema

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