UMA HERMENÊUTICA A PARTIR DAS PESSOAS SAGRADAS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJun 27, 2018

Por Bruno Rocha

Foto: Divulgação

Nessa busca teológica e nesse exercício de desconstrução e construção de verdades, é preciso fazer uma “conta de matemática” e instaurar alguns problemas simples: quem escreveu os textos bíblicos? Quem escolheu que estes livretos, que formam a bíblia como um todo, são os certos e inspirados? Será que então, além daqueles que foram inspirados para escrever (“redatores de Deus”), houve também inspiração divina entre aqueles que, séculos depois, se juntaram para decidir o que ia entrar ou não no cânon bíblico? Em nome de quem escolheram? À luz de quais interesses escolheram?

Perguntas como essas vão ao infinito, mas elas servem apenas para se ter noção de que o conceito de “inspirado por Deus” pode ser muito delicado, frágil e influenciado por muitas variáveis, principalmente quando essas decisões estão envolvidas na construção das religiões e das relações de poder que a fé proporciona. Isso mostra que todo mundo pode falar em nome de “Deus” à luz da sua vivência e interpretação; isso explica a diversidade de denominações dentre os protestantes, principalmente com o advento da Reforma, que marca o desenvolvimento teológico do pensamento cristão disponibilizado ao povo, que agora tem a prerrogativa da livre interpretação comunitária, da autonomia relacional com o divino e do estudo do texto que antes não estava em seu poder.

Então, por que considerar apenas os 66 livros (bíblia evangélica) como a verdadeira Palavra? Por que não poderíamos acrescentar ou diminuí-los? Por que não entender que a “inspiração de verdade” e revelação de Deus ao mundo, se dá através das histórias e das experiências espirituais no meio do povo?! Não seria mais interessante acreditar que o livro que temos é importante e Sagrado apenas por conta dos relatos Sagrados, de experiências Sagradas que ali existem e que tanto alimentam nossa espiritualidade? Além do mais, basta assistir ao filme brasileiro “Tradutores de Javé” que teremos uma ideia real e caricata das dificuldades que os relatos de uma tradição oral enfrentam na hora de escrever “verdades” advindas dessa própria oralidade.

Portanto, o texto em si, não carrega a sacralidade, mas sim as pessoas e as histórias que escreveram. Por isso é tão importante falar dessas estórias, viver à luz da revelação de Deus às pessoas. Isso faz com que a Experiência se revitalize e a prática do amor se torne um testemunho vivo do que se acredita. Como se entende à luz de Romanos 10.17: “a fé vem pelo ouvir”, contar, espalhar a palavra de Deus, que se fez carne e história entre nós; que “a fé vem pelo ouvir”, contar e espalhar a palavra de Deus que se fez e faz presente através das histórias vivas que somos nós; que “a fé vem pelo ouvir”, contar e espalhar as histórias sagradas de pessoas sagradas que se fazem Palavra de Deus ao mundo. Por uma hermenêutica que nasça a partir das histórias, a partir do causo e do conto, a partir da vida da gente.

Leia do mesmo autor:

Bruno Rocha é palhaço, professor e pastor. Formou-se em bacharel em Teologia (FTBSP) e atualmente cursa Teatro (IFF). Seus temas de reflexão são: arte, educação, teologia da libertação e palhaçaria.

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