Venezuela sem mediação brasileira

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readAug 16, 2017

O descredenciamento do Brasil no cenário internacional

Fotografia: Andres Avellaneda, Caracas, Venezuela. Behance

O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, anunciou viagem à América do Sul, para “conversas sobre a Venezuela”. Visitando Argentina e Chile, pode causar estranheza a ausência de uma escala em Brasília, contudo, a situação da chancelaria brasileira não sugere haver no momento condições para um diálogo proveitoso, ou apenas inteligente. Como é possível que a autoridade designada pelo governo estadunidense para essa tarefa ignore a maior potência regional, a segunda maior economia das Américas?

Convém analisar o que se passa nos países citados, começando pela maior potência mundial, que se situa no continente americano.

O governo Trump é profundamente conservador e foi eleito por todos aqueles que se sentem de algum modo prejudicados pela grande abertura da economia internacional que os próprios EUA orientaram, nos últimos trinta anos. Em toda a história daquele país, as elites sempre manipularam muito bem a desconfiança e o preconceito em relação a estrangeiros. Também sempre se referiram aos recursos naturais de que o país necessita como os “nossos recursos”. Vale dizer, afirma-se que “nosso petróleo vem da Venezuela” (ou do Irã, ou do Iraque, ou da Arábia Saudita), não que “importamos petróleo de tais países”.

Curiosamente, mesmo em meio a crises no relacionamento bilateral Caracas-Washington, os sul-americanos (que, segundo a Opep, têm a maior reserva de petróleo do mundo) nunca deixaram de ser importantes fornecedores para o vizinho norte-americano. Contudo, a presença de uma estatal poderosa no país latino, e o discurso contra hegemônico iniciado por Chávez, sempre mantiveram tenso o ambiente diplomático.

O sucessor de Hugo Chávez Frias, Maduro, procurou manter a mística do regime, mas numa conjuntura de imensa perda de receita nas exportações, com a redução dos preços do petróleo, que afetou os programas sociais, além de uma verdadeira guerra dos setores empresariais contra o Estado. Nesta, os meios de comunicação atuaram e atuam incessantemente como partido de oposição (o que é apresentado de modo didático no filme irlandês “A Revolução não será televisionada”, de 2002).

No que se refere à Argentina e ao Chile, apesar de diversos problemas derivados da mudança de orientação política no primeiro, com alta da inflação e aumento da pobreza, e de alguns questionamentos internos ao governo, no segundo, ambos dispõem da credencial importante da legitimidade obtida por seus governantes nas urnas.

Não é o caso do governo brasileiro, formado a partir de um golpe parlamentar, maneira como é visto em quase todo o mundo, e imerso em crise que já dura, pelo menos quatro anos, desde as manifestações de rua de 2013 e as eleições daquele ano. Além disso, tendo já concordado até mesmo em fazer exercícios militares com tropas estadunidenses próximo às fronteiras venezuelana e colombiana, e feito críticas pouco diplomáticas ao país vizinho, descredenciou-se inteiramente como mediador.

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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