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Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readNov 3, 2017

O Evangelho propõe uma definição de humanidade que só se realiza em relação

Foto: Rafael Amorum Abraaão, Flickr

Há quem afirme que o antropocentrismo, ao fazer do homem o centro de todas as coisas, promoveu um processo de humanização. Discordo desse pensamento, penso que ao contrário disso, vivenciamos uma crise de humanidade. A sociedade que propunha fazer do homem a medida de todas as coisas, tem se tornado, talvez a mais desumana da história. Não faço essa afirmação reivindicando a volta do “teocentrismo medieval”, no qual a vida era regulada pela religião — Deus me livre! Mesmo porque muitos elementos daquela religiosidade vez por outra ressurgem por aí.

Um dos sinais dessa crise de identidade humana se evidencia na facilidade com que abrimos mão de atributos humanos, geralmente em troca de pouco. Se é que existe muito quando o que está em jogo é a dignidade do ser.

Outro dia estava ouvindo um debate sobre o crescente grau de autonomia que estão tentando dar aos robôs, as chamadas inteligências artificiais. Falam, inclusive, em guerras combatidas por tais máquinas. Setores da comunidade científica internacional andam receosos e propõem o enfretamento de debates sobre ética e inteligência artificial. Fato é que, ironicamente, o homem depois de chegar ao centro da vida programa máquinas com o poder de decidir sobre vidas humanas.

O debate em torno das inteligências artificiais é apenas um dos extremos desse processo de desumanização. A lógica de vida da sociedade contemporânea é desumanizante por si mesma. Abrimos mão de nossa humanidade corriqueiramente e não nos damos conta.

Isso ocorre, por exemplo, na medida em que substituímos a solidariedade da vida comum pela competição individualista.

A sociedade do mercado faz com que a vida gire em torno de mercadorias. A lógica do sobreviver atual tem no consumo o seu norteador mor. O homem contemporâneo tem no consumo o sentido do existir e transforma a si mesmo em uma mercadoria.

Infelizmente a religiosidade contemporânea não foge desse ciclo, se rende ao princípio da desumanização quando o contato com o sagrado tem como finalidade última a aquisição de bens e do bem-estar individual.

Será que desejar o bem-estar pessoal é um mal em si mesmo? Obviamente que não. Contudo, o Evangelho de Jesus de Nazaré me ensina que o sentido último do meu contato com o sagrado deve ir muito além de mim mesmo. Quando me ultrapasso nessa busca é que consigo me encontrar, e consequentemente as respostas para as crises existenciais.

Percebo no projeto do Cristo uma proposta de resgate do ser humano e do sentido de humanidade. O Evangelho propõe uma definição de humanidade que só se realiza em relação. Na relação com Deus e com o outro.

Na matemática do nazareno a minha singularidade se realiza no plural: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste (João 17:20,21)”. Só posso ser, se for um com o Outro e com os outros. A minha individualidade só é plena no plural.

O paradoxo moderno é que quanto mais centrados em nós mesmos, menos humanos somos. Quanto mais voltados para o nosso ego, mais nos distanciamos de nós mesmos.

Como não conseguimos ser humanos sozinhos, a boa notícia é que em Cristo podemos ser!

Anderson José L. Baptista

Professor no município do Rio de Janeiro. Graduado em teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana e em História pela Universidade Estácio de Sá. Mestre e doutorando em educação pela Universidade Federal Fluminense. Suas pesquisas transitam nas áreas de Educação de Jovens e Adultos, Políticas Públicas e Educação Popular.

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