O que não cai na prova

Instituto Você RJ
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3 min readJul 4, 2018

Os desafios de encontrar caminhos e padrões de linguagem em sala de aula.

Texto de Faber Paganoto, professor de geografia, treinador do Instituto Você (PNL) e investigador de CNV.

Ainda escuto com freqüência nos ambientes escolares, entre colegas com quem divido o magistério, que somos responsáveis apenas pelo que dizemos e não pelo que é entendido disso. Que “entre o que eu falo e o que o aluno entende existe uma grande diferença”. E durante muito tempo eu não apenas concordava como repetia esse discurso. Foi então que tive contato com a Programação Neurolinguística através de treinamentos e cursos de
formação que têm por objetivo possibilitar maior autoconhecimento e inteligência emocional. A ideia embutida nesse processo é a de que existe uma estrutura por trás da forma como pensamos e agimos e que só podemos mudar aquilo que conhecemos.

Hoje penso que aquele discurso funcione como uma estratégia — talvez inconsciente — de blindagem. Uma defesa mesmo. Nós, professores, vivemos cada vez mais pressionados por um contexto de produtivismo, orientados por rankings em uma busca frenética por resultados que não necessariamente traduzam processos efetivos de aprendizagem. E isso cria expectativas que se refletem em cobranças pesadas nos bastidores do trabalho docente. E
então apontar o dedo e encontrar no outro uma limitação para o entendimento talvez seja uma forma possível de se proteger.

Acredito que a realidade seja muito complexa e que em cada caso exista um conjunto específico de variáveis que influenciam em diferentes proporções os resultados escolares. Estrutura e ambiente escolar, suporte familiar, sintonia entre o projeto político-pedagógico do colégio e os valores dos profissionais que nele atuam… E acredito ainda que dois pontos sejam primordiais nessa equação embora não recebam a atenção e reflexão que merecem.

O primeiro deles é a aceitação por parte do professor de que ele é sim responsável pelo que fala e pelo que o outro entende. A responsabilidade da comunicação é do comunicador. Talvez não seja o outro que tem limitações para entender o que eu gostaria que ele fosse capaz de entender. Talvez eu mesmo seja limitado na minha capacidade de encontrar caminhos e padrões de linguagem mais acessíveis ao modelo de mundo do meu aluno. Buscar
essa adaptação da linguagem numa sala com mais de 30 crianças ou adolescentes não é nada fácil, mas negar essa necessidade só torna os problemas mais difíceis de serem solucionados.

O segundo é reconhecer que as estratégias adotadas atualmente para melhorar o desempenho dos alunos não têm sido eficazes. Monitoria, aulas de reforço, avaliações de recuperação, projetos interdisciplinares, experiências em laboratório, mudanças na grade curricular, de livro, de metodologia… e os maus resultados persistem na maioria das vezes. Talvez seja o caso de se refletir sobre a natureza dessas estratégias: todas partem do princípio
de que se forem oferecidos diferenciais externos ao aluno ele será capaz de superar suas dificuldades numa ou outra disciplina. No entanto, se dentro dele houver a crença de que ele não é capaz de entender aquilo, se dentro dele houver um registro inconsciente de que ele não é bom o bastante ou de que aquilo não serve pra nada, talvez nenhum elemento externo seja capaz de mudar o fim da história. Lembro de quando era estudante de ensino médio e ao chegar em casa com uma nota ruim em geografia, por exemplo, ouvia de minha mãe que era inaceitável ter um rendimento baixo nessa disciplina. “Era só sentar e ler”, ela dizia. Mas se fosse física ou matemática o rigor ganhava toques instantâneos de flexibilidade e compaixão: “não sei porque ensinam essas coisas inúteis”. A intenção dela era positiva, mas na prática isso
criou filtros que me impediam de avançar.

Hoje entro em sala com um objetivo maior do que ensinar geografia aos meus alunos. Minha pretensão é a de que eu consiga utilizar minha linguagem de maneira mais positiva, dando conta do conteúdo que o currículo exige mas também direcionando os estudantes a encontrarem dentro deles a motivação para enfrentar os desafios de forma ativa, despertando neles crenças possibilitadoras, construindo junto deles um caminho de equilíbrio. A
experiência tem me mostrado que os alunos com melhores resultados são também os de maior inteligência emocional.

Texto de Faber Paganoto, professor de geografia, treinador do Instituto Você (PNL) e investigador de CNV.

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