O famigerado, por Philippe Starck

DEUSigners e o complexo da solidão

Rodrigo Moon
Interideias
Published in
9 min readJul 3, 2016

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“Os designers parecem perder o senso coletivo da sua profissão, retraem-se à segurança individual e acabam buscando se conformar na marginalização progressiva de carreira em um mercado ansioso para se ver livre de ideologias.” (DENIS, 1998)

Embora de 1998, a citação permanece de certa forma atual. Não vemos grandes ações de entidades representativas dos profissionais, muito menos dos estudantes, no que tange a representatividade e espaços de voz. Possuímos uma profissão relativamente nova (séc XX) que surgiu em meio a um alvoroço político e econômico como necessidade da era industrial. Teve suas bases incertas e hoje, ao que parece, a situação não mudou muito.

Aprendi em minha jornada acadêmica que um bom designer trabalha sozinho (ou em raros casos com outros designers muito bons). Aprendi que existem muitas faculdades particulares que se quer pregam a existência da ADB, ADG, ADP, ou que existem N’s e R’s e o CoNE para os estudantes. Entendi que vivemos em um ambiente altamente segregador, no qual o estudante é ensinado a trabalhar sozinho e sempre prezar por suas habilidades individuais. Apenas as faculdades públicas acabam se salvando:

Os cursos mais antigos do brasil acabaram sendo criados e inseridos no meio da mobilização profissional e estudantil do Design, porém, esta característica não foi incorporada pelos novos cursos tecnológicos exatamente por não ser o foco. Logo, o coletivo de designers no Brasil acabou se perdendo nesse desprezo pelo pensamento crítico e ativismo, pregado pela maioria das particulares. Talvez seja uma discussão no âmbito maior e geral da educação e o sucateamento do pensamento crítico por todo o sistema brasileiro.

Como então somos ensinados?

Preciso dizer que ambos sistemas cumprem dois propósitos diferentes: o técnico visa formar um profissional, o filosófico visa formar um pensador. Ambos são importantíssimos, pois existe demanda de quem faça e de quem pense. Logo, tome em mente que nenhum é melhor ou pior do que o outro, apenas… diferentes.

Particulares

O estilo é tecnicista em sua grande maioria (salvas as exceções de algumas universidades conceituadas nas capitais como Mackenzie, ESPM, PUC, …), logo, forma o aluno com habilidades técnicas em software, com uma capacidade estilística avançada, mas pouca filosofia. Temos um estudante que consegue realizar trabalhos de maneira pragmática, raramente com caráter inovador, conceitual ou teórico bem trabalhado. A grande maioria sai empregada e consegue se realizar enquanto um Designer.

Importante ressaltar que a grande maioria dos cursos são focados em design gráfico. Concluo que um curso de produto, ou outros que exijam um projeto teórico que envolva aspectos da ergonomia, acessibilidade, emoções, usabilidade; são todos pontos que requerem um preparo filosófico para serem aplicados, logo, processos mais longos (o que não se aplica a uma particular).

Agora, analisando atentamente, pode-se perceber que este estilo de ensino acaba priorizando uma realização profissional como meta principal, deixando a filosofia ou o senso coletivo de lado. Não sei se a mentalidade com a qual os alunos ingressam contribui para este fato, pois, assim como em qualquer curso, existem particulares que priorizam apenas a formação do aluno, para auto-promoção da instituição. Os alunos entram e se formam (interessante ressaltar que certos cursos tecnológicos são de duração de 2 a 3 anos) e já ingressam no mercado de trabalho.

Plausível quando se tem a realidade de uma pessoa de classe baixa que vê o diploma superior (bacharelado ou tecnológico) como realização pessoal e econômica.

Mas esta mentalidade não contribui para com a cooperação destes estudantes ou profissionais. O aluno se forma e atua durante a vida toda sem sequer saber do potencial do coletivo, da organização; ou de discussões importantíssimos que possuem voz nesses espaços, como a regulamentação da profissão do designer, a portaria do MEC sobre cursos de Design, etc…

Públicas e exceções

Em contrapartida, as universidades públicas tem um tempo de curso de 4 a 5 anos, com uma grande valorização do pensamento filosófico. Me arrisco em dizer que existe um caráter elitista muito presente em universidades públicas, ou então as exceções particulares citadas acima (somente a mensalidade basta para provar meu ponto). É mais difícil que um aluno de classe baixa consiga cooperar trabalho e faculdade durante este tempo todo de curso; o processo seletivo já exclui alunos de escolas públicas e menos favorecidos intelectualmente. Em resumo: estas duas categorias (públicas e particulares) são completamente opostas, e talvez por isso que as públicas sejam o ambiente ideal para se instaurarem estes coletivos.

Alunos com mais tempo, que muitas vezes trabalham somente para experiência profissional, e não para se manter financeiramente. Alunos que podem se deslocar pelo Brasil. Alunos que possuem um pensamento crítico, em razão da valorização do ensino filosófico nas públicas, e, portanto, conseguem compor espaços de discussão significativamente e com um mínimo de interesse.

Nas públicas muito se valoriza o trabalho em conjunto, criação de coletivos, e, por natureza, os alunos cooperam mais entre si. Acaba que, por consequências históricas, as universidades públicas tomaram a dianteira deste movimento pelos fatores citados acima, logo, não é de surpreender que se encontre, na sua maioria, alunos de universidades públicas em encontros de estudantes de Design. Em contrapartida, percebe-se que somente quando todos os cursos do Brasil estiverem imersos neste ambiente crítico e coletivo teremos uma mobilização, uma união projetual e política dos designers.

O que significa ser designer, então?

Pode significar uma forma de ganhar dinheiro; e também pode significar um estilo de vida. Deixando claro que, aqui, coloco estereótipos que muito pouco refletem a realidade, mas cumpre o propósito de exemplificar certos paradigmas.

Alexandre Wollner

O sustento

Design nada mais é do que uma ferramenta que você dominou e que é útil para os outros. Você agora presta serviços como forma de sustento, seu trabalho é simples, você aprendeu ele na faculdade. Metodologias de trabalho, análise SWOT, divisão de tarefas, regras áureas, Gestalt, …

O designer não consegue levar o design (ou o pensamento em design) para sua vida pois não houve incentivo ao pensamento crítico. O conhecimento se deu de forma passiva, empírica. O aluno apenas assistiu às aulas e fez os trabalhos. O modus operandi se mostra eficaz, mas limitado. Como o campo do design é novo e existem muitas faculdades pelo Brasil, é difícil você se destacar perante os outros. Não se tem tempo para investir em novas técnicas, tendências, novas formas de criar. O exercício se dá de forma ignorante, porém, eficaz dentro do paradigma do Design que vivemos no Brasil.

O designer, aqui, visa ganhar dinheiro. E a faculdade o ensinou muito bem a fazer isso.

O estilo de vida

O pensamento crítico é muito mais presente. Não se aprende passo a passo a criação de uma marca, de um produto. É colocado um briefing, muitas vezes vago, para que, através de um pensamento em design, se encontre diferentes caminhos de realização do mesmo projeto. O ensino de metodologias é acompanhado de um incentivo a criação do próprio método. Percebe-se que o indivíduo se vê muitas vezes sem chão, pela dificuldade de se encontrar e organizar. Não se tem um ponto de partida estabelecido, e, por isso, depende inteiramente do estudante/profissional.

A forma de pensar, então, permite que problemas pessoais ou cotidianos sejam resolvidos de maneiras mais práticas ou melhores, exatamente pela aplicação universal deste pensamento metodológico.

O designer, então, tem uma difícil tarefa de, ao invés de seguir passos ou métodos, criar um meio pelo qual o projeto prosseguirá. Dessa forma, lhe é garantido uma característica individual, o estilo daquele designer em específico, e não de tal escola ou faculdade ou tendência. Dessa forma, o indivíduo se destaca pela capacidade de criar seus meios (mesmo que esta peculiaridade acabe por atrasar o desenvolvimento do estudante enquanto profissional pelo simples fato de exigir um ensino mais longo e profundo).

Branding desenvolvido por Alexandre Wollner

A profissão do século XXI

Nossa profissão é nova, o primeiro curso em Design no Brasil surgiu em 1963, sendo que a popularização e o crescimento exponencial se deu na década de 80 e 90. Dessa forma, o exercício da profissão ainda é muito recente e, por tal, ainda precisa continuar se desenvolvendo para conseguir cooperar com os outros paises do mundo. (embora o Brasil tenha um design peculiar que não é visto em mais nenhum lugar do mundo: a gambiarra)

Mas o ressalve aqui se dá no público geral e seu conhecimento sobre o design que nós praticamos. Ou, no caso, desconhecimento.

O meio como o Design se popularizou no Brasil foi por meio da incorporação destes profissionais em gráficas rápidas pelo país. De forma tal que este exercício acabou sendo atribuído às instituições de impressão e manuseio de peças gráficas, e não aos criativos. Nesta perspectiva, o design é pouco difundido no imaginário coletivo enquanto função ou característica de um produto.

Contribuindo para este cenário, é possível observar pelas ruas e cidades, que o design é aplicado, em sua grande maioria das vezes, empiricamente e por pessoas que não se consideram designers. Diagramação de folhetos, banners, criação de cartões de visitas. Atividades cotidianas para um designer que acabaram sendo atribuídas ao senso comum por profissionais destas gráficas que desenvolveram métodos empíricos de produção. Desta forma, se torna claro que o designer no Brasil tem uma tarefa extra: a catequização dos consumidores e clientes sobre a necessidade de se contratar um designer para desenvolvimento de projetos.

O design que fazemos é para quem, afinal?

Creio que não seja incorreto afirmar que vivemos em um país pouco fluente em alfabetos visuais, ou que não tem um repertório visual necessário para entender a importância da profissão e do valor agregado do Design. Muitas vezes já me questionei sobre para quem fazia um projeto, sendo que alguns pontos jamais seriam percebidos pelo possível cliente, ou seja: no final das contas, acabei fazendo um projeto em design para mim mesmo.

Daí que vem o famoso DEUSigner: aquele ser que está acima, que navega pelos mares sinestésicos, projetando muitas vezes para ele mesmo. E, estranhamente, os meios de divulgação de nossos trabalhos são povoados de outros designers que compactuam dessa opinião e frustração. Criticamos nossos próprios trabalhos e os de outros designers. E são essas as críticas que realmente importam, porque quando o cliente acaba criticando e pedindo alterações, são meramente frustrações:

  1. Ou o cliente pede alterações absurdas, que acabam por piorar o trabalho (na visão do designer);
  2. Ou acatamos opiniões de outros designers (e clientes, como pouco entendedores, acabam gostando da ideia porque de fato é bonita e boa).

Acaba sendo uma frustração não somente para você, mas para todos nós, profissionais.

Porque um cliente não contesta a qualidade técnica e os motivos de um engenheiro civil, enquanto a de um designer é facilmente criticada?

Temos que considerar, novamente, o fato da profissão ser recente e por isso de pouco crédito para compreender esta situação como um todo. Ainda estamos em processo de aceitação, de reconhecimento e de adaptação. E isso acaba acontecendo no mundo todo (apesar do designer fora do Brasil obter mais êxito do que aqui, dizem os rumores).

“E temos o dever ‘civil’ de evangelizar os clientes no que é o bom design, porque você fez as escolhas que fez e porque ela é importante. Só reclamarmos pra dentro da nossa bolha não vai alterar a realidade, precisamos explicar para o cliente porque ‘white space matters’” (Acácia Almeida)

Por que fazemos nosso design então?

Trabalho realizado por Angela Luna

Porque eu e você sabemos que ele é importante. Sabemos da necessidade de se ter um projeto para produto, gráfico, moda, games, … Sabemos que somos capacitados para melhorar produtos (não somente agregar valor, mas melhorar acessibilidade, trabalhar o emocional de brinquedos). Somos profissionais versáteis e multifacetados. Trabalhamos com o que engenheiros chamam de engenharia, arquitetos de arquitetura. Entramos em diversas áreas do conhecimento e chegamos onde só designers conseguem.

Fazemos nosso Design porque acreditamos que com ele podemos melhorar o mundo. Não precisamos do reconhecimento de nossas profissões (embora seja bem legal que recebamos o devido valor pelo nosso trabalho) para conseguir fazer um bom trabalho. Fazemos o que fazemos para que um dia tenhamos prazer e orgulho em dizer: eu sou um designer.

Referências

DENIS, Rafael Cardoso. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. In.: Revista Arcos.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Superior_de_Desenho_Industrial_da_Universidade_do_Estado_do_Rio_de_Janeiro — Acesso em 01/07/2016

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Rodrigo Moon
Interideias

Se eu falar diversas coisas mirabolantes sem sentido, não confie em mim nem no que eu falo.