O novo está velho! E não tem nenhum problema em aceitar isso.

Escrito com Laís Akemi Margadona e Fernanda Henriques

Marcella Gadotti
Interideias

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Bem vindo ao museu de grandes novidades.

Impressões 3D, videomapping, arquivos compartilhados na nuvem, realidade aumentada, apps para medir sua pressão, controlar seu tempo, fazer você ser mais saudável, mais produtivo, dormir melhor, ser mais sociável… É inegável concluir que nossos hábitos mudaram com tantas possibilidades digitais e que essa revolução ainda está no começo. Mas peraí, também nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Também é inegável que mesmo com tantas novidades no universo da cultura e do design, certos objetos e tendências antigas resistem ao tempo, seja porque o mundo é muito grande e diferente (nem todo mundo tem acesso as mesmas coisas que você, sinto lhe informar), seja porque existe um grande prazer estético e físico em entrar em contato com realidades não tão funcionais e perfeitas.

O ruído dos LPs, aquela linda foto saída das velhas Polaroids, o relevo de uma impressão feita com tipos móveis que proporciona sentido ao toque, o cheiro de um livro novo, as falhas e imperfeições da matriz desgastada na sua camiseta predileta… Junto de nossas playlists do Spotify, apps de fotografia e Illustrators que tanto conhecemos, as ferramentas e suportes antigos também estão aí para nos oferecer um outro feeling e diversas novas (im)possibilidades. Não é negar nada, não é escolher um lado, é saber que podemos mixar, misturar e que tá tudo bem nisso. Quanto mais, melhor.

O analógico está presente e é responsável por certas tendências.

Não que ele tenha morrido. O analógico faz parte da história dos processos visuais. Mas toda precisão e controle que o sistema digital oferece pode, na verdade, tirar parte do elemento surpresa do processo — e os ruídos também. O tipógrafo brasileiro Claudio Rocha, um dos coordenadores da Oficina Tipográfica São Paulo, pondera que irregularidades e desgastes são capazes de dar um aspecto mais humano e pessoal às criações gráficas, considerando a assepsia que os ambientes digitais podem muitas vezes nos proporcionar (o artigo da reflexão completa está neste livro).

Isso o Photoshop não faz.
Fonte:
Lomography

Rocha acredita no resgate da linguagem visual dos antigos sistemas de impressão não apenas como um recurso de estilo, e sim como um método indispensável de se raciocinar visualmente. No design gráfico, querer aprender a fazer letterings, imprimir com letterpress ou fazer xilogravura, ou ir além dos filtros retrô na fotografia e fazer na prática com as câmeras velhas de casa, têm sido uma tendência. Dentro desta vontade, podemos ver a intenção de aprendizado visual que a simulação digital não proporciona, de experimentar o lúdico desses materiais “novos” e de criar uma expressão diferenciada, uma marca personalizada.

A palavra-chave é o experimentalismo. É querer tornar um projeto original atráves do “erro” do processo. O respingo da tinta, a impressão fora do registro, traços com a precisão das mãos e as cores esmaecidas ou hipersaturadas na imagem fotográfica são apenas alguns exemplos de elementos visuais que ajudam a representar o analógico.

O universo da impressão com tipos móveis. Matrizes usadas e desgastadas para criar (d)efeitos especiais. Fonte:Oficina Tipográfica São Paulo

O defeito é um efeito.

E essas marcas servem como registros do processo de criação que, por muitas vezes, é reflexo da tecnologia disponível. É sempre bom lembrar que tecnologias novas não extiguem ferramentas antigas, mas sim abrem novas possibilidades de interação. E é da atitude contemporânea incluir ou redesignar o passado transportando tudo aquilo que nos sirva para criar algo que faça mais sentido para o presente (e até mesmo para o futuro).

Contemporâneo é remix!

Sabendo disso, tudo virará uma possibilidade de criação. Da experimentação artesanal aos algorítimos, tudo poderá gerar um toque mais espôntaneo e único. Mas a questão não é apenas em qual espaço você curte trabalhar, e sim o que você pode fazer quando é possível transitar entre o digital e o analógico. Tecnologias e estilos visuais não morrem, mas derivam e se misturam.

Print isn’t dead, Bolandeira, Intercut Wood Typeface e a Oficina Tipográfica de São Paulo

Quem nunca se apaixonou por aquele relevo no papel causado pela impressão tipográfica? Pois bem, o letterpress que antes era feito com matrizes de metal e madeira fabricados à mão, hoje pode ser aplicado com o mesmo tipo de matriz utilizada para flexografia ou com matrizes de madeiras esculpidas por impressão de corte em madeira.

Projeto Bolandeira desenvolvido pelo Estudio Carimbo e Andrea Kulpas, Bia Bittencourt
Crystian Cruz, Janara Lopes, Marcus Penna, Rodrigo Grimer e Thiago Reginato.

Isso significa que o Letterpress de agora pode começar com os vetores do meio digital para ser aplicado no sistema de impressão desenvolvido pelo nosso bom e velho Gutenberg. Os projetos Print isn’t dead, Bolandeira e Intercut Wood Typeface são casos que seguem esta direção. Mas ainda assim, para os amantes da impressão tipográfica tradicional, há espaços e oficinas para imprimir à moda antiga como a Oficina Tipográfica de São Paulo. (A imagem que ilustra a matéria é do Print isn’t dead)

Print isn’t Dead / Fonte: People of Print
Intercut wood typeface, por Nick Sherman

Fontes Pimba e Montada e a Xilogravura do Velho Chico

Quando falamos sobre partir dos vetores e pixels para uma superfície física, há quem prefira continuar do caminho que começa analógico e torna-se digital. As tipografias experimentais do tipógrafo e designer Gustavo Lassala podem ser um bom exemplo disso. Procurando aproveitar as características da produção gráfica artesanal, ele digitalizou e vetorizou a textura desgastada de velhos tipos de madeira e o splash de tinta causado por carimbos de letras esculpidas e bem carregados de tinta.

Fontes Open Type Montada e Pimba / Imagens de Myfonts

Sabe a novela global do Velho Chico? Na abertura dessa novela podemos encontrar o artesanal interagindo com o audiovisual. A xilogravura de Samuel Casal se uniu com a pintura e ilustração de Mello Menezes e ganhou o movimento da animação.

Abertura da novela Velho Chico / para saber sobre o processo de criação clique aqui e aqui para conhecer Samuel Casal

A fotografia lomográfica

A Lomografia é um estilo de fotografia experimental que surgiu nos anos 90, quando alguns jovens encontraram uma câmera analógica russa, a LOMO LC-A, num sebo de câmeras em Praga. Após revelar o filme, as imagens vibrantes e saturadas pareciam como “visualizar o mundo com outros olhos”. Hoje, a cultura lomográfica é globalmente ativa e conta com milhões de fotógrafos em todo o mundo. Cores saturadas, vinhetas, vazamentos de luz e duplas exposições são alguns dos elementos visuais que fazem parte das fotografias lomográficas, todas capturadas com câmeras analógicas.

Duplas exposições lomográficas / Conheça a Lomografia aqui.

Pensando na hora de criar no design, é interessante e (extremamente) recomendável procurar conhecer o passado. Além da referência técnica, entender os contextos e as histórias nos ajuda a construir sentidos e signos — e abre nosso leque de repertório visual, tornando-nos flexíveis. E isto vale para todos os campos do design e da visualidade. Saber dominar estas referências nos ajuda a ter certeza da mensagem que queremos passar. Como disseram Raimes e Bhakaran em sua obra Design Retrô: “o passado é uma fonte de inspiração em nossa busca constante pela originalidade”.

Não que seja um sistema seja melhor que o outro, claro. Mas amamos o analógico assim como amamos nosso smartphone. Somos de uma geração que usa com desenvoltura os sistemas digitais, não temos problemas em postar fotos por meio de apps e, confessamos, muitas vezes simplesmente pegamos uma tipografia e uns patterns digitais para fazer um trabalho. Mas reconhecemos a importância de descobrir e aprender os contextos históricos, tecnológicos e culturais (e o mesmo vale para as ferramentas de hoje e as que ainda estão por vir). Porque, no mais, gente, o RGB é um lindinho, mas o analógico cativou nossos corações pelo seu inesquecível charme.

SD card + pen drive versus disquete e filme fotográfico / Rabisquinho por Laís Akemi Margadona

Para ver mais

[+] Série Tintypes de Victoria Will para o Sundance Film Festival
[+] Stellarum por Marianne Yoshiyassu
[+] Print Isn’t Dead Magazine
[+] Estudio carimbo
[+] Samuel Casal
[+] Caffenol por André Manfrini Garcia
[+] Queimando Filme — Pense Negativo
[+] Bolandeira por Andrea Kulpas
[+] Mais fontes de Gustavo Lassala no MyFonts

Referências

ROCHA, Claudio. Materialidade digital. In: CAMPOS, Gisela Belluzzo de; -
LEDESMA, María (Org.). Novas Fronteiras do Design Gráfico. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.

ROCHA, Claudio. Projeto Tipográfico: análise e produção de fontes digitais. 3ª ed. revisada e ampliada. São Paulo: Edições Rosari, 2005

CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify.

LOMOGRAPHY. Lomo Life — The Future is Analog: The History. Londres: Thames & Hudson, 2012.

LOMOGRAPHY Homepage.Disponível em<http://www.lomography.com.br/>
MEGGS, Philip B. 2009. História do design gráfico. São Paulo: Cosac & Naify.

RAIMES, Jonathan; BHASKARAN, Lakshmi. Design retrô: 100 anos de design gráfico. Tradução: Claudio Carina. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

ROHENKOHL. Raquel A. S. Design retrô: um desafio da contemporaneidade em reconhecimento ao passado. Unoesc & Ciência:

OFICINA TIPOGRÁFICA SÃO PAULO POR TIPÓGRAFOS.NET. Disponível em: <http://www.tipografos.net/brasil/oficina-tipografica-sao-paulo.html>

XEREZ, Tatiana. Lomografia: fotografia pós-digital. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPAP, 20. 2010, Rio de Janeiro. Anais do XX Encontro Nacional da ANPAP. Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, p.4564–4577.

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