Sobre Art Attack, papel e publicação independente

Divagando um pouco sobre quem trabalha à margem da indústria editorial

Caio Henrique
Interideias
Published in
6 min readAug 7, 2016

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A internet e o computador pessoal mudaram nossa relação com quase tudo, mas, acima de tudo, mudou a forma como nos expressamos.

Hoje em dia qualquer um pode ser o que quiser na rede, as notícias e as informações correm de uma maneira alucinada! Ao mesmo tempo em que podemos aprender a consertar um chuveiro, podemos perder horas vendo vídeos de gatinhos. Um youtuber desconhecido hoje pode ser o escritor best-seller de amanhã! Peguemos o caso de Jout Jout: recentemente ela lançou um livro pela Cia das Letras, umas das maiores – se não a maior – editora de livros do Brasil, estando no momento do fechamento desse texto (dia 6 de agosto de 2016) na posição 19 dos livros mais vendidos na categoria infantojuvenil da revista Veja. Engraçado, ela estava na internet e resolveu escrever um livro: do digital foi para o impresso. Claro, que isso vem de uma estratégia das editoras de usarem a fama dessas pessoas em pró das vendas de livros, mas ainda sim é interessante ver esse movimento ao contrário. O que move alguém que tem como principal canal de comunicação a internet resolver publicar algo tão estático, velho e desatualizável como um livro?

Olhando por um outro lado, o de fora da indústria editorial onde Jout Jout e outros youtubers estão imersos, muitos estão fazendo esse caminho inverso também, só que de maneira independente. It’s Nice That é um blog que “acredita que a inspiração criativa é para todos e ao defender o mais emocionante e envolvente trabalho online, impressa ou através de nosso programa de eventos, queremos abrir este mundo para o maior número possível de pessoas” (tradução livre). Para balancear a falta de liberdade editorial que vem com um blog diário, os fundadores do website decidiram lançar um revista bi-anual, impressa, chamada Printed Pages, onde mantém o compromisso com o mundo impresso e entrega histórias e descobertas mais profundas.

Printed Pages Autumn Winter 2015. Source: itsnicethat.com

Independente sim

Não é de hoje que a impressão independente resiste a grande indústria editorial, faz alguns anos que esse mercado está se estruturando e ganhando destaque. A NY Art Book Fair, evento esse organizado pela editora Printed Matter no renomado Moma Ps1, é uma das feiras mais importantes desse seguimento, onde expositores de todo o mundo mostram livros, zines, revistas, quadrinhos, entre outras produções artísticas. Inspirada por essa feira, a paulistana Bia Bittencourt, desde 2012, organiza a Feira Plana.

Feira Plana 2016 Preto & Branco. Source: feiraplana.org

Editores, escritores, zineiros, pintores, ilustradores, designers e artistas de todo o mundo se reúnem para um fim de semana de atividades, palestras e feira de publicações e peças gráficas. “A organização e o perfil dos editores sempre girou na produção punk de guerrilha, auto publicações e livros com refino gráfico, artístico feito por artistas e designers”, conta Bia nessa entrevista aqui. A Plana, ainda, fundou esse ano a Casa Plana.

A Casa Plana é o espaço cultural da Plana. Nela, vamos articular todos os tipos de reflexões sobre o universo da publicação. Para o segundo semestre, uma série de cursos já está programada, além da Residência da Plana, projeto de natureza inédita que orienta, financia e produz projetos de livros e artistas, fotógrafos e designers além de todo o acervo com 2 mil publicações independentes doadas e adquiridas durante esses anos. (feiraplana.org)

Outra feira importante para o cenário é Feira Tijuana. Inaugurado em 2007, a Tijuana começou como uma iniciativa da Galeria Vermelho para expor produções incompatíveis com o mercado editorial tradicional (livros de artista, por exemplo). Cresceu e se tornou uma feira, que já contou com edições em São Paulo, Rio de Janeiro, Lima e Buenos Aires. Atualmente, além disso tudo, produzem seus próprios livros sob o selo Edições Tijuana.

Feira Tijuana 10ª edição no Rio de Janeiro. Source: http://cargocollective.com/tijuana

O engraçado disso tudo é que o que move todas essas pessoas a fazerem isso é apenas pelo ato de fazer acontecer. Joao Varella, jornalista e um dos fundadores da editora Lote 42, diz que trabalhar em uma editora pequena, e estar envolvido nesse movimento independente, é fazer de tudo um pouco. Mesmo sendo pequena, a Lote se envolve em muitas coisa. Além da publicação de livros, a editora administra a Banca Tatuí, uma lojinha charmosa com um teto multi-uso localizada no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, onde só vende-se publicações independentes; organizam a Feira Miolo(s), que acontece todos os anos, desde 2014, na Biblioteca Mario de Andrade, São Paulo; encabeçam a Pátio 42, um encontro e feira que acontece todo quarto sábado do mês na Unibes Cultural, São Paulo; e viajam o Brasil e o mundo para levar o nome da editora e vender seus produtos. Ao contrário de editoras gigantes, como a já citada Cia. das Letras, a Lote 42 procura uma abordagem diferente de venda de livros.

“Primeiro que a gente não fica mensurando qualidade literária por famosidade. Segundo, a gente tem um contato muito próximo com o autor. […] Nenhum dos nossos autores falam mal da Lote 42, pode conversar com qualquer um deles. Eles são muito amigos nossos, entendem a relação editora — autor. Esse é um dos motivos de a gente lançar num ritmo muito mais pausado, calmo de lançamentos.” (João Varella)

Algumas publicações a venda na Banca Tatuí. Source: do autor.

Finalmentes

Se você foi uma criança da década de 90, começo dos anos 2000, vai lembrar de um programa muito famoso chamado Art Attack. Sendo passado até os dias de hoje no canal Disney Junior, esse programa de televisão de origem britânica ensina, em seu pouco mais de 15 minutos de duração por episódio, crianças a criarem os mais diversos objetos, desenhos e outras bugigangas com materiais que podem ser encontrados em suas próprias casas. Provavelmente muitos pais ficaram malucos por perderem uma luva, algodões ou desentupidores, mas nenhum percebeu que esse era um programa que criticava toda a estrutura consumista que nossa sociedade se apoia. Claro que isso não é claro, e posso estar divagando aqui, porém o que é Art Attack se não um programa que ensina você a ser auto-suficiente? Criar, consertar, juntar objetos, transformando algo com suas próprias mãos? Art attack é punk, art attack é do-it-yourself (DIY).

Muito o que eu vi nessas feiras, em conversas com pessoas que estão no meio, nas pesquisas feitas para o meu TCC e para esse artigo foram que existem pessoas que estão fazendo coisas com as próprias mãos. Não só produzindo, mas fomentando e refletindo sobre o universo em que estão inseridas. Não é egoísta, é quase altruísta, um ciclo motivacional onde o que importa é o fazer, o produzir, o trabalhar pelo desejo de ver algo pronto. As feiras independentes, diferentemente de uma Bienal do Livro, instigam a conversa do criador com o público. Se você não conversar com o expositor antes de comprar algo a experiência de ler aquilo vai ser totalmente diferente (recomendo em toda feirinha ou encontro sempre conversar com os expositores, é a parte mais legal desses eventos). Engraçado como, hoje em dia, apreciamos muito a experiência de algo: experiência de leitura, experiência de comer, experiência de ver um filme. Talvez seja por que o mundo parece tão efêmero que precisamos agarrar-nos aos sentimentos que essas experiências trazem. Acredito que o papel ainda é a plataforma mais acessível e democrática que o ser humano criou. Quer mudar o mundo? Basta papel e vontade de colocar a mão na massa.

Queria agradecer ao Interdesigners pela oportunidade de escrever essa palinha do que ando estudando. Também agradecer ao João Varella pela conversa muito esclarecedora e as revisões das minhas irmãs queridas.

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