#PraTodosVerem o prédio do Congresso Nacional, em Brasília.

Nós, representantes do povo

Quando a justiça vai de encontro aos interesses dos representantes políticos

Gabriel RQ
Interfaces Revistas
3 min readNov 19, 2020

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De fato, a Operação Lava-Jato, independentemente de em qual posição no espectro político você se encontra, trouxe uma quebra paradigmática no inconsciente brasileiro. Digo isso, pois, frases como “Tudo ladrão”, “Político não presta” e “Esse país não tem jeito” são tratadas com normalidade e estão inseridas no nosso cotidiano. Nesse contexto, o fenômeno, que não transcendia ao imaginário, passou a ser rotineiramente noticiado.

Sob essa ótica, é inegável a existência de outros escândalos de corrupção — a exemplo dos ocorridos durante a Ditadura Militar — e o recorrente uso do discurso populista de combate a ela ao longo do curso político brasileiro — como a vassourinha de Jânio Quadros, ou o combate aos Marajás, de Fernando Collor. O diferencial da Operação, contudo, é a alta publicização experienciada, já que a informação nunca foi tão acessível quanto na Era Digital em que vivemos.

Com esse fenômeno, não é surpresa que opiniões inflamadas e emocionadas sejam expostas no ambiente virtual, visto a ampla liberdade de manifestação conferida nesse meio. Isso, porém, cria margem para discussões polarizadas, sobre assuntos que à primeira vista parecem verdades incontestáveis — como a impossibilidade de se fazer campanha política por meio de investigações judiciais.

Esse artigo, contudo, não é para tratar do histórico de corrupção no país, mas, sim, para demonstrar como a justiça passou a ser atacada constantemente, a partir da ampla midiatização das investigações, e como isso fere o próprio conceito de Estado Democrático de Direito.

O fato é que apesar da Operação conduzida pelo ex-juiz Sérgio Moro ter aberto a porteira, diversos outros processos miraram em personagens da política. Nesse sentido, sob a estratégia de negar os fatos a todo custo, de modo a não afetar a “ilibada” reputação das figuras públicas investigadas, o discurso persecutório, utilizado com frequência por Lula, passou a ser usado, também, por Jair Bolsonaro. Uma vez no poder, com diversos esquemas indecorosos revelados não apenas no âmbito político, mas também na própria esfera da família Bolsonaro, o presidente passou a utilizar da fábula repressiva.

Apesar das duas personalidades citadas anteriormente serem centrais para a polarização da justiça, essa narrativa não se limita a elas. Figuras que se localizam em diferentes coordenadas no espectro político semearam a dúvida quanto à imparcialidade da justiça e, como consequência, geraram o descrédito das instituições judiciárias, cuja previsão é constitucional.

Nesse cenário, o Judiciário, deixa de ser o responsável por fazer justiça e ser poder árbitro de conflitos, como previsto na visão federalista clássica. Isso porque, caso os cidadãos realmente estejam convencidos que só há vagabundos no STF [1] — nas palavras do ex-Ministro da Educação –, ou que procuradores irresponsáveis fazem esforços para atingir ilegalmente personagens da política — como manifestou o ex-presidente;[2] cria-se um conflito de narrativa. Assim, é plantada a semente da desconfiança no Judiciário, da desconfiança quanto a se os políticos investigados, ou até condenados, são realmente corruptos.

Diante dessa narrativa ideológica, surgem os seguintes questionamentos: como é possível que a população acredite que os políticos são realmente corruptos ou que há efetivamente algo errado nos membros que representam as convicções pessoais, se esses são perseguidos políticos? Como fazer autocrítica? Como enriquecer o debate?

A questão principal é que não há alguém para defender a justiça, um defensor democrático no poder, nem nunca houve. Não apenas Brasília, mas os 26 Estados da Federação, estão permeados de sujeira — como ficou claro durante a pandemia. Assim, para esses personagens, o Judiciário, concretizador e defensor de direitos, passa de aliado para vilão, já que exercer a função investigativa é uma ameaça ao próprio poder.

Ao final, fico com medo dos rumos que nosso país toma e a História que será contada no futuro: durante a década de 2010, houve um mega complô Judiciário para perseguir o establishment? Presidente deu golpe? Temo pelas respostas e aguardo, ansiosamente, o futuro.

[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/eu-por-mim-botava-esses-vagabundos-todos-na-cadeia-comecando-no-stf-diz-ministro-da-educacao-em-reuniao.ghtml

[2]https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/lava-jato/lula-critica-lava-jato-e-acusa-procuradores-de-perseguicao,26797dbc293b17e0b7a07654360fd79bst5uuqoy.html

Gabriel Rogenfisch é graduando em direito na Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro e diretor executivo na Revista Ágora.

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