Onde ficam os direitos trabalhistas das mulheres brasileiras no mundo?

Por Beatriz Sabdin Chagas

Beatriz Sabdin
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9 min readJun 30, 2021

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Introdução

As mulheres, ao redor de todo o mundo, estão sujeitas à violência física e/ou psicológica, em sua forma explícita ou velada, em todos os âmbitos de suas vidas. Esses riscos independem de sua classe social, nacionalidade, etnia ou orientação sexual e, apesar de estes serem aspectos atenuantes ou agravantes, fato é que nada disso exclui a realidade descrita. O presente artigo busca pesquisar as diversas formas de violência sofridas pelas mulheres do mundo no ambiente laboral e identificar as recomendações dos tratados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A partir disso, percorrerá brevemente a realidade mundial, comparando o Brasil a um país escolhido, a fim de compreender o grau de desenvolvimento do país no quesito de proteção das mulheres no ambiente de trabalho.

1. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A OIT surgiu com o Tratado de Versalhes e hoje é um organismo especializado da Organização das Nações Unidas (ONU) — art. 57 da Carta das Nações Unidas. A instituição atua por meio de tratados e declarações internacionais, que objetivam a incorporação das recomendações e resoluções nas legislações dos países signatários.

A organização possui como alguns de seus principais objetivos: aumentar a uniformidade da proteção aos trabalhadores, difundir globalmente as normas de justiça social e prevenir violações dos direitos dos trabalhadores para possível vantagem dos Estados no mercado internacional. A incorporação desses preceitos visa instaurar instrumentos para a proteção dos trabalhadores reduzindo as más condições de labor, desigualdades e injustiças, de modo a preservar a dignidade humana.

2. Dos países selecionados

Segundo o World Bank’s Women, Business and the Law, os direitos das mulheres variam de acordo com a região do mundo em análise. O décimo quarto relatório Global Gender Report toma alguns parâmetros como base para a paridade entre os gêneros, entre eles participação econômica, realização educacional, saúde e participação política. A partir desses critérios, atribui-se uma pontuação de 0 a 100, em que o máximo significa que “mulheres que trabalham nas mesmas condições legais que homens, têm amplo acesso a empregos e são protegidas por mecanismos jurídicos contra discriminação de gênero e assédio sexual no ambiente de trabalho”.

Assim, após a análise dos índices apresentados neste relatório, selecionou-se o país que servirá como objeto de pesquisa para fins de comparação com a realidade brasileira. Como um dos líderes da lista e pontuação máxima, o Canadá será utilizado como exemplo mais próximo do que seria ideal dentro da realidade, estipulada a partir dos critérios adotados pelo relatório. A partir disso, o presente trabalho irá comparar o Brasil, que tem pontuação 81,9, por meio de dados empíricos para compreender o quanto ainda será necessário ampliar as medidas tomadas nesse âmbito para alcançar a equidade de gênero no ambiente profissional.

3. Dos objetivos e dos mecanismos de concretização da igualdade de gênero do mundo do trabalho

Segundo o relatório da OIT “Empowering Women at Work: Gorvernment Laws and Policies for Gender Equality”, os objetivos centrais almejados para a concretização do ideal de igualdade de gênero são: atingir pagamento igualitário para trabalho de igual valor, prevenir e eliminar a violência de gênero e o assédio no mundo laboral, apoiar a participação igualitária das mulheres na tomada de decisão no ambiente de trabalho e construir um futuro nesse âmbito que seja favorável às mulheres. Os critérios utilizados diferem dos adotados pelo Banco Mundial (participação econômica e oportunidades, realização educacional, saúde, sobrevivência e empoderamento) por serem objetivos almejados para realização nos países, enquanto o Banco Mundial adota critérios métricos para a criação de um ranking entre os países.

Inicialmente, a respeito da igualdade salarial para trabalhos de mesmo valor, em 2015, foi possível estimar que, no Canadá, mulheres qualificadas com mesmas características socioeconômicas e demográficas possuem uma diferença salarial de US $7.200 anuais em relação aos homens, o que representa 15% da renda média de um indivíduo canadense, cujo total no mesmo ano era de US $45.700. Apesar da ainda existente diferença, o país possui o Employment Standards Act to the Pay Equity Act, que impede o empregador de remunerar, baseado em sexo, com valores diferentes funcionários que realizem o mesmo trabalho, que exige as mesmas qualificações, mesma habilidade, mesmo esforço e mesmas condições. Já no Brasil, as mulheres possuem, em média, um rendimento mensal 22% inferior ao dos homens — o salário médio dos homens em 2019 era de R $2.495, enquanto o das mulheres era de R$1.958. Apesar desta disparidade, a Consolidação das Leis do Trabalho em seus artigos 5º e 461, institui os termos para a equidade salarial entre os sexos. Está ainda em votação um projeto de lei que pretende estabelecer multa para empresas que remuneram distintamente homens e mulheres que exercem as mesmas funções.

A respeito da prevenção e eliminação da violência sexual e assédio no mundo laboral, entende-se que embora as mulheres sejam a menor parcela de trabalhadoras no mercado, são a que mais sofrem com esse tipo de discriminação. Em uma pesquisa sobre o tema em que 1005 dos 1349 entrevistados eram mulheres, descobriu-se que no Canadá 60% destas pessoas sofreu assédio, 30% assédio sexual, 21% violência e 3% violência sexual no ambiente de trabalho. Já no Brasil, uma pesquisa similar indicou que 76% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio ou violência no ambiente profissional. Nota-se aqui que apesar de os índices brasileiros serem mais altos, o cenário alarmante possui similaridades nos dois países. Embora estejam amparadas pela legislação, a subnotificação é um grave problema, que decorre da falta de ação e do medo. Das trabalhadoras que reportaram a violência, em sua maioria as empresas não tomaram nenhuma medida de punição ou prevenção e as que não reportaram, majoritariamente têm medo de alguma represália. Idealmente, além da existência de políticas de prevenção contra o assédio e resposta a incidentes nos ambientes corporativos, o correto treinamento para sua efetivação é imprescindível — a maioria, apesar da elaboração dessas políticas, não recebe treinamentos para sua correta implementação, o que desencoraja a denúncia e, consequentemente, atrapalha a diminuição dos casos.

Quanto à participação em cargos de liderança, o Canadá possui 32% dos cargos de gestão sênior ocupados por mulheres, enquanto no Brasil elas ocupam 34% desses cargos. Segundo o relatório, as principais ações praticadas nas empresas brasileiras para aumentar a equidade de oportunidades são a oferta de treinamento contra preconceitos inconscientes, a oferta de mentoria e treinamento, a criação de uma cultura exclusiva e a permissão de trabalho flexível. Como exemplo de medida que visa essa promoção, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em 2021 enviou uma carta ao mercado convidando as empresas a aumentarem a diversidade entre os membros dos comitês decisórios.

Conclusão

Após analisar os dados produzidos pelo Banco Mundial e pela Organização Internacional do Trabalho, foi possível estabelecer alguns parâmetros de comparação entre Canadá e Brasil para identificar o quanto o país ainda precisa evoluir para alcançar uma condição de igualdade de gênero no mercado de trabalho.

Nesse sentido, ao analisar a equidade salarial, prevenção e eliminação da violência de gênero e assédio nos ambientes profissionais e a participação feminina em cargos de liderança, é possível inferir que, embora o Canadá esteja mais avançado nos índices do Global Gender Report, em que apresenta as melhores condições para que a igualdade de gênero seja alcançada, ainda não atingiu os resultados almejados pela Organização Internacional do Trabalho, assim como o Brasil.

Portanto, ainda é necessário que ambos os países sigam as orientações dessa entidade para que se aproximem progressivamente dos objetivos estabelecidos, com mais urgência para o caso brasileiro. Para alcançar a equidade salarial é preciso primeiro garantir que o trabalho realizado pelas mulheres seja igualmente valorizado em relação ao masculino. Uma abordagem legislativa efetiva e compreensiva deve garantir iguais oportunidades e tratamento no trabalho para todos; estabelecer e aplicar o direito a pagamento igual para trabalho de igual valor; promover diálogo social e negociação coletiva; estabelecer e implementar transparência salarial; e estabelecer salário mínimo adequado e inclusivo.

Além disso, é necessário que os governos se comprometam com a prevenção e o fim do assédio e da violência contra mulheres no mercado de trabalho. Para alcançar esta realização, faz se necessária uma legislação que proíba a violência e o assédio, como já existe no Código Penal brasileiro; assegure que políticas públicas relevantes abordem violência e assédio; adote uma estratégia compreensiva para implementar medidas de prevenção e combate à violência e ao assédio; estabeleça mecanismos de aplicação e monitoramento e reforce os que já existem; garanta acesso a correções e reparações, bem como apoio às vítimas; provenha sanções; desenvolva a educação, as ferramentas de treino, guias de ação e atividades e crie consciência e formas apropriadas e acessíveis; e garanta a existência de meio efetivos de inspecionar e investigar em casos de violência e assédio.

Por fim, é imprescindível a elaboração de políticas públicas que favoreçam a promoção de mulheres a cargos de liderança nos setores público e privado, onde estas poderão colaborar para a superação de barreiras econômicas e estereótipos que contribuem para a desigualdade de tratamento no mercado de trabalho. Para isso, as políticas públicas devem promover a participação e liderança feminina em processos decisórios; adotar políticas macroeconômicas responsivas a questões de gênero; implementar medidas proativas para incentivar equilíbrio de gênero nas lideranças das corporações e nas posições de gestão; apoiar e fomentar empreendimentos femininos; e expandir a aquisição responsiva a gênero.

Dessa forma, ao adotar as recomendações apontadas pelo relatório da Organização Internacional do trabalho, ambos os países, Brasil e Canadá poderão progredir para alcançar a equidade entre os gêneros no ambiente de trabalho e melhorar a vida de suas cidadãs, o que será refletido em seus indicadores para futuros relatórios.

REFERÊNCIAS

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