A foto é de Mathias P.R. Reding.

Português como idioma oficial da ONU

O ensino linguístico nas academias diplomáticas e a troca de conhecimento internacional pelos casos da Embrapa e da contenção do HIV*

Gustavo Rocha
Interfaces Revistas
5 min readJun 18, 2021

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No dia 5 de maio de 2020 foi celebrado o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa pela Unesco. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, para confirmar a importancia da data expressou que “a língua portuguesa vai-se construindo no dia a dia de vários povos, de todos os continentes, num constante enriquecimento da sua multiculturalidade”[1]. O Secretário foi um dos fundadores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e apoia a oficialização do idioma no regime interno da ONU.

No presente texto, argumento sobre a importância da democratização linguística na sociedade internacional pelo tema da adoção do Português como oficial nas Nações Unidas. Nessa introdução da língua à organização denota-se i) um aumento do ensino da língua portuguesa para diplomatas e, consequentemente, ii) uma promoção de trocas de conhecimento entre Estados (pelos casos da Embrapa e do controle do HIV).

Um primeiro levantamento seria que o Português, sendo um idioma oficial da ONU, teria seu ensino amplamente disseminado em academias diplomáticas. No Instituto Rio Branco, por exemplo, órgão de formação diplomática brasileiro, para conquistar a aprovação em concurso público, é necessário ter conhecimento das competências de leitura, tradução e escrita dos idiomas francês, espanhol e inglês. Depois de aprovado, o já então nomeado terceiro secretário (primeira categoria dentre a hierarquia diplomata) pode escolher aprender durante o treinamento na academia Rio Branco[2], justamente, as outras três línguas institucionalizadas na ONU: russo, árabe e o chinês.

O estudo e aplicação dos idiomas oficiais das Nações Unidas acontece também em outras academias diplomáticas pelo mundo. Na Argentina, o “Instituto del Servicio Exterior de La Nación” (ISEN) oferece cursos sobre as mesmas seis línguas[3]. O diplomata iniciante, nesse contexto, é instigado a aderir ao sistema linguístico da ONU desde o início de sua carreira, deixando idiomas que não estejam nesse âmbito de incidência fora dos seus interesses globais.

A simples oficialização do Português, no entanto, não significa uma automática reforma e implementação do idioma nos institutos diplomáticos. As seis línguas já implementadas pela organização apresentam motivos para sua posição, seja por tradição diplomática, quantidade de falantes ou forças econômicas, militares e políticas. O Português, para justificar sua implementação, precisa demonstrar que tem algo a oferecer.

A CPLP é exemplo de como Estados, interligados pelo idioma, conseguiram ampliar a qualidade de vida de seus cidadãos. Em mais de vinte anos de história, essa comunidade lusófona produziu fontes de conhecimento muito eficazes entre si, mas pouco aproveitadas pela sociedade internacional. Apresento a seguir, dois desses exemplos subaproveitados pelo sistema internacional que disseminaram conhecimento e benefício social entre a comunidade lusófona.

CASO EMBRAPA

Projeto de aproximação científica e tecnológica de países africanos com o Brasil (1996–2002), teve grande sucesso pela experiência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A empresa se destaca no ramo internacional pela sua proficiência em adaptar locais para uma agropecuária mais produtiva. Os interesses dos países africanos lusófonos em ampliar sua produção alimentícia, nesse sentido, geraram trocas diplomáticas que foram facilitadas pelo idioma em comum, pelos protocolos institucionalizados pela CPLP e pela posição geográfica compatível com a do Brasil.

O governo brasileiro, nesse contexto, ofereceu treinamento técnico, material bibliográfico e transferiu tecnologia para os Estados da CPLP. O Estado de Cabo Verde, por exemplo, possui apenas 10% de área cultivável, sendo o treinamento oferecido pela empresa a 19 técnicos agropecuários cabo-verdianos que, junto com a transferência de tecnologia para milho e sorgo, teriam o viés de desenvolver o bem-estar da população local. Para o Brasil, os benefícios dessa ação ocorrem por elevar o poder de trocas comerciais de seus parceiros, o que consequentemente gera retornos para o seu próprio Estado; demonstrando a relevância de acordos multilaterais e a proximidade diplomática que uma língua difundida pode gerar[4].

CASO DE CONTENÇÃO DO HIV

Nos anos 80, o HIV se disseminou de maneira rápida e preocupante pelo mundo, ganhando o rótulo de epidemia. O Brasil, nesse momento histórico, se destacou positivamente por sua intensa política de combate e contenção ao vírus. Sua preocupação estava em ampliar o alcance de informações preventivas, dar o diagnóstico o mais cedo possível e distribuir meios contraceptivos para conter o avanço do HIV.

O sucesso de seus projetos logo levou os Estados de língua portuguesa a se interessarem por um intercâmbio de conhecimento, principalmente os africanos, que sofriam grandes perdas humanas pelo alastrar da doença. Foi fornecido, então, o capital informativo que as políticas públicas brasileiras desenvolveram, além da transferência de tecnologias para produção de medicamentos[5]. Mais um caso em que a aproximação diplomática pelo português forneceu maneiras para desenvolver a qualidade de vida de nações e disseminou o saber científico.

A língua portuguesa, portanto, conseguiu abranger questões econômicas e sanitárias, formulando uma união de nações lusófonas e na troca de conhecimento para ampliar benefícios sociais. Infelizmente, esses projetos não tiveram tanta repercussão para que outras nações se interligassem à CPLP com intuito de um intercâmbio de conhecimento. A Embrapa, o sistema de saúde público e outros inúmeros projetos de sucesso que a cultura lusófona proporciona acabam restritos a parcela da sociedade internacional pela dificuldade desse sistema se adaptar a uma língua não oficializada pela maior organização governamental do globo.

Caso as Nações Unidas ampliassem o rol de línguas oficiais ocorreria uma viabilização desse intercambio científico pela disseminação do ensino do idioma em academias diplomáticas pelo mundo. A esfera global, no sentido de onde atuam os representantes públicos internacionais, seria impactada por mais diversidade. A sociedade global, nesse novo contexto, teria incentivos para conhecer e desenvolver progressivamente o diálogo para democratização de conhecimento produzido pelos Estados lusófonos.

Referências:

[1] UNRIC — UNITED NATIONS REGIONAL INFORMATION CENTER FOR WESTERN EUROPE, UNESCO celebra primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 mai. 2020. Disponível em: <https://unric.org/pt/unesco-celebra-primeiro-dia-mundial-da-lingua-portuguesa/>. Acesso em: 15 mar. 2021.

[2] O treinamento é dividido em 18 meses, sendo as disciplinas dos idiomas separadas em 3 níveis de dificuldade que são desenvolvidas durante três semestres. Além disso, caso um diplomata de qualquer hierarquia esteja alocado em Brasília, ele pode se beneficiar de mais cursos linguísticos que o Instituto Rio Branco oferece.

[3] INSTITUTO DEL SERVICIO EXTERIOR DE LA NACIÓN. Idiomas, Buenos Aires, [s.d.]. Disponível em: <https://isen.cancilleria.gob.ar/idiomas. Acesso em: 15 mar. de 2021>.

[4] PORTO, Marcio C. M.; COSTA, Sotto Pacheco. O Papel da Pesquisa Agropecuária como fator de integração científica e tecnológica na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; A experiência da Embrapa. In: CARDIM, Carlos Henrique; CRUZ, João Batista (Org.). CPLP — Oportunidades e Perspectivas. Brasília: FUNAG/IPRI, 2002. Disponível em: <http://funag.gov.br/biblioteca/download/0066-CPLP%20Oportunidades%20e%20Perspectivas.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.

[5] TEIXEIRA, Paulo Roberto; FIGUEIREDO, Mauro Teixeira de. A política brasileira para HIV/AIDS e a cooperação com a comunidade de países de língua portuguesa — CPLP. In: CARDIM, Carlos Henrique; CRUZ, João Batista (Org.). op. cit.

*Por Gustavo Gomes Rocha

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Graduando em Direito pela FGV Direito Rio e em Relações Internacionais pela UFRJ