Usain Bolt sedentário e Síndrome de Burnout

O trabalho como causa de doenças mentais*

Sharon Rose
Interfaces Revistas
3 min readJun 19, 2021

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A sociedade ocidental vegeta sob o jugo esmagador imposto pelo paradigma capitalista-utilitarista: vale aquilo que dá lucro ou prazer, ou mesmo status, no caso dos brasileiros. Diante da impotência de corresponder ao padrão de vida imposto, as pessoas se flagelam e, na tentativa insensata de ultrapassar seus limites nos estudos e no trabalho, se esgotam fisicamente e adoecem mentalmente.

Uma pesquisa da OMS[1] identificou que o Brasil é o país mais ansioso do mundo. Segundo a International Stress Managment Association do Brasil (Isma), cerca de 30% dos brasileiros sofrem da doença e convivem com os sintomas de estresse constante, exaustão mental, fadiga dores de cabeça e musculares2. Nos abstendo dos números, os dados se fazem presentes na vida de todos; alguma vez na vida com certeza você já ouviu falar de alguém que "surtou de tanto estudar" ou que "pediu afastamento do trabalho porque, não estava aguentando".

Creio que a questão em si é: por que isso acontece? A verdade é que não há uma resposta correta, trata-se apenas da junção de vários fatores.

A Síndrome de Burnout, ou síndrome do estafa profissional, é um distúrbio psíquico descrito pelo médico americano Freudenberger em 1974, resultado da exposição a níveis prolongados de estresse e exaustão emocional, distanciamento das relações pessoais e diminuição do sentimento de realização3. Talvez desconheçamos a definição, mas já presenciamos o conceito.

Maria da Conceição Uvaldo, do Serviço de Orientação Profissional (SOP) do Instituto de Psicologia (IP) da USP e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho e Orientação Profissional (Trabalho) da USP, crê que tal síndrome deve aumentar na conjuntura brasileira após o período pandêmico, o que está intrinsecamente ligado à situação do mercado empregatício do país. O Brasil vivencia uma grave crise financeira, sobretudo a partir de 2008, resultando em um enorme contingente de desempregados. Com isso, os cidadãos que ainda possuem um posto de trabalho, na obrigação de mantê-lo, sacrificam-se para ir além, mas não de uma forma saudável; ultrapassam os entraves à custa de sua saúde física e psicológica.

O fator preponderante para a formação deste conjunto de circunstâncias desfavoráveis ao trabalhador é a desigualdade social brasileira, que força uma concorrência desigual. Além da disparidade nas condições básicas de vida como moradia e alimentação, há um abismo extremo entre a qualidade de ensino oferecida pelo Estado e pela educação privada. Logo, os menos favorecidos por esse sistema injusto, deficitário e defasado se propõem a dispor de todo o seu arcabouço de formação para o mercado de trabalho, submetendo-se a um jugo altamente desigual em relação aos privilegiados. É como querer tornar-se Usain Bolt sendo sedentário, não há preparo para tal.

Além disso, é preciso considerar as pressões externas adjacentes à vida profissional. Há o medo de perder tempo e consequentemente dinheiro, de decepcionar os outros e o si mesmo, de passar por privações oriundas de dificuldades financeiras e toda a ansiedade resultante disso, que abre lacunas para o sentimento de incapacidade, que muitas vezes precedem a depressão.

O resultado é uma sociedade fadada ao doentio. Doentio que se revela no exaustão emocional do problema, na perda do sentimento de realização pessoal inerente ao trabalho e no surgimento do processo de despersonalização4. Doentio quando o meio de sobrevivência se torna capaz de matar.

[1] ALEGRE, Laura. Brasil é o país mais ansioso do mundo: Cenário brasileiro pode ser um dos fatores que faz com que o país seja o mais ansioso do mundo. Rádio USP, São Paulo, 29 jul. 2019. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo/>. Acesso em 14 jun. 2021.

[2] OLIVEIRA, Kainã de. Cobrança por produtividade na pandemia pode levar à síndrome de burnout. Jornal da USP no Ar, São Paulo, 21 de janeiro. de 2021. Disponível em: <https://jornal.usp.br/?p=384307>. Acesso em: 14 jun. 2021.

[3] TRIGO, Telma Ramos; TUNG TENG, Chei; HALLAK, Jaime Eduardo Cecílio. Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Revista de Psiquiatria Clínica da USP, São Paulo, v.34, n.5, p. 223-233, 2007. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000500004>. Acesso em: 18 jun. 2021.

[4] BÖCK, Vivien; SARRIERA, Jorge. O grupo operativo intervindo na Síndrome de Burnout. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 53-63, jun. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572006000100004&lang=pt>. Acesso: 14 jun. 2021.

*Por Sharon Rose Martins Prado

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