Ivan Moraes: ‘a pluralidade de discursos é mal vista’

Ativista da comunicação pública, vereador analisa cenário atual e comenta os entraves para a efetivação da Lei da Mídia Democrática

Guto Moraes
interjor2019
6 min readMay 22, 2019

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Ivan Moraes (Psol) durante gravação para o canal Bora, Queridagem (REPRODUÇÃO / INSTAGRAM)

Vereador eleito pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em 2017, Ivan Moraes exerce o seu primeiro mandato na Câmara do Recife, onde já foram aprovados 23 projetos de lei ordinária, um decreto legislativo e um projeto de resolução, dos 306 requerimentos de sua autoria. Em 2018, foi candidato a deputado federal pelo mesmo partido, mas não foi eleito, obtendo 18.755 votos (0,43% dos votos válidos).

Apresentou o programa Pé Na Rua, exibido pelas TVs Pernambuco e Brasil, e publica vídeos no canal Bora, Queridagem!, onde discute temas como a transparência pública e laicidade até mobilidade e fake news. Tem em sua trajetória a militância pelos Direitos Humanos e é especialista em comunicação pública. Em seu mestrado dissertou sobre a Lei da Mídia Democrática .

É integrante do Centro Cultural Luiz Freire (CCLF), em Olinda, e participou da fundação do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom). Em seu perfil no site da casa legislativa da capital pernambucana, destaca o empenho junto ao CCLF pela fundação da Rádio Frei Caneca.

Com ele, conversas sobre os aspectos que o norteiam a comunicação pública no Brasil. Confira:

Pergunta: Ivan, o que se entende por Comunicação Pública?

Ivan: É uma Comunicação protagonizada pela sociedade. A constituição de 88 traz seu artigo 223 uma perspectiva de complementaridade entre um sistema público, um sistema estatal e um sistema privado de Comunicação.

Na comunicação privada o protagonismo é, principalmente, da indústria de comunicação. Na mídia estatal, o próprio governo, nas suas diversas esferas, dialoga com a população. Já em um sistema público, a própria população dialoga com ela mesma, através de suas organizações e produção independente.

P .: Qual o atual cenário deste tipo de comunicação?

I .: O cenário atual é de pleno retrocesso. É importante que se diga: nunca foi uma grande primavera . Com a luta de muitos anos, o Governo Federal, em 2007, deu início à construção de um sistema público de comunicação através da criação da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que abarcaria a meios públicos como a TV Brasil e a Rádio Nacional, mas também rádios estatais, como uma NBR.

Funcionando, principalmente, a partir da complementação dos servidores concursados e se abrindo para uma produção independente com uma curadoria realizada através de um conselho, na maioria eleito pela sociedade. Quando acontece o golpe de 2016, esse conselho curador é desfeito e a presidência da EBC — que era um mandato — é interrompida para que fosse aparelhado o que se havia de sistema público, que ainda era uma estrutura embrionária.

De 2007 até 2016 esse sistema não conseguiu se consolidar por falta de financiamento e prioridades. Agora, no governo Bolsonaro, a perspectiva é pior com a fusão da NBR com a TV Brasil. Provavelmente criando uma TV mais chapa branca. Por mais que a gente criticasse a lentidão dos processos, eles foram interrompidos e começam a regredir.

No campo estadual, temos uma TV que se pretende pública, que é a TV Pernambuco, mas não tem recursos para funcionar.

No campo municipal, o que tem de público é a Rádio Frei Caneca, que é uma rádio demorou muito tempo para entrar no ar, mas que, até agora, tem caminhado de forma muito lenta naquilo que se pretende, que se torne uma rádio pública. Nos três primeiros meses desse ano, a Prefeitura do Recife já gastou mais de R$ 10 milhões com comunicação e a Frei Caneca não viu nem R$ 0,01.

Jornalista foi eleito vereador do Recife pelo Psol (REPRODUÇÃO / INSTAGRAM)

P .: No campo da Política de Comunicação existe em discussão a Lei da Mídia Democrática, da qual você faz parte. Em que ela consiste?

I .: A discussão teve início com a própria Constituição de 88. No capítulo V, nos artigos 220, 221, 222 e 223, existem princípios para que seja norteada uma nova política pública de comunicação. No entanto, os artigos da Constituição não são autoaplicáveis. São artigos que determinam a necessidade do que se chama Legislação Infraconstitucional.

Por exemplo: no artigo 220, a comunicação eletrônica não pode ser objeto de monopólio ou oligopólio. Mas falta uma legislação que determine o que é monopólio, o que é oligopólio e quais são os limites da concentração. No artigo 221, em um dos seus incisos, fala como as emissoras de radiotelevisão devem produzir conteúdo regional de acordo com os percentuais estabelecidos em lei. Só que essa lei nunca foi criada.

É uma discussão antiga, que avançou muito pouco. Um dos marcos é a criação do EBC — que entra na legislação do artigo 223, embora não a completa — , naquela perspectiva dos movimentos sempre demandar do Governo Federal que fizesse essa legislação. Quando chega no meio do governo Dilma, há uma diferença de leitura, e os movimentos sociais passam a observar que não porquê esperar e precisa efetivar esse passo de criar um projeto de lei.

Ali por volta de 2012 em diante, depois da 1ª Conferência de Comunicação Nacional (2009), várias organizações se juntaram para criar um projeto de lei de iniciativa popular. Conhecida como projeto de Lei da Mídia Democrática. É um projeto de lei de iniciativa popular que busca regulamentar os artigos da Constituição que falam sobre radiodifusão. Não é um projeto que tira nada do bolso, mas que regulamenta artigos que estão há mais de 30 anos sem significado porque não foram regulamentados.

P .: Vereador, e quais são as dificuldades para a aplicação?

I .: A primeira é a influência do setor de radiodifusão nas esferas de poder. Existe uma grande quantidade de parlamentares, que são os próprios donos de empresas de radiodifusão. Fora isso, a influência política muito grande das grandes redes sobre o Poder Executivo. Isso aconteceu, inclusive, nos governos ditos de esquerda do PT. São empresas que não querem abrir mão da sua hegemonia.

Quando a gente fala de mídia democrática não falamos de fechar empresas de radiodifusão ou de perseguir as empresas privadas, mas a criação de um novo ecossistema de comunicação, em que muito mais sujeitos tenham a oportunidade de debater. A pluralidade de discursos é mal vista por aqueles que historicamente, desde a década de 1930, têm comandado esse setor. Como se pode vivêssemos num faroeste, onde quem pode mais manda mais.

P: E como isso se reflete na sociedade?

I .: Nós vivemos em uma sociedade das poucas narrativas, das histórias únicas . Você muda de canal e vê a mesma versão de tudo. Agora estamos vivendo o que deveria ser uma discussão, a reforma da Previdência. Mas todas as emissoras privadas, que dominam o espectro que é público, defendem que haja uma reforma de acordo com os preceitos desse governo. E quem discorda? Onde é que tá?

Passamos agora, em abril, pelo Dia do Índio, dos povos indígenas. Mas o que é que nós sabemos sobre os povos indígenas? Em Pernambuco, quando vou dar palestra gosto de brincar e pergunto: ‘quem sabe dizer o nome de três povos indígenas de Pernambuco?’. Ninguém sabe.

Nós temos hoje 13 indígenas identificados no Estado. Mas não temos acesso. Não sabemos que eles existem; e, por não saber que eles existem, naturalmente eles carecem de políticas públicas que garantam seus direitos. Já que a classe política não se interessa porquê não existe, porque não é visto.

A gente tem um problema grave de comunicação, de diversidade de debates, que acaba prejudica a sociedade sob diversos aspectos. Desde a falta de entendimento do mundo em vivemos até o aprisionamento da opinião do público. A opinião é feita por poucas pessoas e se torna opinião pública à partir da massificação dessa opinião.

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Guto Moraes
interjor2019

Repórter de Cotidiano da Folha de Pernambuco. CEO da Revista Dona Custódia. Colaborou com o Catraca Livre e Revista O Grito!.