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A Realidade Virtual deveria nos ajudar a trabalhar remotamente. Então onde ela está?

Escritórios fechados e isolamento social. Trabalhar a partir de casa deveria ser ótimo, mas a única coisa pior do que salas de conferência são chamadas em conferência.

Jacqueline Lafloufa
Interwebz
Published in
5 min readMar 16, 2020

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Por Molly Wood

Original: VR was supposed to help us work remotely. So where is it?
Tradução: Jacqueline Lafloufa
Revisão: [em aberto]

Nos prometeram avatares.

Eu sei, parece bobagem focar nas falhas da realidade virtual enquanto estamos sentados contemplando o tanto de sistemas que estão falhando durante essa epidemia mortal.

Mas aqui na área da baía de San Francisco, as luzes dos escritórios estão sendo apagadas uma a uma, à medida que as empresas enviam seus funcionários para casa para trabalhar. Estamos todos falando sobre Zoom, Microsoft Teams e Hangouts, mas todo mundo sabe que essas ferramentas não funcionam tão bem. Dá para prever a frustração e as falhas de comunicação que elas causarão nas próximas semanas ou meses (ou mais?) de trabalho remoto. À medida que esse futuro se aproxima, não consigo deixar de pensar: já não deveríamos ter Realidade Virtual nos locais de trabalho?

Há alguns poucos anos, as notícias de tecnologia estavam repletas de histórias sobre como a Realidade Virtual iria transformar o trabalho. Poderíamos colaborar em quadros brancos de salas de conferência virtuais; nossos avatares iriam interagir tranquilamente, livres de germes; e, de alguma forma incrível, iríamos sentir nos sentir realmente presentes. As reuniões virtuais seriam tão boas quanto as presenciais, a não ser pelo fato de que caretas e revirar de olhos aconteceriam nas nossas casas, por trás de pesados óculos virtuais que deslizariam pelo nosso nariz suado.

Isso, com algumas exceções que discutirei mais adiante, não aconteceu. De fato, como muitas das outras promessas da Realidade Virtual, nada disso se tornou realidade. Estamos no meio do que parece ser uma mudança profunda na forma como trabalhamos e, no entanto, tecnologias descentralizadas como a Realidade Virtual ainda não progrediram a ponto de nos oferecer teleconferências um pouco menos irritantes. A principal inovação do Zoom é a discagem com apenas um toque, que na verdade só insere o código da conferência para que você não precise fazê-lo. Parece uma vergonha se compararmos com os apertos de mão via avatar que deveríamos ter hoje. Acho as videoconferências tranquilas, contanto que todos consigam fazer o vídeo funcionar.

Falando sério: recentemente no meu escritório organizamos uma reunião sobre como planejar cenários de trabalho remoto, à medida que o novo coronavírus se espalha para Los Angeles e Nova York. No entanto, os organizadores se esqueceram de iniciar a reunião no Zoom, e já que não conseguiram fazê-la funcionar, decidiram que fazer isso ia dar muito trabalho e ficaram de informar a equipe de Nova York em outra hora.

Temos ainda tanto, tanto a avançar.

Considerando os artigos entusiasmados de apenas dois anos atrás, eu teria pensado que hoje em dia cientistas de todo o mundo estariam colaborando virtualmente no desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus, espremendo gotículas de sangue virtual em placas de Petri simuladas e projetando suas análises em estilo holograma sobre paredes digitais. Talvez os dados acumulados do trabalho de todos os cientistas se tornassem visíveis como os quilômetros de armamentos e outras necessidades que se encaixam sozinhas quando o Neo visita o programa de treinamento da Matrix. Deveríamos literalmente ter uma visão capaz de reconhecer cheiros.

No entanto, como o Los Angeles Times apontou recentemente, o mais próximo que chegamos desse futuro é o Second Life.

Os fãs de Realidade Virtual (e algumas empresas) vão me dizer que houve progresso. Alguns programas de treinamento e suporte estão acontecendo digitalmente, por exemplo. A HTC, o Google e a Oculus, de propriedade do Facebook, estão vendendo ou desenvolvendo óculos de Realidade Virtual para os locais de trabalho. Sim, eles são ótimos para simulações de vôo — sim, eu ouvi você! Os analistas prevêem que, apesar de um início lento, o uso da Realidade Virtual na assistência médica, na arquitetura, no varejo, na construção e na engenharia começará a aumentar muito em breve. Tudo isso será acelerado pela chegada — a qualquer momento, pelo que parece — do 5G, levando a um boom de Realidade Virtual até 2024.

O principal analista da ABI Research, Michael Inouye, disse à Computer Weekly no mês passado que, de fato, “reuniões virtuais e produtividade se tornarão cada vez mais comuns à medida que o hardware e as plataformas melhorarem e evoluírem”. OK, mas com base em citações semelhantes de analistas em 2014, parece que deveríamos estar um pouco mais evoluídos.

Ah, e sim, eu entendo que a Realidade Aumentada é a novidade mais importante do momento — que em breve combinaremos um local de trabalho virtual com uma consciência básica do mundo ao nosso redor, para que não tenhamos que nos preocupar em meter a cara nas paredes, por exemplo. O melhor dos dois quase inexistentes mundos. Essa é a novidade mais recente da divisão Google Glass, de acordo com uma enxurrada estranhamente prevenida de futuros anúncios de produtos de Realidade Virtual feitos em fevereiro.

Menciono tudo isso não apenas para espezinhar as contínuas promessas exageradas sobre a Realidade Virtual, embora eu esteja gostando de fazer isso a essa hora da noite. A questão é que dependendo de quanto tempo durem essas quarentenas, da gravidade do vírus e de quanto trabalho remoto começará a ocorrer em todo o país e até no mundo, podemos nos encontrar reavaliando como (e talvez até por que) vamos até os nossos locais de trabalho. E vamos descobrir que precisamos de muito mais tecnologia para deixar de ir até esses escritórios.

A era da internet deveria nos libertar de todo tipo de trabalho árduo. Não teríamos que nos amontoar em cidades cada vez mais caras nas regiões litorâneas (quanto mais aglomerados, mais fácil para espalhar o vírus). Poderíamos prestar atendimento ao cliente, colaborar, realizar treinamentos, recrutar talentos, fazer prototipagem, publicidade — de verdade, poderíamos fazer qualquer coisa, de qualquer lugar — tudo graças a ferramentas como email, Realidade Virtual, Realidade Aumentada e robôs de telepresença.

Verdade seja dita, usamos principalmente essas inovações tecnológicas para terceirizar o atendimento ao cliente. Segundo uma pesquisa divulgada no mês passado, cerca de 3,4% da força de trabalho dos EUA trabalha remotamente. Essa taxa representa um monte de pessoas, mas é uma proporção muito pequena da força de trabalho, considerando o que já poderia ter sido alcançado neste ponto da revolução digital. Apesar das esperanças de uma maior diversidade geográfica, a realidade hoje em dia é que a maioria das pessoas que trabalham remotamente são funcionários altamente bem remunerados, vivendo em áreas ricas das cidades. Para a maioria das pessoas, a norma é ter o benefício de fazer home office uma ou duas vezes na semana, e nos outros dias fazer longas viagens para chegar em escritórios frios e úmidos.

No entanto, a necessidade [atual] pode ser o pontapé inicial necessário para essa tecnologia deslanchar. É possível que nunca possamos substituir a simples reunião presencial, o compartilhamento de feromônios e contato visual, uma refeição, um café, um encontro durante uma caminhada. Mas, seja por causa do novo coronavírus ou apenas pela crise imobiliária em algumas cidades superlotadas e absurdamente caras, precisaremos de algo melhor do que uma teleconferência. A hora de evoluir é agora.

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Jacqueline Lafloufa
Interwebz

Jornalista, consultora e curiosa. Editora da @interwebzbr. De olho em inovação, tecnologia e comunicação. Atende por @jacquelinee nas redes sociais