O brinde de casamento que eu nunca darei

Jacqueline Lafloufa
Interwebz
Published in
7 min readJan 3, 2016

Por Ada Calhoun, na coluna Modern Love no NYT

tradução: Jacqueline Lafloufa
original: Ada Calhoun, Modern Love, The New York Times

Enquanto estava fora em uma conferência em Minneapolis, eu fui acordada de madrugada por uma ligação do meu marido, que estava no nosso apartamento em Nova Iorque. O nosso filho de 8 anos tinha acabado de acordá-lo com a suspeita de que eles não conseguiriam pegar o voo deles, que partia às 7:30 da manhã, porque já eram 7:40 e eles ainda estavam em casa.

O plano original era que nós viajaríamos para Minneapolis juntos. Eu iria para a minha conferência, meu marido, que é músico, iria fazer um show em um clube bacana, e nosso filho ia gastar o tempo dele na piscina do hotel: todo mundo ganhava.

E então ofereceram ao meu marido uma boa oportunidade em Nova Iorque para o mesmo dia que iríamos viajar, então ele ligou [para a companhia aérea] para trocar os voos dele e do nosso filho. Informaram a ele que fazer essa troca custaria mais do que comprar novos pares de viagens só de ida. Então ele preferiu comprar as viagens de ida e aproveitar os bilhetes originais apenas para a volta, esquecendo-se de que quando você não voa a primeira “perna” da viagem, a segunda “perna” é automaticamente cancelada. O que significava que comprar novos voos de volta custaria algo entre “ui” e “meu Deus o que estamos fazendo?”

Agora, depois de tudo, a minha família acabara de perder a primeira perna do seu novo itinerário. Enquanto falava com a companhia aérea novamente, meu marido me mandava emojis sexy por mensagens no celular.

“Foco”, eu respondi, junto de um emoji de um avião.

Ele me respondeu com um emoji de um flan.

Nós havíamos nos casado cedo — no final dos nossos 20 anos — se comparado com nosso grupo de amigos urbanos, e agora, no final dos nossos 30, estávamos naquela época de ir a casamentos dos nossos colegas. Juntos há 11 anos, eu e meu marido nos sentávamos nessas cerimônias de casamento ouvindo nossos amigos em transe, descrevendo todos os jeitos que eles iriam ser excelentes quando se casassem.

“Eu sempre serei seu melhor amigo”, eles dizem, lendo trechos em papeizinhos amarrotados, com as mãos trêmulas. “Eu nunca vou te decepcionar”.

Eu batia palmas junto com todo mundo; adoro casamentos. Ainda assim, havia tanto que eu gostaria de dizer.

Eu queria dizer que um dia você e seu marido vão discutir sobre voos perdidos, e você vai se ver sentindo saudades da época em que você precisava pagar apenas pelos seus próprios erros. Eu quero dizer que em vários momentos do seu casamento, se ele durar para sempre, você vai olhar para essa pessoa e sentir apenas raiva. Você vai olhar fixamente para esse homem que você adorava e pensar: “bem que seria bom ter essa casa toda para mim”.

No Zen Budismo, a meditação ajuda quem a pratica a se desligar do ciclo de desejos e sofrimento. Na minha breve passagem pela graduação em religição, eu preferia o Budismo Terra Pura, um caminho alternativo para a iluminação para pessoas que (segundo um professor nos contou) podiam achar difícil abandonar a dor e a paixão mundanas, porque essas coisas também podem trazer tanta beleza e conforto. Ele resumiu o assunto desse jeito: “A vida é sofrimento — e ainda assim.”

Vida é sofrimento — e ainda assim

Eu penso nisso o tempo todo. “E ainda assim”. Esse tipo de limitação, para mim, é uma boa religião, e também o segredo para um casamento bem sucedido. No caminho de se manter juntos para sempre, você pode passar por muitos “e ainda assim”, alguns deles envolvendo viagens de avião domésticas.

Eu amo essa pessoa, e ainda assim ela é uma bagunça. E ainda assim, quando eu estou doente, ele não é tão cuidadoso. E ainda assim, não queremos o mesmo número de filhos. E ainda assim algumas vezes eu penso como seria ser solteira novamente.

Quanto mais tempo você passa com alguém, mais você empilha pequenos e grandes “e ainda assims”.Você ama essa pessoa. Claro que você quer ficar com ele ou ela para sempre. E ainda assim, para sempre pode começar a parecer tempo demais. Terminar e começar de novo, que é o que parecer que todo mundo ao redor de você está fazendo, começa a parecer uma proposta bem mais lógica e maravilhosa.

Mas o “e ainda assim” também funciona na contra mão. Mesmo nos momentos mais horríveis do meu próprio casamento, existem essas insistentes exceções. E ainda assim, nós ainda somos capazes de fazer o outro rir. E ainda assim, ele ainda é a minha pessoa de confiança. E ainda assim, eu ainda o amo.

E aí vocês não se separam, e você continua batendo o recorde de casamento mais longevo entre os seus amigos.

“O jeito de continuar casado”, dizia a minha mãe, “é não se divorciar”.

“Meus pais eram muito pobres para se divorciarem”, uma amiga me contou naquele mesmo dia em Minneapolis, enquanto caminhávamos pela feira de livros. “E por isso eles ficaram casados. Depois, parecia tarde demais para se separar, e hoje em dia eles são gratos por isso”.

São essas coisas que eu penso quando alguma outra pessoa que eu pensava que fazia parte de um casamento feliz manda mensagem para uma amiga ou amigo meu no Tinder.

Mais tarde naquela manhã, enquanto eu esperava que o meu marido me desse notícias sobre os voos, eu decidi passar o tempo vendo algumas casas ao redor de mim. Quando eu viajava sozinha quando era adolescente, eu gostava de ficar fitando as casas onde eu estava e imaginar como seria viver ali. Hoje em dia eu ainda faço isso, mas posso fazer isso através do meu celular e ver quando essas casas custam.

Comparando as casas em Minneapolis, eu descobri que eu preferia as mais baratas, mais mal-acabadinhas, que eram mais adequadas para uma família, como uma casa de dois quartos que tinha o “clássico charme do velho mundo”. Pisos de madeira! Uma cozinha planejada! Muito melhor, na verdade, do que os apartamentos de um dormitório, bem mais caros, nos quais eu viveria se fosse solteira no outro lado do Powderhorn Park, com os seus ventiladores de teto, três closets de cedro e mesinhas de café da manhã.

O que eu iria fazer com três closets de cedro?

Enquanto isso, nada do meu marido me ligar para falar sobre os voos.

Uma das coisas que eu amo no casamento (e eu amo muitas coisas no casamento) é que você pode ter dias ruins ou ate mesmo alguns anos ruins, cheios de dúvidas e brigas e confusão e saídas repentinas de casa. Mas enquanto você não se divorciar, você não está menos casado do que casais que nunca viram sinal de problemas (dizem que esse tipo de gente existe).

Você pode ser péssimo na sua religião e ainda assim ser 100% daquela religião. Só porque você usou o nome de Deus em vão não faz de você automaticamente um não-cristão. Você pode ser um pecador. Na verdade, é uma boa liturgia a que diz que não importa quanto você se esforce, você será sempre um pecador, da mesma forma que você vai com certeza ser péssimo, ao menos algumas vezes, nesse negócio de ser casado. A perfeição só existe na morte.

É fácil para pessoas que nunca tentaram fazer algo tão estranho e tão difícil quanto se manter casado dizer que o casamento não importa, ou condenar aquelas pessoas que não conseguem manter seus casamentos, ou fazer chacota daqueles que se esforçam em tentar. Existe tanta beleza em tentar, e em falhar, e em tentar de novo. Pedro negou Jesus três vezes antes do galo cantar. E ainda assim, ele foi a pedra sobre a qual Cristo montou a sua igreja.

Nos casamentos, eu não contradigo meus queridos amigos recém-casados quando eles falam sobre o quanto eles vão ser graciosamente bem sucedidos em setores nos quais quase toda a humanidade vive escorregando. Eu apenas desejaria que pudesse dizer a eles que eles vão sofrer ocasionalmente nesse casamento — e eu não estou falando de sofrimentos triviais do tipo dos seriados de comédia, mas até mesmo de possíveis desesperos que cavam um buraco negro na alma.

E isso não significa que eles estão fadados a se divorciar. Significa apenas que eles provavelmente não serão o melhor amigo um do outro por todos os minutos para sempre. E ainda que seja bom mirar bem alto, é bem provável que eles decepcionem um ao outro muitas vezes, de formas simples e também de formas muito profundas, que nesse momento eles nem são capazes de imaginar.

E eu iria ainda adicionar (caso eu já não tivesse sido expulsa da festa de casamento nessa hora): Falhas homéricas são parte da natureza humana, e certamente são parte também de estar casado. É parte de estar vivo ocasionalmente cometer umas burradas imensas. E é parte do que estar casado significa — de vez em quando odiar a outra pessoa, mas ficar juntos porque você prometeu que ficaria ali. E aí, dias ou semanas mais tarde, acordar amando ele ou ela de novo, amando ele ou ela “ainda assim”.

Finalmente, quase duas horas depois do voo original do meu marido ter partido, eu mandei uma mensagem para saber se ele ainda estava na linha com a companhia aérea.

“Acabamos de entrar no táxi. Vamos voar com a Air Wisconsin, bebê”, ele respondeu.

“Você precisou pagar de novo por esses bilhetes?”, eu perguntei.

O telefone ficou em silêncio. Nesse momento de quietude, sentada no quarto do hotel, eu me peguei sonhando acordada com aquele apartamento de um quarto, virado para o Powderhorn Park. Depois de acordar sozinha, eu iria fazer um café, ligar um dos meus muitos ventiladores de teto, pegar um roupão no meu maior closet de cedro e me dirigir para a minha mesinha de café da manhã.

“Não”, ele me respondeu.

E de repente eu estava de volta naquela apartamento enorme, no lado mais barato do parque. Minha família estava findo para me ver. E eu estava feliz.

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Jacqueline Lafloufa
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Jornalista, consultora e curiosa. Editora da @interwebzbr. De olho em inovação, tecnologia e comunicação. Atende por @jacquelinee nas redes sociais