O motivo real que fez os fãs odiarem a última temporada de Game of Thrones

Jacqueline Lafloufa
Interwebz
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13 min readMay 20, 2019

Não é apenas porque a história foi mal contada — é porque o estilo de contar a história mudou de sociológico para psicológico.

Por Zeynep Tufekci

Original: The Real Reason Fans Hate the Last Season of Game of Thrones, por Zeynep Tufekci na Scientific American
Tradução: Jacqueline Lafloufa
Revisão: Natalia Weber

Daenerys faz em Porto Real o que Benioff e Weiss fizeram com a narrativa em Game of Thrones. Crédito: HBO

Game of Thrones, em sua oitava e última temporada, é um dos maiores fenômenos da televisão hoje em dia. Mais de 17 milhões de pessoas assistiram à estreia da última temporada. A julgar pela reação dos fãs e da crítica, parece que uma parte substancial desses milhões estão detestando a temporada da série [que acabou no último dia 19 de maio de 2019]. De fato, a maioria das resenhas e discussões de fãs parece estar questionando em que momento a aclamada série deu errado, com muitas teorias sobre por que ela degringolou.

O seriado realmente mudou para pior, mas as razões para essa deterioração são muito mais profundas do que as suspeitas inicialmente identificadas (como escritores novos e inferiores, encurtamento de temporada ou muitos buracos no enredo). Não é que estas suspeitas estejam erradas, mas elas são apenas mudanças superficiais. O fato é que o azedamento de Game of Thrones expõe uma lacuna fundamental de nossa cultura narrativa em geral: nós realmente não sabemos como contar histórias sociológicas.

Na melhor das hipóteses, GOT era um monstro tão raro quanto um dragão bonzinho em Porto Real: tratava-se de uma narrativa sociológica e institucional em uma mídia dominada pelo psicológico e pelo individual. O período de narrativa estrutural do seriado se manteve enquanto as temporadas eram baseadas nos romances de George R.R. Martin, escritor que parece se especializar em criar personagens que evoluem em resposta aos cenários institucionais mais amplos, aos incentivos e normas que os cercam.

Depois que o seriado passou à frente dos livros, no entanto, ele foi dominado pelos poderosos roteiristas de Hollywood, David Benioff e DB Weiss. Alguns fãs e críticos dizem entender que a dupla mudou a narrativa para se adequar aos clichês Hollywoodianos ou para acelerar as coisas, mas isso é improvável. De fato, eles certamente se ativeram às diretrizes narrativas que lhes foram dadas, ainda que em forma de esboço, pelo autor original. O que eles fizeram é algo diferente, mas em muitos aspectos mais fundamental: Benioff e Weiss afastaram a linha narrativa do sociológico e fizeram a mudança para o psicológico. Essa é a principal, e muitas vezes a única, maneira como Hollywood e a maioria dos escritores de televisão contam histórias.

É importante esmiuçar essa mudança, porque a escolha entre contar nossas histórias partindo dos pontos de vista sociológico ou psicológico acarreta grandes consequências para a forma como lidamos com nosso mundo e com os problemas que encontramos.

É uma fraqueza que eu encontro com frequência na minha área de atuação — que é tecnologia e sociedade. Nossa inabilidade em compreender e contar histórias sociológicas é uma das principais razões pelas quais estamos com dificuldades em lidar com a histórica transição tecnológica que estamos experimentando atualmente com tecnologia digital e inteligência das máquinas — escrevo mais sobre tudo isso mais tarde. Primeiro, vamos repassar o que aconteceu com o Game of Thrones.

QUAL ERA A NARRATIVA E NO QUE ELA SE TRANSFORMOU EM GAME OF THRONES

É fácil não perceber essa mudança fundamental na linha de narrativa e culpar a reviravolta da série apenas na má escrita de Benioff e Weiss — em parte porque eles são genuinamente ruins nisso. Eles não apenas mudaram a dinâmica explicativa da história, mas também fizeram um trabalho terrível na nova linha de narrativa.

Poderíamos, por exemplo, destacar facilmente a abundância de furos na trama. Os dragões parecem alternar de um episódio para outro entre a indestrutibilidade digna dos quadrinhos e a vulnerabilidade. E foi difícil não rir quando Jaime Lannister acabou numa pequena enseada ao longo de uma vastíssima linha costeira no exato momento em que o vilão Euron Greyjoy nadou até aquele ponto, vindo do navio que afundava, para enfrentá-lo. Quão conveniente!

Da mesma forma, os arcos de personagem meticulosamente traçados ao longo de muitas temporadas parecem ter sido abandonados por capricho, transformando os personagens em caricaturas em vez de personalidades. Brienne de Tarth parece existir sem razão, por exemplo; Tyrion Lannister foi, de repente, transformado em um dedo-duro assassino, ao mesmo tempo em que perde todos os seus dons intelectuais (ele não tomou uma única decisão correta em toda a temporada). E quem sabe o que está acontecendo com Bran Stark, exceto que ele parece ser mantido como uma espécie de Stark sobressalente?

Mas tudo isso é superficial. Mesmo que a nova temporada pudesse minimizar os furos e evitar coincidências mal apresentadas e aquela Arya ex machina como dispositivos da trama, eles não poderiam persistir na linha narrativa das temporadas passadas. Para Benioff e Weiss, tentar continuar o que Game of Thrones se propôs a fazer — contar uma história sociológica convincente — seria como tentar comer sorvete derretido com um garfo. Hollywood geralmente sabe contar histórias psicológicas e individualizadas. Eles não têm as ferramentas certas para as histórias sociológicas, nem parecem entender esse desafio.

Para entender a mudança de linha de narrativa, vamos voltar a uma questão-chave: primeiro de tudo, por que tantos amam Game of Thrones? O que faz a série se sobressair entre as outras durante uma época que os críticos chamam de Segunda Era de Ouro da Televisão, já que existem tantas produções de alta qualidade por aí?

O interesse inicial dos fãs e a consequente lealdade não eram apenas resultados da atuação brilhante e da excelente cinematografia, som, edição e direção. Nenhum deles é exclusivo de GOT, e todos eles permanecem excelentes nessa terrível última temporada.

Uma das pistas é, claramente, a disposição do seriado em matar personagens principais, cedo e frequentemente, sem perder o fio da história. Os programas de TV que utilizam a linha de narrativa psicológica raramente fazem isso, porque eles dependem dos espectadores se identificarem com os personagens e acreditarem neles para levar a história, em vez de olharem para o quadro maior da sociedade, instituições e normas, coisas com as quais interagimos e que vão nos moldar. Eles não podem simplesmente matar personagens principais, porque esses personagens são as principais ferramentas com as quais eles constroem a história, utilizando-as como ganchos para prender os espectadores.

Em contrapartida, Game of Thrones matou Ned Stark abruptamente no final da primeira temporada, depois de construir os episódios e, por consequência, toda a série, ao seu redor. A segunda temporada desenvolveu um herdeiro Stark substituto, no que parecia uma continuação mais tradicional da narrativa. A terceira temporada, no entanto, fez com que Stark e sua esposa grávida fossem assassinados de uma maneira particularmente sangrenta. E assim foi. A história seguiu em frente; muitos personagens não.

O apelo de um programa que rotineiramente mata grandes personagens sinaliza um tipo diferente de narrativa, em que um único indivíduo carismático e/ou poderoso, juntamente com suas dinâmicas internas, não carrega toda a carga narrativa e explicativa. Dada a escassez de tais narrativas na ficção e na TV, esta abordagem certamente ressoou em uma grande base de fãs, que se apegou ao seriado.

Na narrativa sociológica, os personagens têm histórias pessoais e influência, é claro, mas também são muito moldados por instituições e eventos ao seu redor. Os estímulos para o comportamento dos personagens também vêm notadamente dessas forças externas e até influenciam fortemente seu interior.

As pessoas então ajustam suas narrativas internas para se alinharem com essas influências, justificando e racionalizando seu comportamento ao longo do caminho. (Por isso há o famoso ditado de Upton Sinclair: “É difícil fazer com que um homem entenda alguma coisa quando seu salário depende de ele não entender”).

O modo excessivamente pessoal de contar histórias ou de analisá-las nos deixa sem uma compreensão mais profunda dos acontecimentos e da história. Entender a personalidade de Hitler por si só não nos diz muito sobre a ascensão do fascismo, por exemplo. Não que isso não importasse, mas provavelmente um outro demagogo teria aparecido para ocupar seu lugar na Alemanha entre as duas sangrentas guerras mundiais do século XX. Assim, a resposta para “você mataria o bebê Hitler?”, às vezes apresentada como um desafio ético de viagem no tempo, deveria ser “não”, porque isso não adiantaria muito. Não é um verdadeiro dilema.

Também temos uma preferência por ver o indivíduo como agente determinador da interpretação de nossa própria vida cotidiana e do comportamento dos outros. Tendemos a buscar explicações psicológicas internas para o comportamento daqueles que nos rodeiam, enquanto criamos desculpas situacionais para as nossas ações. Essa é uma maneira tão comum de olhar para o mundo que os psicólogos sociais têm uma palavra para isso: erro de atribuição fundamental.

Quando alguém nos atrapalha, tendemos a pensar que eles são maus, equivocados ou egoístas: uma explicação personalizada. Mas quando nos comportamos mal, somos melhores em reconhecer as pressões externas que moldam nossas ações: um entendimento situacional. Se você for rude com um colega de trabalho, por exemplo, pode racionalizar seu comportamento lembrando-se de que teve dificuldades para dormir na noite anterior e teve problemas financeiros neste mês. Você não é mau, apenas está estressado! No entanto, é mais provável que o colega de trabalho que é rude com você seja interpretado como um idiota, sem passar pelo mesmo tipo de racionalização. Isso é conveniente para nossa paz de espírito e também se encaixa em nosso domínio de conhecimento. Sabemos o que nos estressa, mas não necessariamente sabemos o que estressa os outros.

Essa tensão entre histórias internas e desejos, psicologia e pressões externas, instituições, normas e eventos foi exatamente o que o Game of Thrones mostrou em muitos de seus personagens, criando ricas tapeçarias de psicologia, e também comportamentos, que não eram nem santificados nem totalmente maus. Era até mais do que isso: você poderia entender por que os personagens estavam tomando atitudes más, como suas boas intenções foram subvertidas e como as influências estruturavam seus comportamentos. A complexidade tornou a narrativa muito mais rica do que um conto moral simplista, em que um indubitável bem luta contra o mal.

A marca registrada da narrativa sociológica é que ela pode encorajar a nos colocar no lugar de qualquer personagem, não apenas do herói / heroína principal, fazendo com que possamos nos imaginar tomando atitudes semelhantes. Pensar “sim, eu posso me ver fazendo isso sob tais circunstâncias” é um caminho para um entendimento mais amplo e profundo. Não é apenas empatia: é claro que simpatizamos com vítimas e pessoas boas, não com malfeitores.

Mas se pudermos entender melhor como e por que os personagens fazem suas escolhas, também podemos pensar em como estruturar nosso mundo de uma forma que incentive melhores opções para todos. A alternativa é, geralmente, um apelo fútil à nossa natural benevolência. Não é que a benevolência não exista, mas ela existe junto a motivos mais básicos e menores. A questão não é identificar os poucos momentos de bondade, mas tornar mais fácil para que todos possam fazer escolhas que, coletivamente, poderiam nos levar a um lugar melhor.

Outro exemplo de drama televisivo sociológico com numerosos e igualmente entusiasmados fãs é The Wire, de David Simon, que mostrou a trajetória de vários personagens em Baltimore, desde afro-americanos tentando sobreviver no interior empobrecido e negligenciado, até policiais e jornalistas, trabalhadores portuários sindicalizados, funcionários municipais e professores. Esse seriado também matou seus personagens principais regularmente, sem perder seu público. Curiosamente, a estrela de cada temporada era uma instituição, mais do que uma pessoa. A segunda temporada, por exemplo, focou no fim da classe trabalhadora sindicalizada nos EUA; a quarta destacou as escolas; e a última focou no papel do jornalismo e dos meios de comunicação de massa.

Felizmente para o The Wire, o controle criativo nunca foi transferido para roteiristas-padrão de Hollywood, que teriam nos dado pessoas para torcer ou odiar, sem nos permitir entender completamente as circunstâncias que os moldam. Uma coisa que chama a atenção em The Wire é como era possível entender todos os personagens, não apenas os bons (e, de fato, nenhum deles era bom ou ruim). Quando esse é o caso, você sabe que está assistindo a uma história sociológica.

POR QUE GOT PAROU DE MATAR PERSONAGENS PRINCIPAIS?

Curiosamente, a oitava temporada chocou muitos espectadores ao não matar, logo de cara… os personagens principais. Foi o primeiro grande indicador de sua mudança — de que eles estavam colocando o peso da história no indivíduo e abandonando o viés sociológico. Nesse sentido, eles colocaram os personagens favoritos dos fãs para realizar acrobacias pelas quais poderíamos torcer, como Arya Stark matando o Rei da Noite de uma maneira um tanto improvável.

Por sete temporadas, o programa focou-se na sociologia do que em uma ameaça externa, como o Rei da Noite, o Exército dos Mortos-Vivos e o Inverno por Vir, que competiria com as rivalidades dentro do campo adversário. Tendo matado uma das principais tensões sociológicas que animaram toda a série com uma faca bem colocada, Benioff e Weiss voltaram-se para arruinar a outra tensão sociológica: a história da corrupção do poder.

Essa corrupção de poder foi crucialmente ilustrada na ascensão e evolução de Cersei Lannister, de vítima (ainda que egoísta) a personagem cruel, o que também tinha tudo para ser a história de sua principal opositora, Daenerys Targaryen. Dany começou querendo ser a quebradora de correntes, imersa em decisões morais e, temporada após temporada, a vimos, ainda que com relutância, ser moldada pelas ferramentas disponíveis, abraçadas por ela: guerra, dragões, fogo.

Se tivesse sido feita corretamente, teria sido uma história fascinante e dinâmica: rivais se transformando mutuamente à medida que buscam poder absoluto com o uso de ferramentas assassinas, uma partindo de uma perspectiva egoísta (seu desejo de ter seus filhos governando) e a outra de uma perspectiva altruísta (seu desejo de libertar escravos e pessoas cativas, como ela já fora um dia).

A corrupção do poder é uma das mais importantes dinâmicas psicossociais que estão por trás de muitos pontos de inflexão importantes na história e de como surgem os males da sociedade. Em resposta, criamos eleições, freios e contrapesos, leis e mecanismos que restringem o Executivo.

Figuras históricas destrutivas geralmente acreditam que devem permanecer no poder porque são elas, e somente elas, que podem liderar o povo — e que qualquer alternativa seria calamitosa. Líderes tendem a ficar isolados, a se cercar de bajuladores e sucumbir facilmente à tendência humana de se auto-racionalizar. Há vários exemplos na História de líderes que começam na oposição, com as melhores intenções, como Dany, e acabam agindo brutalmente e se transformando em tiranos caso venham a assumir o poder.

Contada sociologicamente, a descida de Dany para se tornar uma cruel assassina em massa teria sido uma história forte e fascinante. No entanto, nas mãos de dois escritores que não entendem como avançar a narrativa nessa rota, esse declínio se tornou ridículo. Ela ataca Porto Real com Drogon, seu dragão, e vence, com os sinos da cidade tocando em rendição. Então, de repente, entra em fúria porque, de alguma forma, seus genes tirânicos são ativados.

Varys, o conselheiro que morre por tentar impedir Dany, diz a Tyrion que “toda vez que um Targaryen nasce, os deuses jogam uma moeda no ar e o mundo prende a respiração para ver como ela vai cair”. Isso é determinismo genético direto e simplista, ao contrário do que nós estivemos testemunhando nas últimas sete temporadas. Novamente, as histórias sociológicas não descartam o pessoal, o psicológico e até o genético, mas o ponto é que elas são mais do que momentos de “cara ou coroa” — são interações complexas com conseqüências emergentes: da maneira como o mundo realmente funciona.

Em entrevistas após esse episódio, Benioff e Weiss confessam que transformaram essa cena em um momento espontâneo. “Eu não acho que ela tenha decidido previamente que faria o que fez. E então ela vê a Fortaleza Vermelha, que é, para ela, o lar que sua família construiu quando foram para aquele país há 300 anos. É nesse momento, dentro dos muros de Porto Real, quando olha para aquele símbolo de tudo que foi tirado dela, que ela toma a decisão de tornar isso pessoal”, disse Weiss.

Benioff e Weiss muito provavelmente receberam do escritor original, George R. R. Martin, o desfecho da “Rainha Louca” para encerrar Game of Thrones. Para eles, no entanto, era esse o desafio de “tomar sorvete com um garfo” que mencionei acima. Eles poderiam manter o final da história, mas não o método de contar a história. Eles só conseguiriam transformá-la em uma virada momentânea, que é parte psicologia espontânea e parte genética determinista.

PORQUE CONTAR HISTÓRIAS SOCIOLÓGICAS É IMPORTANTE

Seja bem feito ou mal feito, o gênero psicológico / interno nos deixa incapazes de entender e reagir às mudanças sociais. Indiscutivelmente, a dominância da narrativa psicológica e das narrativas do herói / anti-herói são também a razão pela qual estamos tendo tamanha dificuldade em lidar com a atual transição tecnológica histórica. Portanto, este ensaio é mais do que sobre um programa de TV com dragões.

Na minha própria área de pesquisa e escrita, que é o impacto da tecnologia digital e da inteligência das máquinas na sociedade, encontro esse obstáculo o tempo todo. Há um número significativo de histórias, livros, narrativas e relatos jornalísticos que enfocam as personalidades de atores-chave, como Mark Zuckerberg, Sheryl Sandberg, Jack Dorsey e Jeff Bezos. Claro que suas personalidades importam, mas somente no contexto de modelos do negócio, dos avanços tecnológicos, do ambiente político, (da falta de) regulamento significativo, das forças econômicas e políticas existentes que abastecem a desigualdade, da falta de responsabilização dos poderosos, de dinâmicas geopolíticas, das características societárias, entre outros.

É razoável, por exemplo, uma corporação ponderar quem seria o melhor CEO ou COO. Mas não é razoável esperar que possamos pegar qualquer um desses atores e substituí-los por outra pessoa para obter resultados drasticamente diferentes sem mudar as estruturas, incentivos e forças que moldam como eles e suas empresas atuam neste mundo.

A preferência pela narrativa individual e psicológica é compreensível: é mais fácil contar a história à medida que gravitamos em direção à identificação com o herói ou odiamos o anti-herói, no nível pessoal. Afinal de contas, nós também somos pessoas!

Na peça clássica do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, “A Vida de Galileu”, Andrea, ex-aluno de Galileu, o visita depois que ele renega suas descobertas seminais, por conta da pressão da Igreja Católica. Galileu dá a Andrea seus cadernos, pedindo-lhe para espalhar o conhecimento que eles contêm. Andrea comemora, dizendo que “infeliz é a terra que não cria herói”. Galileo o corrige: “Infeliz é a terra que precisa de um herói.”

Sociedades bem administradas não precisam de heróis, e a maneira de manter impulsos terríveis sob controle não é destronar os anti-heróis e substituí-los por pessoas boas. Infelizmente, a maior parte da nossa narrativa — na ficção e também na não-ficção da mídia de massa — permanece presa na narrativa do herói / anti-herói. É uma pena que Game of Thrones não conseguiu concluir sua última temporada em sua toada original. Em um momento histórico que requer grande desenvolvimento de instituições e de incentivos para mudanças (pense nos desafios tecnológicos, nas mudanças climáticas, na desigualdade e responsabilização) precisamos de toda a imaginação sociológica que pudermos obter, e com dragões fantasiosos ou não, foi bom ter um espetáculo que encorajou exatamente isso enquanto durou.

Zeynep Tufekci é professora associada da Escola de Informação e Biblioteconomia da Universidade da Carolina do Norte e colaboradora regular do New York Times. Seu livro, Twitter e Tear Gas: O Poder e Fragilidade do Protesto em Rede, foi publicado pela Yale University Press em 2017.

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Jacqueline Lafloufa
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Jornalista, consultora e curiosa. Editora da @interwebzbr. De olho em inovação, tecnologia e comunicação. Atende por @jacquelinee nas redes sociais