Tempo bem investido: o que aconteceu quando eu desliguei as notificações

Jacqueline Lafloufa
Interwebz
Published in
9 min readMar 10, 2018

Mesmo com novas atitudes, velhos hábitos são difíceis de desfazer

53 minutos. Esse foi o mínimo de tempo que eu gastei no meu smartphone nos primeiros 45 dias de 2018, período no qual eu decidi desligar grande parte das notificações do meu smartphone.

O estalo veio quando eu comecei a reparar numa certa ansiedade em apagar todas aquelas bolinhas vermelhas dos apps das minhas redes sociais. Achei que a tecnologia estava “acionando” alguns gatilhos em mim que eu não estava gostando e me peguei perguntando por que é que eu precisava tanto zerar aquilo com tanta frequência. Afinal de contas, se eu não conferir isso agora, qual seria o problema? Nenhum.

David Pierce, na Wired, também se incomodou com as infinitas notificações

Depois de perceber que o incômodo não era só meu — David Pierce, na Wired, tinha relatado o mesmo — decidi desligar tudo que eu pensei que podia ser desligado ou que eu achava que estava me causando dano.

Thássius Veloso, grande amigo e jornalista, ficou impressionado, entendendo que eu tinha desligado absolutamente tudo no smartphone, mas é preciso ser sincera: algumas notificações eu mantive ativada. Apps de transporte, por exemplo, têm notificações muito úteis sobre quando o meu carro chegou ou coisas do tipo, então mantive; apps de chamada em vídeo que uso pra me comunicar com parentes que vivem fora do país também foram mantidos, assim como serviços de hospedagem na nuvem, apps rastreadores do telefone e da minha saúde (oi, FitBit!), alguns dos aplicativos do Google que me são úteis, apps de mensagem (como WhatsApp, Facebook Messenger, Skype), apps financeiros e notificações de chamada telefônica. A única rede que mantive as notificações foi o LinkedIn, pois através dele também recebo mensagens instantâneas que podem se converter em trabalho (vida de frila, sabe como é). Fora isso, o resto foi desligado.

E não foi fácil: por não querer desligar tudo de forma imperativa, eu tive que gastar alguns bons minutos desligando cada um dos apps, pensando o que eu queria manter de cada um deles — talvez só a notificação sem som? Ou quem sabe a tal bolinha vermelha com o número de notificações não lidas? — e pensando em que bem exatamente eles me faziam. É bom tirar um tempo pra isso, botar uma playlist pra tocar e mandar ver.

É difícil perder velhos hábitos

Eu achei que ia ser moleza. Afinal, sem as notificações, por que mesmo eu ia querer entrar nesses aplicativos que desliguei? Por hábito. Por simples rotina.

Todo dia pela manhã, depois de desligar o despertador, eu tinha a premissa de zerar as notificações do smartphone. Era um tal de conferir todos os “bom dia” dos grupos que acordam mais cedo, conferir as notificações das redes sociais, apagar isso, aquilo, etc e tal, e de repente eu me via gastando uns 30 minutos antes mesmo de fazer xixi conferindo “o que aconteceu enquanto eu dormia”.

Depois de desativar as notificações, eu… eu acabava fazendo tudo um pouco igual. A mudança de comportamento não foi nenhuma mágica e levou um bocado de tempo.

A falta que um Obliviate faz de vez em quando

Como não tinham notificações na tela, eu acabava abrindo meus apps favoritos e conferindo as notificações que estavam “trancadinhas” dentro deles. Eu estava apenas “seguindo meu hábito”, mesmo que as notificações não estivessem mais me acionando diretamente.

Confesso que assim que reparei esse comportamento, fique chocada. Era como se eu tivesse sido condicionada a funcionar assim. Mesmo sem os “incentivos” das notificações, eu estava seguindo o mesmo método de antes. Uma grande decepção.

Nos primeiros 10 dias do projeto de desligar as notificações, o entusiasmo do novo objetivo de gastar menos tempo no smartphone, junto com as primeiras semanas do ano, que costumam ser mais tranquilas, me fizeram ficar bem abaixo dos 200 minutos diários no meu smartphone pessoal, segundo o rastreamento feito pelo app Moments. Depois disso, como toda resolução de ano novo, foi ficando mais difícil de me manter longe dos apps todos.

Meus dias passaram por picos onde eu cheguei a passar mais de 6 horas diárias no smart — e não raras vezes o tempo gasto com redes sociais era maior do que o tempo gasto com apps de mensagens onde troco textos e áudios com entes queridos e familiares (!). Sim, é chocante mesmo.

Com o tempo, melhora

Dizem os psicólogos que o primeiro passo para consertar um problema é ter consciência dele. Saber quais “gatilhos” a tecnologia têm em você é um grande avanço, pois você passa a pensar mais sobre que tipos de acessos quer dar a cada aplicativo. Grande parte deles pede que as notificações sejam ativadas como uma das primeiras configurações a fazer, tentando convencê-lo de que algo sensacional será enviado a você assim que aparecer no aplicativo, ou que aquele software vai ser capaz de te lembrar de algo de forma rotineira.

Mas será que você precisa mesmo que aquele aplicativo novo possa “te acionar” a qualquer momento?

Spoiler: não, não precisa.

Com o tempo, passei a ser mais crítica de “quem” eu deixava me acionar com tanta frequência, e com que objetivos. Prefiro ser avisada quando recebo uma mensagem direta (DM) no Twitter do que quando 50 pessoas curtiram um determinado tuíte, coisa que eu posso ver assim que resolver checar a minha timeline. Pra mim, faz mais sentido manter o Facebook Messenger com as notificações ativadas — afinal, são pessoas interessadas em falar diretamente comigo — do que receber as trocentas notificações sobre novidades e marcações que fizeram no Facebook. É uma questão de TOMAR o controle, ao invés de deixar que as notificações interrompam seu fluxo de pensamento, sua concentração ou até mesmo a sua diversão.

Parece quase bobo, mas o maior desafio passa a ser se tornar crítico sobre quanto você vai permitir-se ser interrompido ou incomodado por pessoas ou coisas que, na grande maioria das vezes, não têm nenhuma informação sobre como está o seu dia, se você está se sentindo bem ou não, se está disponível ou ocupado. Robôs, inclusive, não estão nem um pouco preocupados com o seu momento, mas com o melhor momento para eles: talvez notificá-lo às 7 da noite, assim que você retorna do trabalho, seja o melhor momento para “capturar” a sua atenção, enquanto tudo o que você mais gostaria seria tempo pra entrar na sua “caixa do nada” e relaxar um pouquinho.

Ainda é um aprendizado em desenvolvimento.

É se esforçar em ter um pensamento crítico toda vez que se instala um novo app, gastando alguns segundos a mais para decidir se vou ou não permitir que aquele app me notifique.

Na maioria das vezes, tenho preferido não autorizar e, se sentir falta, ativo mais tarde.

Se você se interessar em também se tornar mais crítico sobre o quanto o seu celular anda sendo um “buraco negro” do seu tempo, sugando seus minutos, sugiro seguir alguns dos conselhos abaixo, divulgados pelo Centro por Uma Tecnologia Mais Humana (Center for Humane Technology) para ter mais controle sobre como a tecnologia influencia as nossas vidas:

Dicas para assumir o controle, segundo o Center for Humane Technology (CHT):

1.Desligue todas as notificações que não são enviadas por “pessoas”
Sem dó.

As notificações no app não aparecem em vermelho por acaso: o vermelho é uma cor que chama a atenção. No entanto, a maioria das notificações é feita por máquinas e robôs, e não por pessoas que realmente querem falar com você. Na hora de selecionar o que deixar entre as notificações, procure sempre deixar ativadas as notificações que vem de pessoas reais — como WhatsApp, Facebook Messenger, Signal, Telegram, WeChat ou outro app que você use pra comunicar-se com pessoas de verdade. Pra fazer isso, vá em “Configurações > Notificações” e desative o que achar necessário.

2.Tente usar sua tela em preto e branco
Não deixe que as cores ditem o que você deve fazer

Essa eu acho difícil, mas tem um bom motivo: ícones coloridos são feitos para chamar a nossa atenção, e a ideia é que deixá-los todos da mesma cor pode ajudar a evitar que você queira ver seu telefone tantas vezes. Essa opção pode ser acessada em Configurações > Acessibilidade > Atalho de Acessibilidade (no final) > Filtros de cores. A ideia é que você possa ativar a versão preta-e-branca através do seu botão home.

3.Mantenha sua tela inicial apenas com ferramentas
Quanta tranqueira você pode remover da tela inicial?

A sugestão é que você deixe na primeira tela que vê apenas os apps que te servem de forma prática — como mapas, câmera, calendário, aplicativos para tomar nota ou serviços do dia a dia, como um app para chamar um transporte.

4. Abra aplicativos ao escrever o nome deles na barra de busca
Se você precisar mesmo deles, vai lembrar do nome para procurá-los

Quem disse que eles precisam estar na sua tela inicial, ou que precisam te notificar? Se você precisar do aplicativo, bastará lembrar o nome dele e digitar na barra de busca. É um jeito de acessá-los apenas quando você quiser, e não quando eles aparecerem na sua frente.

5. Não durma ao lado do seu smartphone
Ouça o conselho de Arianna Huffington (se conseguir)

Essa é uma que ouço desde que Arianna Huffington começou a advogar por melhor qualidade de sono. Confesso que essa é uma batalha perdida pra mim, mas se você achar que consegue ganhá-la, pode ser uma boa estratégia. Especialistas sugerem que você tenha um despertador (isso mesmo, um dispositivo com a única e exclusiva função de te acordar) ao invés de usar o celular pra isso.

6. Envie mensagens de áudio ou ligue ao invés de mensagens de texto
E seja compreensivo com o tempo de resposta

Os odiadores de áudio do WhatsApp que me perdoem, mas essa não poderia ser mais certeira. Em tempos de pressa e respostas rápidas, receber uma mensagem de áudio ajuda a dar mais contexto para a mensagem, ajudando a evitar mal entendidos. Isso porque não é raro que através da linguagem escrita não tenhamos como adicionar de forma fácil intenções ou tons de voz (não é à toa que temos aí uma miríade de emojis pra ajudar com isso).

O CHT também destaca outras duas vantagens das mensagens de áudio: elas costumam ser mais rápidas de serem gravadas e enviadas do que um trecho digitado, além de não requererem sua atenção visual por completo.

Só é preciso ser um pouco paciente: nem sempre as pessoas conseguem ouvir um trecho de áudio com a mesma facilidade que leem uma mensagem de texto, então o tempo de resposta pode variar um pouco. Dica preciosa: você pode ouvir uma mensagem de áudio de forma privada mesmo sem um fone de ouvido: basta aproximar o smartphone do ouvido logo depois de dar o play no áudio.

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Jacqueline Lafloufa
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Jornalista, consultora e curiosa. Editora da @interwebzbr. De olho em inovação, tecnologia e comunicação. Atende por @jacquelinee nas redes sociais