Depressão: uma visão de dentro

Caio Corado
Introverso
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9 min readNov 22, 2018
Noite estrelada, de Van Gogh. Capa do livro “O demônio do meio-dia”.

Este não é um texto de um psicólogo, nem é um texto cheio de números de estatística e tampouco há aqui algo de profissional. Este é apenas um texto de uma pessoa que entrou em depressão. E pra lhe esclarecer, desde já, a depressão é uma doença que basicamente atinge a mente. O que trago aqui é um relato que talvez te ajude a entender um pouco mais a depressão, caso você não entenda, ou que talvez faça pessoas com depressão se identificarem e quem sabe até ajude elas.

Doente, uma das primeiras coisas que percebi foi que explicar a depressão pra alguém é muito difícil. Eu mesmo passei a entender muito melhor a doença depois que eu passei a sofrer dela. Na verdade, eu só parei pra tentar entender de verdade a depressão quando desconfiei que tinha e isso agravou tudo. Hoje, minha impressão é que quem melhor entende a depressão são os profissionais e nós, depressivos.

Fazer os outros entenderem e serem compreensíveis é uma das partes complexas da depressão. Além da falta de conhecimento que a maioria das pessoas tem sobre saúde mental, ainda tem a vergonha e a culpa que sentimos, o isolamento que naturalmente procuramos, o silêncio que fazemos e a força que isso tudo ganha quando se está em depressão; tudo que nos costumar ser mais ou menos pesado na vida passa a ser muito mais pesado e tudo que é ruim fica pior. Também é comum sentirmos cansaço físico anormal, indisposição pra tudo e principalmente uma força invisível que te puxa pro sofá, pra cama, pro fundo da sala, pra longe das pessoas e pra qualquer lugar que te faça sentir menos pior. Incapazes, não dá pra sairmos disso sozinhos, porque simplesmente não temos condições.

Pessoas

Por isso mesmo eu passei a falar sempre sobre a necessidade de termos pessoas ao nosso redor. O ser humano definitivamente não serve pra viver sozinho. Temos de ser autônomos, é claro, mas dizer que não precisamos de ninguém pra viver é equivocado.

Entre suas pessoas queridas tem sim alguém que pode te ajudar em um momento como esse. Você tem que procurar ela e permitir que te ajude. O que sempre amaciava meus dias duramente depressivos eram coisas que envolviam outras pessoas: conversas, abraços, encontros, risos e coisas que alguém normal faz; é disso que as pessoas também são capazes: de fazer você se sentir uma pessoa normal. Fazer você ter uma conversa normal e rir como alguém normal. Esse era um dos meus piores sentimentos: eu não me sentia alguém normal, me sentia um ser estranho que não sabia agir como uma pessoa.

Pessoas ajudam. Não são todas, geralmente quem realmente te ajuda é quem gosta mesmo de você ou quem já teve depressão; tem gente assim pra todo lado. Deve ter alguém assim dentro da sua casa, da sua sala de aula, no trabalho ou no seu círculo de amigos. Entre os seus seguidores do Instagram, deve ter vários; nas outras redes sociais, também. É muito bom e importante que você mantenha contato com alguém que possa te ouvir e te acolher. Eu achava que não, mas tem muita gente que se dispõe a ajudar. Não só amigos próximos, mas familiares também. Existe gente que a gente pode confiar sim, eu te garanto isso.

Há quem não ajude também. Mas essas são as pessoas que a gente passa como se passa aquela primeira folha de um livro, com informações de copyright. Ou como se passa uma folha com uma poesia ruim num livro de poesias. A questão é não condenar tudo por causa de algo pontual. Não julgar o livro todo ruim por causa de uma poesia mal escrita. Se você se abre com alguém que não entende e julga, tente relevar. Você pode passar pra próxima pessoa, virar a página, rapidinho, como quem procura uma coisa específica no livro.

Em depressão, era insuportável ficar em casa ou ter que escrever algum texto, assistir uma aula, fazer um trabalho, lavar a louça ou passar um pano no chão. Mas eu ficava bem por sair e ver amigos. Era o que eu mais fazia. A presença de pessoas queridas faz muito bem.

Ainda sobre pessoas, acho importante falar da minha impressão sobre os relacionamentos amorosos: na depressão eles são ainda mais complicados. Já conheci um casal em que os dois sofriam com a doença, mas que faziam bem um ao outro e se entendiam. Mas também já conheci um casal em que ambos sofriam com a doença e ambos se afundavam, ora um ao outro, ora a si mesmo. O isolamento, quando forte, vira um problema gigantesco nesses casos e o diálogo entre o casal fica comprometido, o que pode desestruturar tudo. O mau humor, que não contribui, é muito frequente, já que a depressão tende a fazer a gente se sentir mal com qualquer coisa, minúscula que seja. A baixa autoestima, também comum na depressão, ainda pode fazer a gente se perguntar o porquê de a parceira, ou parceiro, continuar conosco. Pode fazer a gente sentir insegurança e sentir que é insuficiente.

Um relacionamento amoroso durante a depressão pode ser uma fonte gigantesca de angústia ou mesmo de bem estar e cuidados. Pode ser também algo entre as duas coisas. Ainda existe a possibilidade do fim dele em meio à crise depressiva. Seria como machucar um machucado que você já tem. Se eu pudesse, teria escolhido não ter um relacionamento desses simultaneamente à depressão.

Tratamento

Depois de sofrer meses com a doença, eu enfim resolvi procurar ajuda profissional. Pra gente como eu, que não tem condições financeiras pra bancar um tratamento, isso é problemático no Brasil. Seria bem mais simples se a doença não tivesse tão desenvolvida, mas como eu não sabia o que era a depressão, não fui capaz de identificar os primeiros sinais dela. A minha demora em procurar ajuda foi um grande problema e tenho certeza que é o problema de muitas outras pessoas ou que ainda vai ser. Não se ensina nada sobre saúde mental em lugar nenhum e muita gente tem que aprender sofrendo.

Entre os meios de iniciar um tratamento, os públicos são principalmente os Caps — Centros de Atenção Psicossocial (você pode se informar sobre eles aqui: bit.ly/2P3Jm52). Eu fui em um perto da minha casa e recebi atendimento lá. É bom, é um lugar calmo e discreto. Você recebe atendimento na hora e pode conseguir um acompanhamento com um psicólogo de forma gratuita. Dependendo do seu quadro, um clínico geral de lá pode te receitar um antidepressivo, apesar de clínicos gerais não serem os melhores profissionais pra prescrever antidepressivos. No meu caso, o clínico que me atendeu receitou fluoxetina. Logo mais, depois de comprar uma caixa deles, minha psicóloga pediu que eu não tomasse. Ela desconfiou que o remédio fosse piorar meu quadro em algum aspecto. Mais tarde, já com acompanhamento de um psiquiatra, ele confirmou a hipótese. Então, procurar um psiquiatra é muito melhor, né? Mas onde eles estão? Eu mesmo nunca tinha ouvido falar sobre como me consultar com um psiquiatra na rede pública. Só mesmo pesquisando pra encontrar algum. Minha psicóloga indicou um hospital psiquiátrico público também perto de casa. O Caps poderia ter me encaminhado a um, mas eles disseram que o meu quadro não era grave o suficiente, já que eu não tinha pensamentos suicidas definidos (os meus eram meio abstratos) e que as vagas eram poucas. No Hospital São Vicente de Paulo, em Brasília, eu esperei pouco mais de uma hora e meia numa fila de duas pessoas e tive que ir embora. Não sei se eu seria atendido ou não.

Na falta de Caps e hospitais psiquiátricos por perto, ainda há o que fazer. A primeira delas é procurar profissionais da rede particular. Há preços e preços, alguns bem acessíveis. O site Doctoralia (doctoralia.com.br) mostra os preços, especialidades e as avaliações de profissionais da saúde de todas as áreas em várias cidades do Brasil (pode soar como publicidade, mas é só indicação dos meios que eu mesmo utilizei). Tem psicólogos e psiquiatras lá. Tenha em mente que o tratamento, aos poucos, te tira da depressão e, por isso mesmo, compensa muito. É de saúde que estamos falando; sempre compensa investir nela. Também na internet, é possível achar organizações que ajudam pessoas a conseguirem tratamento. As faculdades de psicologia costumam fazer isso, principalmente as públicas.

O tratamento é uma parte primordial e urgente. A depressão cresce sem que a gente perceba. Eu nunca conseguia medir minha depressão. No começo eu achava que alguma hora ia passar e que eu não precisava de tratamento. Só que piorei e acabei perdendo um ano inteiro só na faculdade; os danos nos outros aspectos da minha vida me são imensuráveis. A desordem da minha cabeça só cresceu. É essa a tendência mesmo, nenhuma bagunça se arruma sozinha. É importante, além de se tratar, dedicar-se ao tratamento. Ouvir o médico quando ele disser que não deve beber, que tem que fazer atividade física e que tem que sair de casa, se manter ativo. E não interromper o tratamento. Tudo provavelmente voltaria e o progresso seria jogado no lixo.

A depressão vista de dentro

Boa parte do que sei sobre a doença vem de um livro que li, chamado “O demônio do meio-dia” (https://bit.ly/2OVkIPb). Nele, Andrew Solomon diz que não há maneira melhor de descrever a depressão senão por metáforas. Então, não estranhe que meu texto não lhe traga uma explicação clara e completa; o que a depressão faz a gente sentir é tão confuso e caótico quanto todas as metáforas que criamos pra tentar explicar.

A depressão vista de dentro é algo que cria raízes em você. Vamos entender essa ideia: se você cavar um pedaço de terra com uma enxada, vai ver que enfiada nela há várias raízes e mal dá pra ver o que é terra e o que é raiz. Essa era a minha depressão. Eu sentia que havia algo estranho em mim, mas não sabia separar o que era eu e o que era aquele algo. Quando eu ficava extremamente triste com alguma atitude de algum amigo, por exemplo, eu não sabia enxergar até onde aquele sentimento era uma reação natural minha e a partir de onde ele era um sentimento ruim agravado pela depressão. Outra característica é que você passa a enxergar como que através de uma lente que distorce e piora as coisas. Comigo, os menores problemas se tornavam trabalhosos demais pra se resolver e falhar passava a parecer iminente em toda situação de conflito; desistir ou não agir se tornou comum pra mim e eu me sentia extremamente culpado por isso.

Talvez seja daí que venha a impressão que as pessoas têm de os depressivos serem “dramáticos demais”. Mas não é drama; é um produto de um conjunto de consequências de uma doença. Talvez sequer existam pessoas dramáticas, talvez existam na verdade pessoas que reagem de formas diferentes diante dos acontecimentos da vida; a depressão interage diretamente com isso, com a personalidade. A depressão se sobrepõe ao que você é e ofusca boa parte disso. Grande parte de como você reage e do que você sente passa a ser domínio dela. Eu, que costumava conhecer gente nova facilmente e que conversava sobre tudo facilmente, havia me tornado alguém enrustido, que não sabia o que falar numa conversa. Na minha pior fase, eu usava muito a ferramenta de apagar mensagens do Whatsapp, porque o que eu falava sempre me parecia idiota ou sem sentido. Nessa mesma fase, eu não era a pessoa que sou, eu não agia como a pessoa que sou. A pessoa que sou estava guardada, dentro mim, encolhida e quieta, esperando que aquele ser estranho fosse embora. Essa é a depressão vista de dentro.

Melhora

Depois de desistir das aulas da faculdade, reprovar mais da metade das matérias, de me tornar um estranho em casa, que só abre a boca pra cumprimentar alguém, depois de não saber mais quem eu era, depois de perceber que em breve eu talvez não fosse mais querer viver aquela vida, eu enfim resolvi ir numa consulta com uma psicóloga. Lá eu pude me entender melhor e pude encontrar meios de ir até um psiquiatra. Medicado, pude ser um pouco mais otimista, grato e leve com a vida. Aí pude contar o que eu tinha pros meus amigos, pais, primos, irmão, avós e tios. Todos entenderam. Muitos fizeram exatamente o que eu jurava que não fariam: cuidaram de mim.

Hoje, ainda tenho lapsos de sentimentos e humores depressivos, mas não muito frequentes. Isso se deu em parte porque, no começo, era difícil ouvir o médico e cumprir com o que ele pedia e em parte porque a melhora não é constante, há tropeços e quedas, mas ela é de inspirar. Dá esperança. E era o que eu menos tinha há uns meses. Se eu não tivesse procurado ajuda, se as pessoas não tivessem me ajudado, eu não teria esperança. Talvez não estivesse vivo. Mas é muito bom que eu esteja e que eu possa dizer: dá pra sair disso. E é muito melhor sair. Se você tá passando por algo parecido, te convido a tentar. Tenta.

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Caio Corado
Introverso

Estudante de Letras na Universidade de Brasília e aspirante a escritor.