Lágrimas de antidepressivo

Daniela Amadeu
Introverso
Published in
5 min readSep 24, 2018
Pixabay

Já tomou antidepressivo? Eu já. Sabe o que percebi? Com o antidepressivo é muito difícil conseguir chorar. Aquele choro sentido, triste, que nos torna humanos, desaparece. O que resta são meia-dúzia de lágrimas oriundas de muito esforço, e uma frustração final de que não foi possível chorar, mais uma vez.

Não confunda o pranto incontrolável e sem causa da depressão com aquele causado pela tristeza. Chorar faz bem quando nos sentimos infelizes com algo, traz uma sensação de alívio. Entretanto, é péssimo sentir-se travado por não conseguir chorar quando deveríamos.

“Mais feliz, mais relaxado, e emocionalmente vazio.”

Jullie Holland descreve alguns relatos dos seus pacientes que já tomaram antidepressivos e alguns deles são bem bizarros. Tais como não se sentir conectado ao dedo após cortá-lo, ou enfrentar situações em que as lágrimas deveriam vir, mas não vêm.

Recordo-me de uma situação, que foi fundamental para a criação deste texto. Estava num retiro indígena e passei por muitos momentos reflexivos ali. Tinha acabado de sair de um ritual em que vi um bom pedaço da minha vida. Várias e intensas emoções, algumas desagradáveis e desconfortáveis, passaram por mim. Eu não conseguia chorar. Os meus olhos se encheram de lágrima, contudo, eu não conseguia chorar.

Quem utiliza medicação psiquiátrica paga um preço muito alto pelos seus benefícios. O primeiro sintoma adverso a ser destacado é a sensação de vazio emocional. Não cair em prantos, não ter mais relações sexuais e não se conectar com outros seres humanos. Nos momentos em que mais gostaria de se conectar e simpatizar, não se consegue.

Entrar é fácil, difícil é sair.

Usar antidepressivos para medicar reações naturais têm se tornado cada vez mais comum. Veja, antidepressivos podem ser muito benéficos, se:

  1. usados para tratar depressão;
  2. prescritos por um psiquiatra.

Contudo, se utilizados para tratar emoções naturais em situações esperadas, o risco não vale o benefício.

Assisti certa vez a uma entrevista do Dr. Drauzio Varella com um neurologista e chocou-me muito quando o médico disse que, após a família ter sido informada de que o paciente se encontrava em estado terminal, um dos membros se dirigiu a ele e o indagou“não é melhor já prescrever fluoxetina para todo o mundo?”

Nisso, o médico comenta: “É uma demanda absolutamente insensata, mas ela estava sendo absolutamente honesta. Ela estava querendo evitar o sofrimento. Mas como é possível evitar o sofrimento de uma perda importante?”

A palavra tristeza, fossa, e crise existencial desapareceram do vocabulário. Tudo virou depressão.

Todas as drogas têm a mesma proposta: vender soluções e esconder os problemas criados por elas.

Drogas, quaisquer que sejam, resolvem alguns problemas, e criam tantos outros. Nunca se esqueça disso.

Veja, aqui eu não falo especificamente da depressão, mas sim de outros problemas mais brandos ou de médicos prescrevendo indiscriminadamente antidepressivos.

Antidepressivos são recentes. Criados em meados da década de 50. Muito do seu efeito terapêutico foi estudado, todavia, não se pode dizer o mesmo sobre a sua retirada ou interrupção abrupta.

Pense que pessoas passaram décadas das suas vidas tomando antidepressivos, sem fazer ideia da reação que teriam após a retirada.

“Todo o mundo é livre para se sentir bem.”

É com essa frase que a propaganda do Prozac (fluoxetina) termina. Antidepressivos precisam da aceitação da sociedade para que sejam vendidos. As indústrias farmacêuticas se veem constantemente diante de um dilema: vender medicação psiquiátrica e vencer o preconceito da sociedade.

Como orientar um indivíduo a procurar um médico, pedir ajuda, mostrar-se vulnerável, aceitar e assumir a dor e o sofrimento? A perder o medo de buscar as medicações psiquiátricas? Para que isso fosse possível, as propagandas se tornaram grandes aliadas. Elas deram certo, pois, a cada dia o número de usuários dessa medicação só aumenta. Afirmar publicamente que se usa remédios psiquiátricos tornou-se bonito. Existem páginas e perfis nas redes sociais que fazem referência ao rivotril (clonazepam) e ao prozac (fluoxetina). Pessoas criam piadas com insônia e a necessidade de medicarem-se para conseguir dormir. Entusiasmados, referem-se ao humor deprimido e a necessidade de tomar mais um comprimido.

Ou seja, a propaganda deu certo. A sociedade num geral comprou a ideia.

As doenças enfrentam muito preconceito; as medicações, não.

Ainda é muito difícil encontrar um médico que converse honestamente sobre os efeitos colaterais dos medicamentos. Que questione o paciente se ele realmente QUER ser submetido a estes. Fora que, em muitos casos, as pessoas são medicadas sem precisar.

Lembro que quando voltei a tomar antidepressivo, em novembro de 2017, o psiquiatra me questionou sobre quais eram as minhas atividades, com o que eu trabalhava e o que eu costumava fazer no dia a dia. Para que pudesse prescrever-me um antidepressivo com o menor impacto possível na minha rotina. Apesar de ter percebido que o citalopram reduziu a minha criatividade, eu não a senti efetivamente castrada.

Mas nada se compara a criar SEM os efeitos do antidepressivo. Logo nos primeiros dias longe do citalopram eu consegui fazer duas coisas incríveis: 1) chorar; 2) criar. É impressionante como me sinto humana podendo chorar nas situações adequadas. É muito bom responder corretamente aos eventos e não me sentir mais “zumbificada”.

Medo, ansiedade, e vulnerabilidade.

Enfrentar uma situação nova, assustadora, ou de grande conflito pode desencadear uma infinidade de emoções. É normal sentir raiva, medo, ansiedade, e ter crises de choro. Esses são sinais naturais do corpo para nos mostrarem o que realmente está acontecendo, como estamos nos sentindo e enfrentando a situação. Porém, se fizermos uso de antidepressivos, nenhuma reação natural ocorrerá. Talvez você compreenda racionalmente que aquele evento é assustador, mas não sentirá o medo.

Como aprender sem sentir medo, ansiedade e vulnerabilidade? Emoções desempenham um papel importante no aprendizado e no autoconhecimento.

A sedação dos antidepressivos é arriscada.

“Se você está se medicando para não se sentir vulnerável, você pode tomar decisões que são mais arriscadas.”

A crença de que somos racionais é um grande engano. Somos muito parecidos com quaisquer outros animais. Somos movidos pelo medo, ansiedade, prazer, euforia, excitação, e tristeza. Emoções nos movem, ou nos paralisam. Decisões são baseadas em emoções. Por isso é tão importante que elas sejam as nossas aliadas.

Elas são difíceis, eu sei. Muitas vezes, são deveras desagradáveis, porém, são muito importantes e benéficas quando aprendemos a usufruir corretamente.

A solução está em entendê-las e não em evitá-las.

“A uma ou duas gerações atrás as pessoas enfrentavam as dificuldades da vida e achavam que isso fazia parte da tarefa do homem, na vida.”

O quão empenhado você anda em entender as suas emoções? O quão empenhadas as pessoas estão em entender as suas próprias emoções?

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