O que eu aprendi fingindo extroversão

Daniela Amadeu
Introverso
Published in
9 min readMar 10, 2017
Imagem: Pixabay / josealbafotos

Eu estava conversando com a minha psicóloga, quando ela me fez uma pergunta sobre o tempo que eu passei tentando ser extrovertida:
“O que você aprendeu nesse tempo em que você tentou ser extrovertida?”
Eu recebi a pergunta de outra forma, até porque, eu sabia que o tempo que tentei ser extrovertida foi um tempo que passei fingindo, então o jeito mais honesto era eu perguntar para mim: O que eu aprendi fingindo?

E o curioso é que, apesar de haver uma certa dor quando eu penso que eu fingi, e que fingi pra mim mesma, há também um lado irônico nisso tudo, que foi o fato de eu realmente ter aprendido algo enquanto eu fingia.
Antes de eu começar, vou te colocar a par da situação:

Eu sempre me incomodei com o fato de eu ser quieta, reservada demais, pouco expressiva e muito observadora. Eu acreditava que, se eu era assim, é porque havia algo de errado comigo. E por muito tempo eu tentei ser extrovertida, até que em junho/2016 eu me dei conta que não dava mais. Minha energia começou a se esgotar, eu vivia com fadiga e infeliz, ao passo que, na faculdade, eu ficava mais e mais popular. A duras penas eu percebi que socialização e popularidade não tinham nada a ver comigo e que eu deveria mesmo é ficar quieta no meu canto. O 2º semestre do ano se passou e eu vivia no meu mundo cada dia mais, o que também me deixou um tanto preocupada, porque eu realmente gostava muito, demais, do isolamento. Até que dia 23/12/16 eu decidi ler algo sobre introversão, introspecção, timidez, o que quer que fosse para me conhecer melhor. E conheci o livro da Susan Cain, O Poder dos Quietos. E entendi que sou introvertida.

Quando eu compreendi que eu sou introvertida, eu passei a reavaliar o meu passado, o período em que eu tentei ser extrovertida, assim como também me recordei dos momentos em que eu detestava socializar, que sentia uma necessidade de passar um tempo sozinha. E foi assim que minha psicologa chegou àquela pergunta, que eu a mudei para “o que eu aprendi fingindo?”
Não adianta dourar a pílula, você pode fazer essa pergunta de várias formas sutis, mas o fato é que pra mim, tudo aquilo não passou de um fingimento.

Como eu ia dizendo, eu aprendi algo fingindo. Eis o que eu aprendi:

Entrar na sintonia do outro

Entrar na sintonia é a forma mais cômoda e menos cansativa de conversar com alguém. Eu me passei por comunicativa diversas vezes, sem de fato sê-lo. Bastava eu deixar que as pessoas guiassem a conversa, assim eu fazia pouco ou nenhum esforço. Elas falavam, elas perguntavam e elas mesmas respondiam. Eu soltava uns sorrisos confiantes e convincentes e caso chegasse um momento em que elas esperassem que eu fizesse um comentário, era só pegar a última frase que foi dita e montar uma pergunta ou gerar uma afirmação em cima, que não passava de uma repetição do que foi dito. A pessoa não vai perceber, definitivamente não vai. E se perceber, não vai dizer: “você acabou de repetir o que eu disse. Você nem estava prestando atenção no que eu disse.”
Foram anos fazendo isso, ninguém nunca percebeu, ou então, nunca tiveram coragem de verbalizar a constatação de que eu estava apenas repetindo algo que a pessoa dissera.
Por que fazer isso?
Repetindo — seja em tom de pergunta ou em tom de afirmação — o que a pessoa acabou de dizer, ela percebe que você está prestando atenção no que ela disse. Mas você acredita que eu realmente prestava atenção? Eu detesto small talk. Eu deixo a pessoa falar e paro de ouvir o que ela diz, geralmente eu começo a pensar em outras coisas enquanto a conversa rola de fundo e às vezes eu penso em outro assunto completamente diferente, eu digo: nossa, é mesmo!!! Só que esse “é mesmo” é par o que estou pensando, mas a pessoa acha que é pra ela.
Pessoas que falam demais não conseguem perceber o que acontece no outro. Se você está viajando num submarino amarelo, mas sorrindo e olhando para os olhos do outro, ela acredita veemente que você está atento a conversa.

Smile. When you pass someone in the hallway, smile at them. When you greet a colleague as you’re walking into the office, smile as you say “Good morning.” Run into an old acquaintance in the cafeteria? Smile when you first make eye contact.
Act Like an Extrovert and Get More Done — Christopher Sowers

Sorrir e cumprimentar com confiança

Quando eu li o texto acima, eu achei curioso o conselho para introvertidos agirem como extrovertidos, pois eu de fato já faço isso há muito tempo. E na verdade, eu não gosto de sorrir e cumprimentar com confiança, mas eu faço tanto e há tanto tempo, que se tornou automático. Eu não gosto porque me parece vazio de sentido e talvez repleto de interesses “vai que eu precise de um favor dessa pessoa mais tarde, é bom eu cativá-la e mantê-la por perto”. Nah, manter alguém próximo por interesse não me interessa.
Mas o fato é, essa foi mais uma atitude que eu aprendi a fazer. É de fundamental importância sorrir e cumprimentar com confiança quando você quer ser lembrado pelos outros. Se você fala baixo, assim como eu, vai te exigir um pouco mais, pois a “confiança” significa falar alto o suficiente para que a outra pessoa te ouça e perceba que o seu desejo de cumprimentar foi natural, espontâneo e que você realmente queria muito cumprimentá-la. É importante que as pessoas acreditem que estão sendo cumprimentadas de modo único e não que você é um robô de cumprimentar todo mundo — ainda que você realmente seja um robô de cumprimentar todo mundo. É nesse ponto, de parecer convincente e sincero, que olhar nos olhos conta muito. Olhe nos olhos, e as pessoas vão achar que você realmente ficou feliz em vê-las.

Extroverts are memorable. Dynamic. Gregarious. Engaging.
Act Like an Extrovert and Get More Done — Christopher Sowers

É verdade, é por isso que é tão importante você cumprimentar com confiança. As pessoas irão lembrar de você — se você quiser ser lembrado.
Outra coisa que eu aprendi a fazer é a sair andando por aí com alguma frequência para ser vista. Pode rir se quiser, mas nesse período em que tentei ser extrovertida, eu usava demais a máxima “quem não é visto não é lembrado”.
Eu costumava fazer isso na faculdade. Às vezes eu saía da sala e dava uma volta pelo pátio só para ser vista e aí eu já aproveitava e saía cumprimentando quem fosse que eu visse. Eu também sentava na frente, durante as aulas. E também questionava o professor num tom confiante caso eu percebesse algum erro na explicação ou algo do tipo. É claro que confrontar alguém tem os seus riscos, não é com todo o mundo que você pode fazer isso. Mas apontar um erro do professor foi fundamental para que eu fosse vista como expert em programação, inclusive pelo próprio professor.

Mostrar-se aberto a explicações e sugestões

Se for uma pessoa que você pode confrontar, o faça com jeito. Aponte o erro e espere ela tentar se explicar, então mostre-se excessivamente aberto a explicação, assim a pessoa desarma e vê que você não está competindo ou fazendo aquilo apenas para chamar a atenção — ou pior, por falta de respeito.

Como se mostrar excessivamente aberto a explicação ou a sugestão: isso foi uma combinação que eu fiz: introvertidos naturalmente são abertos a ouvir o outro. A única coisa que eu fiz foi externar e exagerar os sinais de que eu estava atenta ao outro. Jogue o corpo um pouco para frente e jogue a cabeça um pouco mais, descruze braços e pernas, deixe as mãos soltas e confortáveis, pisque pouco os olhos, acene o tempo todo com a cabeça ou faça “uhum” para o outro entender que você está atento e também está compreendendo o que é dito— mas faça um “uhum” que mostre uma sede por compreender o lado do outro. Levante a sobrancelha e faça “Ahhhhhhhh” com tom de surpresa se a explicação da pessoa se tratar de algo que você não sabia, mas exagere essa reação. Isto é muito bom para situações em que o errado é você: se você mostrar com humildade e surpresa que não sabia daquele assunto, é mais fácil voltar atrás depois e dizer: puxa, é mesmo, eu achei que estava errado mas na verdade não está. E não fica feio pra você. Ao menos quando se trata de professor, se ele percebe que você o questiona, mesmo que sua questão não esteja lá muito bem elaborada ou que você ainda não domine o assunto, ele percebe que você está mais atento ao assunto que os demais. E isso te coloca em evidência bem como te torna referência naquele assunto, ainda que você não seja.
Apenas não force perguntas sem pé nem cabeça. Eu nunca fiz isso, mas já vi pessoas fazendo isso. Se você força uma pergunta apenas para ser visto ou para acreditarem que você está a par do assunto, as pessoas percebem. O que eu aprendi nesses anos não envolveu subestimar a inteligência do outro. E eu não recomendo que você faça isso.

Participe de grupos

Esta é a mais óbvia de todas, mas ainda tem os seus detalhes. O duro que, para um introvertido, grupos são chatos e cansativos. Eu participava de uma infinidade de projetos na faculdade: Desde aulas de canto até ter me tornado monitora de linguagem de programação. Projetos diversos te fazem ser vistos por pessoas diversas. Se eu me restrinjo a um grupo em que apenas pessoas da minha turma participam, eu limito o alcance da minha imagem; mas se eu participo de grupos que turmas de outros cursos e períodos participam, muito mais gente vai me conhecer e lembrar de mim.

Lidere projetos

Eu penei para descobrir que não gosto de ser líder. Liderar envolve iniciativa, envolve levantar e falar alto e em tom afirmativo e eu detesto fazer isto. Eu só gosto da parte em que eu ouço a ideia do outro e juntos chegamos em uma conclusão. Liderar projetos vai te por em evidência e vai te dar alguns créditos a mais. Se você liderou um grupo que fez um trabalho que tirou nota alta, por exemplo, você é visto como um responsável parcial pela obtenção daquela nota.

Saiba se apresentar

Talvez a tarefa mais fácil para o extrovertido e a mais penosa para o introvertido. Eu adoro falar sobre minhas emoções, sobre meus aprendizados, mas detesto me apresentar. Vou explicar o que é apresentação: “Olá, me chamo Daniela, estou cursando o 5º semestre de análise de sistemas. Tenho um grande interesse pela área de tecnologia e um apreço ainda maior por programação. Meu trabalho de graduação envolve o desenvolvimento de um aplicativo Android com integração na nuvem. Eu também uso Linux, sendo este o meu sistema operacional favorito. De distribuições, já fui do Ubuntu, passando pelo Slack até o Arch Linux”
Sabe aquelas conversas, com aquelas pessoas, que não querem saber o que você sente ou pensa, mas sim os seus rótulos? Eu detesto conversar com estas pessoas, mas às vezes é preciso. É nessas horas que eu preciso usar o texto ali de cima. Tem gente que, conforme você vai levando o assunto para o campo das emoções ou para um nível de consciência mais profundo, a pessoa começa a torcer o nariz e/ou para de acompanhar o que você diz, mas quando você volta pro campo dos rótulos, ela entende tudo e mostra alguma empolgação na sua expressão facial. Fato é: é necessário saber se apresentar. Na verdade, todo introvertido deveria investir um pouco em aprender a se apresentar, é necessário. E quanto mais prática, mais confiante e mais seguro você se torna.

Conclusão

O que eu aprendi nesses anos todos, sinceramente, foi a ser extrovertida quando a situação exigia extroversão. O que me causou grande problema e desconforto, é que eu acreditava que eu tinha que agir dessa forma o tempo todo. Isso fazia com que eu me anulasse e com que eu perdesse minha identidade. Mas agora que compreendo que sou introvertida e que é natural gostar da própria companhia, eu uso esse meu aprendizado apenas quando é estritamente necessário e após utilizá-lo, eu vou correndo pro isolamento recarregar minhas baterias, senão eu pifo!

E você, já aprendeu algo tentando ser extrovertido? Ou então, tentando lidar com mais facilidade com situações que você tem extrema dificuldade? Conta pra mim!!!

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