Morte, estoicismo e o sentido da vida

Daniela Amadeu
Introverso
Published in
5 min readAug 1, 2019

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Com este texto pretendo atualizar vocês dos últimos acontecimentos da minha vida e compartilhar alguns aprendizados que tive.

Meu pai teve um AVC recentemente — está vivo e passa bem. Um mar de emoções e sentimentos surgiram dentro de mim. Eu mergulhei em uma profunda confusão — que deu sequência a um mar de reflexões.

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E se eu pude desfrutar de grandes reflexões, foi graças ao estoicismo. Tenho lido muito sobre estoicismo e tem me feito muito bem.

A morte é um caminho natural da vida. Assim como é natural nascer, é natural morrer. As pessoas comemoram o nascimento, mas lamentam a morte. Por que elas são sempre pegas de surpresa pela morte? O que se pode esperar da vida se não a morte?

Nós colhemos o que plantamos. Não cuidar da saúde é esperar a doença. Não procurar um médico, não fazer uma terapia preventiva ou que solucione/amenize a doença já instalada só te dará o direito de aguardar pela desgraça almejada.

As pessoas envelhecem e cobram aquilo que nunca te deram. Meu pai nunca foi carinhoso comigo, nunca me tratou como filha, ficou anos sem falar comigo. Não é porque ele está velho e doente que tem o direito de cobrar pelo meu afeto e minha preocupação. Ele está colhendo o que passou anos cultivando: a minha indiferença.

Doente e ainda assim feliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e ainda assim feliz, no exílio e ainda assim feliz, na desgraça e feliz (Epicteto). Quando recebi a notícia do AVC fiquei abalada. Sim, fiquei, apesar dos anos de renúncia do meu pai. Lembrei que meu bem estar e felicidade não dependem dos fatores externos, pois, estes sempre serão incontroláveis e muito provavelmente ruins, e assim, fiquei bem novamente.

Adicionalmente, lembrei quando estava viajando e fiz uma parada no meio da estrada para esticar as pernas. Ali vi vários cachorros de rua e percebi como os cães, abandonados em plena rodovia, transformaram aquela parada de beira de estrada em seu novo lar; aqueles outros cães tornaram-se sua nova família; os estranhos que chegavam no local eram, brevemente, seus novos donos. Aqueles cachorros não mostravam tristeza, infelicidade, insegurança, angústia, nenhuma incerteza parecia abalá-los. Sim, a inteligência, o emocional e o vínculo afetivo deles é muito diferente de nós, eu sei. Ainda assim, me peguei pensando: eu acho que também consigo viver em profunda adversidade e ainda assim estar feliz e serena. Por que não tentar?

Não existe ninguém mais responsável do que você. Novamente, você é responsável pela sua saúde, pelas pessoas que cativa — ou que afasta de você — é responsável pelos erros que comete, pelos acertos, pelo que aprende e pelo que escolhe não aprender. O que você terá, quem você terá por perto, quando ficar velho e doente? O AVC do meu pai me fez refletir muito, demais mesmo. Eu realmente não senti pena dele, não lamentei pelo ocorrido, pois, era mais do que esperado que algo do tipo iria acontecer. Ele passou a vida toda bebendo e negligenciando a saúde.

O que você terá, quem você terá por perto, quando ficar velho e doente?

Vai acontecer com você e vai acontecer com todo o mundo. Somos ingênuos demais de acharmos que somos imunes a morte, a doença e a desgraça. Seja sábio e espere pelo pior. Não seja tolo. Não se engane. Um dia você estará velho e doente, velho e dependente, velho e demente. Esse dia chegará, ainda que você não queira. Não querer que esse dia chegue não te faz imune a ele.

Um dia você estará velho e doente, velho e dependente, velho e demente.

Pessoas importam, para o bem e para o mal. Não tenha medo de se afastar de pessoas que te façam mal, sejam pais, filhos ou parentes. O título que alguém carrega não o impede de ser nocivo. Não é porque é sua mãe, namorado, ou seu filho que essa pessoa não pode e não irá te machucar. Contudo, se alguém te ama e te faz bem, não hesite em cativar essa pessoa. Construa a sua família*, pois você vai precisar do apoio de alguém quando adoecer e envelhecer.

* Só lembrando que família é qualquer tipo de união, podem ser seus amigos, enfim, não estou falando de família tradicional hetero cis com filhos e tal.

Não existe hora e dia marcado para morrer. Nos tópicos anteriores eu tenho batido muito na tecla do envelhecer, mas lembre-se que não agendamos a nossa morte, ela simplesmente vem. Pode ser agora, amanhã ou mês que vem. Você pode ter 10, 20 ou 40 anos. Não existe “morreu novo demais”. As pessoas morrem, independentemente da idade que elas possuam.

Não existe estética para morrer. As pessoas tendem a aceitar mais a morte tida como natural. O idoso que morre por uma doença natural da idade tem sua morte mais bem recebida do que a criança que morre por bala perdida. Ambos estão mortos e, enquanto vivos, ambos tinham a predisposição a morte.

Perguntas não respondem nada. Às vezes nos deixamos levar por perguntas infinitas, mas elas não respondem nada. Eu tenho uma amiga que perdeu a mãe para um infarto fulminante, há anos. Até hoje minha amiga lamenta e não aceita a morte da mãe. Assim que a mãe morreu descobriu-se que ela tinha problema cardíaco, tinha escondido da família e não fazia o tratamento corretamente. Perguntar “por que aconteceu comigo?”, “por que aconteceu com a minha mãe?” não trará a paz de espírito que ela busca e que no fundo todos nós buscamos quando nos questionamos.

Existem muitos problemas que podem ser resolvidos com a pergunta certa. Por exemplo, querer saber por que não sobra dinheiro no fim do mês é sensato e, sabendo a resposta, é possível reorganizar-se, replanejar-se. Mas as perguntas que despertam a inquietação e a sensação de ser injustiçado não trazem paz, pelo contrário, trazem mais desespero e angústia.

Qual o sentido da vida?

Talvez uma das mais frequentes perguntas e que, sem perceber, traz mais angústia e perturbação. Não, não existe resposta para essa pergunta. A vida não possui sentido aparente. Mesmo que você tenha uma religião e acredite em Deus, você ainda poderia se torturar perguntando: mas por que Deus me escolheu? Por que carrego essa cruz? Por que eu reencarnei nesse lugar, nessa realidade, nessa época? Por que eu não prospero?

Nós simplesmente estamos vivos e nossa mente possui a capacidade que possui. Cabe a você escolher as perguntas que irá fazer. Você pode se perguntar “o que eu devo fazer hoje?” ou “por que estou vivo?”.

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