Era da Agilidade
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Agilidade significa: “Tente tudo, mas nunca repita a mesma falha duas vezes”.
Um conceito-chave da prática ágil é o da inovação sistemática. Esse termo, “inovação sistemática”, parece um paradoxo à primeira vista. A inovação não se desenvolve facilmente com abordagens sistemáticas, e abordagens sistemáticas raramente produzem inovação. Resolver esse aparente paradoxo é o grande desafio produtivo do nosso tempo. Na era da agilidade, uma organização de sucesso precisa criar ambientes, redes, equipes, metodologias e práticas que tornem o pensamento criativo sistemático, afinal, ele é o fator chave da inovação.
A inovação sistemática baseia-se em uma longa história de mudanças na gestão dos negócios. Começou e evoluiu nos Estados Unidos ao longo dos últimos cem anos, abrangendo várias épocas. Kevin Fann, no livro Growing Up Fast: How New Agile Practices Can Move Marketing And Innovation Past The Old Business Stalemates, enumera as seguintes eras predecessoras da que vivemos hoje: a Era da Eficiência, a Era do Social e a Era do Acionista. Assim, chegamos à Era da Agilidade.
Pré-história da Agilidade
Na Era da Eficiência, a gestão de negócios focava a eficiência máxima. Trata-se da engenharia dos processos, linhas de produção, mecanização industrial pesada. Surgem os grandes monopólios industriais do fim do século XIX.
Já a Era do Social foi de grande prosperidade e esperança, os negócios se transformam em um mecanismo coletivo, que consolida reformas sociais, com amplo aumento nos padrões de vida após a Segunda Guerra Mundial.
A Era do Acionista começou com a desregulação econômica na década de 1980. Os negócios americanos passaram por um período de idolatria do acionista, a disseminação da “ganância boa”, o aumento de grandes disparidades de renda entre os profissionais da gestão das empresas e os demais trabalhadores.
A Era da Agilidade representa uma espécie de combinação de todas as anteriores. Ela é marcada por uma crescente necessidade de inovação sistemática. Inaugura uma nova ética de gestão. Promove redes sobre hierarquias e criatividade sobre padronização. As empresas se preocupam com a eficiência e em maximizar os lucros, mas também com a satisfação dos trabalhadores e o impacto social dos produtos que vendem.
A seguir, vamos falar um pouco mais sobre cada uma dessas eras e entenderemos como chegamos até os dias de hoje.
1880–1940: Era da Eficiência
Os historiadores geralmente apontam, para um evento específico como o nascimento simbólico da gestão de negócios, o encontro da Sociedade Americana de Engenheiros Mecânicos, realizado em maio de 1886, na cidade de Chicago.
Nesse famoso encontro, Henry R. Towne, cofundador da Yale Lock Manufacturing Company, propôs a ideia de codificar a “gestão de obras” como forma de aplicar princípios de engenharia civil à produção.
A apresentação de Towne foi significativa porque foi a primeira formalização de dois dos mais importantes princípios da gestão de negócios moderna:
1. A gestão consiste em um conjunto de práticas que podem ser estudadas e melhoradas; e
2. A gestão deve ser enraizada na economia clássica e no uso eficiente dos recursos.
O público desse evento era formado por engenheiros, pessoas extremamente racionais, literais e lógicas. Essas características podem ser observadas na forma como a gestão foi pensada.
As primeiras décadas da gestão empresarial moderna foram dominadas por sonhos de exatidão científica.
Algumas empresas notáveis desse período foram: American Sugar, American Telephone and Telegraph Company, General Electric, Allied Chemical, International Harvester, US Steel, Union Carbide, Sears Roebuck, Western Union.
A Era da Eficiência surgiu no período dos barões do capitalismo americano, um clima dominado pelo monopólio, corrupção e riqueza exorbitante de homens com sobrenomes famosos: Carnegie, Vanderbilt, Rockefeller, Morgan, Mellon, Stanford, Astor.
Esses chefes políticos e financeiros foram impelidos a adotar ideias progressistas, a trazer a sabedoria da ciência e do processo para seus negócios.
Em 1911, Frederick Taylor escreveu Princípios de gestão científica, no qual defendeu a aplicação do método científico nas empresas.
Taylor primeiro delineou a diferença entre “pessoas de exatas” e “pessoas de humanas” e apontou essa divisão como a tensão chave no local de trabalho. Afirmou que essas diferenças entre o quantificável e o humano não devem ser adversárias, mas, em vez disso, opostos complementares.
Havia uma crença geral de que todas as empresas poderiam ser operadas da “melhor maneira” se os processos científicos fossem seguidos, mas estudos descobriram também os mistérios da psicologia humana no trabalho.
Um estudo sobre produtividade realizado durante a Era da Eficiência mostrou que acender luzes fortes em uma fábrica aumentava a produtividade do trabalhador. O curioso dessa pesquisa é que descobriram que não era o fato de a luz estar acesa que causava o aumento da produtividade. Era a percepção dos trabalhadores de que a administração estava prestando atenção neles. Qualquer atenção da administração era boa para a produtividade.
Estudos posteriores comprovaram essa tese. A produtividade também aumentou quando:
1. Os trabalhadores se organizavam em grupos; e
2. A gerência pedia comentários e sugestões.
1940–1980: Era do Social
Essa era começou na sequência da Segunda Guerra Mundial. Foi marcada pela confiança global, apoio público e bons sentimentos sobre o potencial dos negócios para melhorar a qualidade de vida, com emprego vinculado à estabilidade social, saúde, habitação e contrato social com sindicatos.
Empresas notáveis durante esse período foram a General Foods, Eastman Kodak, Proctor & Gamble, United Aircraft, Chrysler, Woolworth e Goodyear.
A Era do Social viu o surgimento de importantes estudiosos da gestão de negócios, especialmente Peter Drucker. Muitos consideram Drucker o pai da gestão moderna, com várias publicações importantes ao longo da vida, incluindo: Conceito da corporação (1946), A prática da gestão (1954) e Gestão de resultados (1964).
Conceito da corporação foi o primeiro livro a aprofundar o tema das grandes corporações e como elas afetam a sociedade em um nível amplo. Gestão de resultados pode ter sido o primeiro livro sobre estratégia comercial. Nele, Drucker afirma que: “O negócio existe para produzir resultados”, e o trabalho de gestão é procurar oportunidades.
Drucker enxergava a corporação como uma rede social e acreditava que os negócios tinham dois objetivos primordiais: inovação e marketing — ideias que continuam a ser fundamentais para as práticas comerciais de hoje.
Também influente durante este período foi Mary Parker Follett, assistente social, consultora de gestão e pioneira nos campos da teoria e do comportamento organizacional. Suas ideias sobre “confronto construtivo” e estratégias “ganha-ganha” permanecem atuais até hoje. Follett odiava a microgestão, chamando-a de “ideologia do chefismo”.
Douglas McGregor foi outro estudioso que viu a ação de opostos no local de trabalho. Desenvolveu sua “Teoria X / Teoria Y” para representar os extremos filosóficos: controle puro versus pura autonomia. A teoria X dizia: “As pessoas são preguiçosas e precisam ser policiadas” no local de trabalho. A teoria Y respondia: “As pessoas procuram sentido no trabalho e contribuem com base em incentivos positivos”. Estes dois extremos lutam um contra o outro.
1980–2010: Era do Acionista
Na década de 1980, as empresas se afastaram das preocupações sociais em favor da especialização profissional. A gestão de negócios diminuiu em ambições morais, com declínio do poder sindical, aumento da globalização, disseminação dos cursos de MBA e uma obsessão geral com gerar valor para acionistas.
A Era do Acionista inaugurou a desregulamentação, em especial, no transporte, nas telecomunicações e nas finanças. A importação de automóveis, aço e eletrônicos de consumo aumentou drasticamente.
Vivemos um período de desenvolvimento tecnológico sem precedentes, com o aumento da produção de hardware e software para computadores pessoais. Este período viu o florescimento da indústria de tecnologia da informação. Mais do que apenas redes e servidores, a TI conectou empresas diretamente a bilhões de clientes de forma facilmente mensurável e rastreável.
Fusões e aquisições financeiras tornaram-se práticas padrão, sem muito controle ou restrições. A famosa frase: “A ganância é boa”, de Gordon Gekko, do filme Wallstreet (1987), resume bem a mentalidade dessa era. A administração começou a mudar, com ênfase pesada nos acionistas.
Criar riqueza para os acionistas: eis o objetivo mais claro da administração corporativa dessa época. Gerentes que cumpriam essa missão eram recompensados com incentivos de propriedade e opções de ações. Ou seja, o maior prêmio era justamente se tornar um acionista.
Em 1985, surgiu o termo “criação de valor” para justificar os pagamentos corporativos exorbitantes. A maior recompensa para um funcionário que “criou valor” era participar dos resultados, e isso só aconteceria pelo aumento no preço das ações da empresa. Para ganhar parte dos lucros, o trabalhador deveria se tornar um acionista, ter ações da empresa, que aumentariam de preço naturalmente à medida que o colaborador “criasse valor”.
Em 1999, as opções de compra de ações representavam 50% do salário de diretores executivos. A remuneração dos CEOs em relação aos demais trabalhadores, nos Estados Unidos, atingiu a razão de mais de 500:1 em 2000, de acordo com pesquisas do Institute for Policy Studies.
Transição ágil
À medida que chegamos ao fim da Era do Acionista, duas palavras começam a ganhar destaque: liderança e inovação.
Os entusiastas da Era do Acionista ainda se apegam ao preço das ações. É ele que orienta suas decisões. Sabem se estão certos ou errados de acordo com a oscilação das cotações. É um número objetivo, diretamente mensurável. É difícil mudar essa cultura.
No entanto, não param de aparecer publicações e estudos falando sobre a importância da liderança e da inovação para o sucesso das empresas. Esses valores estão, segundo esses estudos, acima do preço das ações. O valor de uma empresa está subordinado à sua capacidade de inovar e formar lideranças fortes.
Alguns tem a visão de que a gestão “ágil” já se tornou um mero clichê. Algo que todo mundo diz que usa, só para parecer moderno. Não é bem assim. Por definição, o gerenciamento ágil mantém um espaço seguro para que a inovação aconteça. Ele promove a criatividade e a intuição humanas para além do cálculo analítico, embora de alguma forma conduzido por este. “Ágil” é um processo, não um slogan.
Ao longo dos últimos cem anos, vimos como a gestão profissional de negócios contribuiu para a redução das taxas de pobreza, para o aumento da produção de alimentos e da qualidade de vida média. No entanto, como Walter Kiechel III escreve em The Management Century, há grandes desafios à frente, desafios que as descobertas da Era do Acionista não são capazes de resolver.
Como vamos criar empregos qualificados para todos? Como vamos nos adaptar às mudanças ambientais? Como lidaremos com a mudança constante? Como maximizar retornos em um mundo no qual não há “uma melhor maneira” de fazer as coisas? Como conciliar a satisfação dos trabalhadores, o lucro e a responsabilidade social das empresas?
Essas são perguntas que assolam a Era Ágil.
No próximo post falaremos especificamente sobre a industria de software no mundo pré-agilidade.