Design centrado no valor

Relações entre valor percebido e princípios de Design

Marcele Licht
ioasys-voices

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Quem trabalha com Design de produtos, serviços e transformação digital certamente já escutou expressões como: proposta de valor, agregar valor ou fazer entregas de valor para os usuários. Mas, afinal, o que é valor?

Este artigo aborda os autores: Rafael Cardoso (2016), Jim Kalbach (2017) e Donald Norman (2008) para estimular o pensamento sobre o uso de produtos na dimensão do usuário.

Com o aumento na oferta de produtos, as primeiras atribuições dos designers estavam na configuração e forma dos artefatos. Com o tempo ficou mais evidente que as pessoas escolhiam produtos, em detrimento de outros, por causa das relações de significados e valores simbólicos inerentes ao uso. Isso fez com que as discussões de projetos ampliassem o foco dos objetos para as pessoas (CARDOSO, 2016).

Essa mudança de pensamento esclareceu que, muito além de concluir tarefas com sucesso, era importante também considerar outros aspectos da dimensão do usuário. Isso fica claro nos livros do Donald Norman: Design do dia a dia (2006) possui ênfase nas funcionalidades e facilidade de uso, mas logo depois o autor lança Design emocional (2008) revelando a presença do afeto e sua importância nas nossas escolhas.

Design centrado no valor é título de uma parte do livro Mapeamento de experiência, do autor Jim Kalbach (2017), o qual foi a inspiração para este artigo. Este texto busca fazer relações entre valor percebido e princípios de Design e está dividido em quatro partes: Dinâmica para criação de valor; A dimensão do usuário; Valor como benefício percebido e Princípios de Design.

1. Dinâmica para criação de valor

As pessoas esperam algum benefício quando usam produtos e serviços, seja para realizar algum trabalho, resolver problemas, experimentar emoções ou para a comunicação. O benefício obtido por meio da experiência pode ser importante para os usuários, assim eles estarão dispostos a retribuir com dinheiro, tempo ou atenção.

Existe uma relação bidimensional que envolve o valor. Enquanto as pessoas têm objetivos e motivações para usar produtos, a organização precisa capturar algum retorno para sobreviver e prosperar (KALBACH, 2017).

Como mostra a figura abaixo, o potencial para a criação de valor está na interação entre a dimensão do usuário e a dimensão da organização.

Criação de valor. Fonte: KALBACH, 2017.

Entender a dinâmica entre as dimensões permite visualizar a base para a criação de valor. Partindo desse princípio, as representações podem ser expandidas em jornadas ou diagramas. É possível fazer o mapeamento das necessidades dos usuários/clientes e das oportunidades que uma organização pode oferecer ou evoluir.

Organizações centradas apenas na própria produção correm o risco de entregar produtos que as pessoas não usam, ou usam com insatisfação. Por outro lado, organizações centradas nos usuários focam primeiro em mapear o que as pessoas necessitam e depois como fazer esse benefício chegar até elas, por meio dos pontos de contato, artefatos e eventos.

Outra característica das empresas centradas nos usuários é a boa comunicação interna. Para ter clareza sobre como o usuário está interagindo com uma marca, é necessário a integração dos diversos setores da organização, a fim de reduzir ruídos da experiência.

2. A dimensão do usuário

Na dimensão do usuário, valor é um conceito muito diverso, rico e subjetivo. Muito além do custo ou do que as pessoas estão dispostas a pagar, o valor envolve fatores humanos, como pensamentos, comportamentos e emoções (KALBACH, 2017).

Norman (2008) evidencia o uso de produtos na dimensão do usuário no livro Design emocional. Para o autor, o processamento interno está dividido em três níveis: o nível visceral, que é responsável por respostas imediatas; nível comportamental, referente às características automatizadas do comportamento após um aprendizado; e o nível reflexivo, onde de fato acontece o pensamento consciente e o raciocínio.

As emoções estão presentes nos três níveis de processamento e constituem um sistema de julgamento do que é bom ou ruim. Dependendo de como uma situação é percebida, resultará em respostas distintas.

  • Estado afetivo negativo: quando uma situação é desagradável e percebida como perigo, o estado afetivo negativo faz com que os processos mentais focalizem o problema e alertem o sistema comportamental e reflexivo para agir.
  • Estado afetivo positivo: favorece a criatividade, a curiosidade e a aprendizagem. O afeto positivo deixa as pessoas alegres, mais tolerantes com as dificuldades e mais dispostas a encontrarem soluções criativas.

“O resultado é que tudo o que fazemos tem, ao mesmo tempo, um comportamento cognitivo e um afetivo — cognitivo para atribuir significado, afetivo para atribuir valor.” (NORMAN, 2008, p. 45).

3. Valor como benefício percebido

O contexto de uso de produtos digitais revela aspectos complexos. O que chega ao usuário pode impactar não apenas uma experiência de uso, mas sim a vida das pessoas que estão usando artefatos em situações reais.

O valor, assimilado como um benefício percebido, pode ser de diferentes tipos. Kalbach (2017) cita alguns:

  • Valor funcional: capacidade de realizar e concluir uma atividade com desempenho adequado e confiança.
  • Valor social: está relacionado com a interação das pessoas, estilo de vida e sentimentos de conexão com outras pessoas.
  • Valor emocional: respostas afetivas e sentimentos que as pessoas vivenciam a partir das interações com as ofertas de uma organização.
  • Valor epistêmico: desperta a curiosidade, a aprendizagem e o engajamento por um sentimento de crescimento pessoal.
  • Valor condicional: benefício que está diretamente ligado com condições específicas de um momento, como por exemplo datas comemorativas.

4. Princípios de Design

No livro Design para um mundo complexo, Rafael Cardoso (2016) fala sobre as mudanças da sociedade, globalização e acesso às informações cada vez mais especializadas. Todas essas mudanças impactam as definições de projetos, pois vários cenários estão presentes e interligados em um único problema.

Na busca por soluções para problemas complexos, alguns princípios de Design podem ser destacados:

Sair das questões projetivas

Necessidade de sair das questões puramente projetivas para olhar também para as pessoas, situações reais e problemas reais.

Pensamento sistêmico

Capacidade de explorar um conjunto de fatores, mapear partes, integrar e chegar a uma proposta de solução.

Inventividade da linguagem

Representa a criatividade e a materialização de ideias. Possui o propósito de moldar formas, construir espaços e relações de percepção.

Excelência da realização

São atributos de eficiência e elegância. Atenção aos detalhes para que as aparências e formas sejam expressivas e coerentes, de modo que faça sentido com a solução.

Colaboração

As melhores soluções costumam surgir do trabalho em equipe e em rede. A colaboração favorece o diálogo, a criatividade e a empatia necessários para solucionar problemas em toda sua complexidade.

Conclusão

Pensar no valor, com o entendimento mais amplo do benefício percebido, muda a forma como abordamos nossas soluções.

O design centrado no valor vai muito além da entrega de protótipos isolados, pois é centrado nas pessoas e na diversidade de cenários reais.

Isso envolve dizer que, após a análise de uma situação/problema, as soluções podem abranger diferentes ofertas de uma organização de modo integrado para entregar o valor esperado.

Obrigada pela leitura!

Referências

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Ubu Editora, 2016. E-Book.

KALBACH, Jim. Mapeamento de experiências. Rio de Janeiro: O’reilly, 2017.

NORMAN, Donald. Design emocional. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

NORMAN, Donald. O design do dia a dia. São Paulo: Anfiteatro, 2018. EBook.

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