Mudando de ares e o medo de ficar

O que eu aprendi saindo da minha pequena cidade natal

Fernando Volken Togni
Irmãos de Criação

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Hoje pela manhã quando abri meu Facebook, comecei a rolar algumas milhas abaixo, que me levaram de volta a 2008, ano em que eu decidi algo que moldou grande parte da pessoa que eu sou hoje: mudar de ares.

Por uma série de motivos eu decidi sair da minha cidade natal, Roca Sales, uma cidade bonita e aconchegante de 10 mil habitantes em um vale muito verde do Rio Grande do Sul, e, dentre eles, o maior foi o medo de ficar. Não exatamente o medo de ficar ali, mas o de ficar igual. Eu sempre tive medo de estar perdendo o que a vida pode oferecer. Parece bobo ou dramático, e até soar arrogante mas é verdade. Eu sempre tive medo de me conformar com as situações ou de perder a capacidade de me surpreender. Foi então que, mesmo ainda cursando a faculdade de Publicidade e Propaganda, eu decidi trancar o curso por alguns meses e me mandar para a Espanha. Eu terminaria no futuro, mas era hora de mudar. A gente sempre sente quando é hora de chacoalhar as coisas.

Eu tinha medo, eu trabalharia como garçon num restaurante em um país cuja língua não é a mesma que a minha, eu não conheceria ninguém e os únicos contatos que eu tinha eram por email. Estranho num mundo estranho, eu tinha pouco dinheiro e trabalharia lá pra me manter e conhecer o país e quem sabe os países em volta. Eu queria outro ar, eu queria falar Espanhol, eu queria ter medo e quem sabe não voltar. O meu medo era não tentar. Eu fiz uma passagem de mentira e coloquei no meu guarda-roupas e todos os dias pela manhã eu imaginava que em pouco tempo se tornaria uma passagem de verdade. Eu sequer tinha dinheiro, mas eu tinha otimismo e perseverança, e isso conta bastante. Depois de um ano posicionando a minha mente para a minha meta eu tinha a minha passagem de verdade em mãos.

Na primeira viagem pra fora do país eu fiz amigos com quem mantenho contato até hoje. Eu aprendi com aquela saudade de casa que alguma coisa estava me mudando, estava me nutrindo. Eu estava criando anticorpos, eu precisava me adaptar a esses novos ares e sentia que estava fazendo algo certo. Eu aprendi devagarinho a lidar com a minha solitude e a ser mais paciente. Eu nunca deixei de amar a minha cidade natal (acho que até amo mais agora) e tenho saudade diariamente, mas a vontade de conhecer a vida através de perspectivas diferentes e estar a 12 mil km de casa me fizeram uma pessoa mais forte.

Um dia minha irmã me disse em uma conversa que as pessoas têm felicidades diferentes, e isso me marcou. Ela estava certa. Também em uma matéria na TV sobre felicidade, um senhor de idade, perguntado sobre o que considerava felicidade respondeu que era ir de bicicleta todas as manhãs até o lago pescar enquanto seu pato de estimação seguia pelo trajeto. E eu confesso que demorei para entender isso, que não existe regra, lugar, felicidade certa ou mais importante, mas existem felicidades diferentes. A minha era ganhar o mundo, conhecer gente. Aprender todas as línguas que precisasse, mas não perder uma conversa sequer em uma mesa cheia de pessoas de países diferentes.

O meu medo de ficar fez com que eu morasse em outros países e esporadicamente voltasse à minha cidade natal para ver minha família e amigos, e me vi lentamente passando de habitante para visitante. Fez entender que mesmo com medo eu precisava sair do meu conforto, eu precisava gastar o meu dinheiro com experiências ao invés de bens, eu precisava falar mais sobre fatos e menos sobre pessoas. Eu queria ter história pra contar, queria ser mais interessante e sabia que a sede de conhecer gente e o que tenho na cabeça sempre me garantiria trabalho. Eu aprendi a ser adaptável, se precisasse viver com menos em uma casa compartilhada com 9 pessoas, viveria com menos, se precisasse dormir um par de horas menos e trabalhar mais para me manter, dormiria menos. E, se precisasse voltar, a família estaria de braços abertos.

Hoje, depois de ter vivido em cinco lares, eu acredito que encontrei meu lugar: são quatro anos em Londres e me sinto feliz, talvez pelo fato de ser uma cidade que muda tanto e me surpreende diariamente - e isso combina com a minha inquietude. Oito anos depois de ter saído da minha cidade no Vale do Taquari, eu vejo que em determinado momento, mudar de ares e conhecer pessoas pode fazer bem, nos permite nos ver por fora, coçar a cabeça, preencher os dias com mais intensidade e até envelhecer com mais sabedoria. Não digo que seja o melhor, mas no meu caso, pareceu ser o mais certo ter aquela sensação de estar vulnerável.

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Fernando Volken Togni
Irmãos de Criação

Brazilian-born illustrator and graphic designer based in London.