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O que é pior para a publicidade: o AdBlock ou o Festival de Cannes?

Porque o sertão virou mar e o mar virou sertão.

Gabriel Oro
Irmãos de Criação
4 min readJan 6, 2016

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Pra quem ainda não conhece, o AdBlock é a maior aplicação para bloqueio de publicidade na internet. Quando você adiciona a extensão, todos os anúncios que iria visualizar são apagados.

Já o Cannes Lions Festival é o mais reconhecido prêmio para criatividade na propaganda. Ele acontece anualmente em Cannes, na França, e reconhece os melhores esforços de comunicação publicitária em diversas categorias.

A fanfarronice no título deste artigo não engana. Nunca se começa com uma dessas perguntas aparentemente óbvias só para, no fim, se concluir o óbvio. Então vamos logo ao raciocínio: o AdBlock faz bem para a publicidade. O festival de Cannes, em sua forma atual, faz mal.

Minha defesa aos bloqueadores de anúncios, assim como a de muitos outros profissionais do meio, já vem de tempos. O raciocínio básico é que tentar impedi-los é tentar impedir a evolução tecnológica e a liberdade individual. O AdBlock não existe sem motivo, e não é por nada que mais de 50 milhões de pessoas já o usam. Ele é o sintoma de uma doença, e essa doença foram os publicitários que inventaram.

Cada comercial de televisão que virou trueview no YouTube, cada anúncio de meia página que virou post no facebook ou no instagram, cada maldito banner em flash, tudo contribuiu para tatuar nas mentes das pessoas uma visão negativa da publicidade na internet. E nós, que trabalhamos com isso, tão frequentemente esquecemos desse detalhe: as pessoas não gostam de publicidade. Podem até gostar de uma peça ou outra, mas ninguém liga a TV pra ver propaganda e ninguém abre o YouTube pelo prazer de esperar 5 segundos antes de pular o seu filme bonitão.

Então o AdBlock nos obriga a evoluir, criar jeitos novos e melhores de anunciar. A presa cria asas e todo caçador que não souber voar vai morrer de fome. A mensagem só existe se for algo que realmente interessar ao consumidor, do contrário você é bloqueado sem remorso.

E aí temos Cannes. O motivo dessa comparação é que os festivais de prêmios publicitários têm um efeito quase simetricamente oposto ao do AdBlock: os profissionais os adoram, mas o mercado sofre. Atualmente a lógica de premiação é centrada na ideia, mas toda ideia só existe dentro de um contexto. Quantas das peças inscritas em Cannes trouxeram um resultado real? Quantas foram pensadas arbitrariamente e “encaixadas” em um cliente qualquer, uma ONG ou até a borracharia da esquina, que sequer era cliente da agência? Quantas vendiam uma causa, em vez de um produto, mas sem a agência ter recebido a demanda de trabalhar aquela causa com qualquer cliente real? Ou então, quantas peças foram criadas tendo o juri de Cannes como público-alvo?

Ultimamente a moda é criar para causas benemerentes. Todo ano agências do mundo inteiro explicam como “tornaram o mundo um lugar melhor”. Corta. Fim do videocase. Assina com a hashtag e vamos pra casa.

E a longo prazo, a maioria das peças feitas pra “ajudar” as pessoas não ajudam ninguém. Este famoso discurso do iraniano Amir Kassaei expressa isso com uma brutalidade linda: “Cerca de 90% dos trabalhos que vimos aqui esta semana e que foram feitos para ONGs e outras associações não foram feitos para ajudar aquelas pessoas. Foram feitos por alguém que quis ter uma grande ideia e fazer um conjunto de 25 palhaços em salas escuras apaixonarem-se por ela e lhe darem um prêmio”. Se não estamos resolvendo algum tipo de problema de comunicação, estamos só brincando no trabalho e pedindo prêmios por isso.

Claro, há a ressalva obrigatória de que existem sim, todos os anos, ótimos trabalhos que são premiados em vários festivais de publicidade, trabalhos efetivos e relevantes, mas essas peças ainda existiriam e estariam perfeitamente bem sem os prêmios, o que as motivou foi um público de verdade e um cliente de verdade com um produto de verdade, e um problema a ser resolvido. Uma oportunidade de fazer seu trabalho. Bem. Sem uma cenoura na ponta do anzol como motivação. Nossa função é criar e levar ideias às pessoas, ideias que as façam querer consumir um produto, um serviço ou mesmo a própria ideia. Enquanto estivermos vendendo coisas para nós mesmos, essa indústria não vai avançar, não de verdade.

O que mantém minha mente tranquila é saber que, no fim das contas, todas essas mudanças são obrigatórias, o mercado vai mudar e nós vamos ter que nos adaptar, é só uma questão de tempo. Ah, mas você também pode fazer como tantos outros profissionais “oldschool”: sentar abraçado no seu leão de mentira enquanto sua presa foge voando. E reclamar também, reclamar porque no seu tempo nenhuma presa tinha asas, que absurdo. Aquilo é que era bom. Voar é só uma moda passageira.

Então, qual é a relação entre os dois elementos no título patife deste texto? O AdBlock nos obriga a fazer um trabalho melhor. Cannes nos condiciona a fazer um trabalho pior. É a diferença entre criar para pessoas e criar para um juri, ser um caçador de verdade ou ter um leão de mentira.

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