Quando o politicamente correto não vai matar a criatividade.

André N. Bueno
3 min readOct 13, 2015

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“Uma boa ideia vem do ódio” essa frase foi dita algumas vezes pelo Edu Lima, um brilhante redator e um dos líderes da indústria criativa brasileira. Ele estava falando sobre seu processo criativo e como nós podemos encontrar aquela ideia que todo mundo vai comentar. Nesse ano, o Edu largou o país rumo aos EUA.

No mesmo momento em que lembrei dessa frase, estava lendo um artigo chamado “Por que Edward Mãos de Tesoura nunca seria feito hoje”, publicado no Huffington Post, e eu percebi como está difícil dar vida a projetos corajosos. Isso acontece porque aumentaram camadas e mais camadas de pessoas apavoradas em aprová-los, criando uma guerra desnecessária entre departamento criativo e departamento de marketing. De um lado, há pessoas protegendo a ideia ao máximo. Do outro, pessoas protegendo a imagem da empresa ao máximo. Mas tem algo me intrigando muito: os dois lados lutam pelo mesmo objetivo. E eles não notam isso.

“Edward Mãos de Tesoure” foi um estouro de vendas na década de 90. Foi o filme que lançou Johnny Deep e Tim Burton ao estrelato de Hollywood de uma vez por todas. E, na minha cabeça, isso só aconteceu porque o filme é uma ideia genial que não foi mudada pelo medo. Naquele tempo, mídia social não existia ainda. A mídia social é a mesa de bar. Basicamente eram pessoas comuns juntas em bares ou lares, comentando o quão maravilhadas estavam com aquele filme. Na época, o limite do politicamente correto não tinha uma medida exata, e todas as áreas artísticas criaram obras-primas. Obras atemporais, geniais até hoje. Basta dar uma olhada na história da propaganda, cinema e artes em geral como pintura, literatura e artes cênicas.

No entanto, quando a mídia social se tornou popular, todos os comentários negativos vieram juntos. As pessoas ganharam poder — possuir um computador e internet era suficiente para expor a opinião com elogios e críticas. As companhias começaram a se preocupar com a opinião dos outros, e por isso muitas paredes surgiram entre o ouro e o lixo. Entre a genialidade e a mediocridade. Para exagerar, um tuíte mata uma campanha inteira e um roteiro é revisado por causa de um post de Facebook. O medo do politicamente correto vive nesse conteúdo.

Muita de nossa criatividade vem da intuição, e a intuição às vezes é morta quando racionalizada. Com isso, a criatividade morre junto. Para uma indústria que sobrevive do produto criativo, é crucial. Nesse ecossistema, matar a criatividade significa matar a relevância, e a nossa indústria vive a maior crise de relevância de todos os tempos.

Como se não bastasse, nosso negócio está cada vez mais corporativo e burocrático. Agora, para cada detalhe, existe uma reunião. Muitas reuniões. Longas reuniões. Reuniões detalhadas. E eu acredito firmemente no superpoder que essas reuniões tem para mudar — ou matar ideias. Se essas ideias sobrevivem a todas essas reuniões, eles colocam em um focus group para julgá-las. Se essas ideias sobreviveram iguais como foram criadas, é praticamente um milagre. Então ponha-se de joelhos e reze forte.

Para não ter a criatividade brutalmente assassinada pela política e pelo politicamente correto, temos que trazer a relevância de volta para a nossa indústria. Temos que fazer as pessoas acreditarem em nossa intuição da forma como nós acreditamos. Fazê-los acreditar novamente no poder de mudança da criatividade. Mas, para isso, nós temos que lutar para proteger as ideias com a mesma força ou ainda maior de quando lutamos para criá-las. Provavelmente, teremos que lutar bravamente. Talvez com ódio. Aquele ódio que o Edu Lima disse uma vez.

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