O que eu quero não está no menu: o poder de uma mudança de mindset

Ricardo Sales
isaac tech
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6 min readJun 9, 2021

Conheci o David quando tinha 16 anos e estávamos no 3º ano do Ensino Médio em Fortaleza. De Fortaleza, viemos fazer faculdade em São Paulo. Eu fui para o ITA e o David para a USP. Tão logo nos formamos, há exatos 10 anos, decidimos fundar a Primeira Chance para transformar a vida de brasileiros por meio da educação. Desde então, muitos foram os avanços: conseguimos dar bolsas para que mais de 400 jovens brilhantes completassem o Ensino Médio e estudassem nas melhores universidades do Brasil e dos Estados Unidos. Também ajudamos a criar a Arco Educação e a impactar mais de 1 milhão de alunos com as melhores soluções de ensino básico do país.

No ano passado, decidimos partir para um novo desafio juntos: estamos construindo o isaac para transformar a educação no Brasil e empoderar todas as escolas do nosso país.

Muitos foram os aprendizados que acumulamos nessa jornada para alcançar os nossos sonhos. Deles, um é de especial relevância e é por isso que faço questão de sempre compartilhá-lo com todo o nosso time no isaac: não podemos nos conformar com o status quo. Precisamos ir além das oportunidades que a vida nos oferece e criar o caminho que queremos seguir. Compartilho o texto a seguir na expectativa de transmitir essa mensagem.

Quando viajamos para Natal no começo do ano, eu e David nos hospedamos em um Holiday Inn. No café da manhã, o David pediu o de sempre: tapioca com ovo e queijo. O garçom foi rápido na resposta: “Não temos”. Aposto que você já passou por uma situação parecida; a tentação de revisitar o menu e procurar por uma outra opção disponível é grande, mas depois de dar uma rápida olhada no cardápio e perceber que de fato ovo mexido e tapioca de queijo eram opções, o David insistiu:

David: Você tem tapioca de queijo?

Garçom: Tenho

David: Tem ovo mexido?

Garçom: Também tenho.

David: Ora, pois! Quero uma tapioca de ovo e queijo.

Garçom: Aí, não tenho! Vou ficar devendo.

A cozinha tinha farinha de tapioca, tinha queijo e tinha ovo, mas como tapioca de ovo e queijo não era uma opção no menu, o garçom se refutava a atender ao pedido “especial”. Não estava claro se havia alguma barreira que realmente impedisse a preparação da tapioca de ovo e queijo. Dada a insistência do David, o garçom então chamou o gerente.

David: Eu queria uma tapioca de ovo e queijo.

Gerente: Como não temos essa opção no menu, teríamos que cobrar um valor adicional à tapioca de queijo, senhor!

David: Claro, sem problemas!

Pronto! Era ali que estava o problema: no preço. O garçom assumiu que, como ficaria mais caro do que as opções já no menu, a oferta não faria sentido. Mas o que o David queria não estava no menu e ele estava sim disposto a pagar mais por uma tapioca com ovo e queijo do que por uma tapioca apenas de queijo. Travas mentais como essa ocorrem diariamente em diversas situações na vida.

Para ilustrar ainda melhor a mensagem que quero passar, faço referência a um de meus livros favoritos: Outliers, de Malcolm Gladwell.

Gladwell argumenta que um grande driver dos diferentes resultados alcançados pelos “ricos” e pelos “pobres” advém do treinamento em “inteligência prática” que os “ricos” recebem. Por “inteligência prática”, Gladwell se refere às habilidades sociais e outras soft skills, como negociação e conforto em questionar autoridade, que nos ajudam a navegar melhor a vida em sociedade. O autor defende que os pais (ou quem quer que assuma esse papel) são fundamentais no desenvolvimento da “inteligência prática” de seus filhos, desempenhando um papel ativo em sua formação — ele chama essa prática de “concerted cultivation” e acredita que é uma grande vantagem que as crianças “ricas” têm em comparação às “pobres,” cujos pais não raramente as deixam se desenvolverem por “conta própria.”

Para exemplificar, Gladwell faz referência ao comportamento de crianças quando vão ao médico. Os pais “ricos” insistem que seus filhos tirem todas as dúvidas e aproveitem o momento da consulta para falar de quaisquer problemas de saúde que estiverem enfrentando. Por outro lado, crianças menos privilegiadas financeiramente não costumam receber esse tipo de orientação e se sentem menos confortáveis ou dignas (na falta de uma tradução melhor do inglês “entitled”) ao fazerem questionamentos desse tipo, acatando sem resistência alguma os vereditos médicos.

E é justamente por isso que o David costuma brincar que pessoas “ricas” só pedem o que não está no menu. Pode reparar, se você for em um restaurante com alguém rico, fica de olho no pedido! Aposto que vai ser alguma coisa como “Eu quero esse Steak Frites só que com creme de espinafre ao invés de batata frita e frango no lugar da carne. Ah, e o molho à parte, por favor!”

Voltando a Gladwell, é central em sua tese a importância de se conseguir moldar o ambiente externo da forma como você quiser, sem se prender às opções convencionais e que muitas vezes parecem ser as únicas em jogo (aqui, claro, sempre com bom senso e respeitando limites éticos). Precisamos democratizar o inconformismo e garantir que pessoas dos mais diversos backgrounds sintam-se confortáveis em questionar o status quo, desprendendo-se das amarras que as são impostas.

No nosso dia a dia no isaac, são vários os desafios que podem nos levar a criar entraves mentais e nos limitarmos às opções que “estão no menu”. Tentamos sempre fazer o exercício de pensar em truques ou mesmo pequenos ajustes que nos ajudariam a alcançarmos o que realmente queremos. Às vezes, o que queremos é apenas uma junção de dois pratos; outras vezes, uma nova criação que pode até estar na cabeça do chef (e o garçom não sabe…)! Ainda, pode ser um prato que estava em uma página que não foi impressa ou até que saiu do menu na semana anterior. Mesmo se nenhum desses for o caso, não podemos deixar de perguntar insistentemente até entendermos por quê a opção “não está no menu”. É a máxima dos 5 porquês: precisamos questionar justificativa pós justificativa (geralmente, pelo menos 5 vezes!) até chegarmos ao que é de fato a raiz do problema!

Às vezes, o desafio está em convencer o outro. Assim como fizemos com o garçom que nos atendia, precisamos entender qual é o bloqueio mental que a pessoa criou (como o preço na história da tapioca) e pensar em táticas para ilustrar como podemos mostrar que existe uma alternativa para contornar o desafio que talvez seu interlocutor, por estar preso a soluções já existentes, não esteja enxergando.

E por falar em mente aberta, um outro autor, Adam Grant, em seu livro mais recente, Think Again (“Pense Novamente”), traz o conceito de “entrevista motivacional” como uma técnica para nos ajudar a “abrir a mente de outras pessoas’’. Em suas palavras, “o objetivo não é dizer aos outros o que fazer, mas ajudá-los a sair de ciclos de excesso de confiança e a enxergar novas possibilidades.” As três principais dicas de Grant são: (i) faça perguntas abertas, (ii) pratique a escuta ativa e reflexiva e (iii) reforce o desejo que tanto você como seu interlocutor têm de mudar a forma de pensar sobre o respectivo tema.

Para concluir, trago uma citação de Steve Jobs que sintetiza muito bem a principal mensagem que queria passar aqui: “Don’t be trapped by dogma, which is living with the results of other people’s thinking” (“Não se prenda a dogmas, que é viver com o resultado do pensamento de outras pessoas”).

Queremos que o isaac tenha um papel de “concerted cultivation” na trajetória de todos do nosso time: não podemos ser conformistas para transformar a realidade da educação no Brasil. Por que as escolas não podem ser digitalizadas? Por que não podem contar com soluções incrivelmente simples? Por que não podem ter receita garantida? O que as escolas querem não está no menu, mas criamos o isaac para mudar essa realidade!

Por fim, fica aqui o desafio: quando for a um restaurante, peça algo que não está no menu. Da mesma forma, quando te disserem que algo não é possível, seja criativo. Questione. A inovação invariavelmente passa por questionamentos ao status quo. Não deixe as opções do dia a dia limitarem sua criatividade. Vá além.

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