A busca de Frances pelo copo cheio

O filme de Noah Baumbach trata sobre os altos e baixos da vida real pelos olhos da bailarina Frances

Isabel Linck Gomes
Isabel Linck Gomes
3 min readApr 30, 2019

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Uma menina interiorana enfrenta os desafios da cidade grande em busca dos seus sonhos. Essa máxima clichê poderia ser a descrição de Frances Ha (2012), que retrata o percurso de uma ambiciosa aprendiz de uma companhia de dança em busca de reconhecimento. Felizmente a comédia consegue passar bem longe de um clichê, graças ao excelente trabalho de Noah Baumbach como diretor e Greta Gerwig como atriz principal, que desenvolveram juntos a história da dançarina Frances em um simples e descontraído reflexo da vida como ela é.

Frances é uma jovem adulta de quase trinta anos que aspira ser uma bailarina de sucesso. Namora e tem uma melhor amiga com quem divide o apartamento e, praticamente, a vida. Entretanto, após seu namoro terminar e sua melhor amiga a deixar para se mudar com outra pessoa justamente para o endereço o qual elas planejavam morar juntas, Frances se vê sozinha. A protagonista é jogada de casa em casa, de amizade a amizade, conciliando isso as suas metas profissionais. As pessoas queridas se distanciam cada vez mais, bem como o cargo de bailarina titular na companhia de dança a qual trabalha, que parece cada vez mais inacessível.

Em um roteiro linear e leve, delicadamente construído com um humor sutil, o filme trata sobre frustração das expectativas, sobre os altos e baixos da vida real. Trata da vida das pessoas comuns. É justamente isso que chama a atenção: Frances não é a mais bonita, nem a mais talentosa. Ela não é inatingível pelo seus problemas, bem como não tem características que a dêem destaque. Esse anti-heroísmo dado à protagonista da trama, é o que o faz tão identificável. Todos temos ou teremos um pouco de Frances: ela é livre, brinca, troca confidências com sua melhor amiga, se diverte, mas também cansa, e nem por isso desiste. É uma adulta que ainda se permite desfrutar de algumas vantagens da juventude, e que segue em busca dos seus objetivos enquanto as pessoas da sua idade já parecem “completas”, falando sobre casar e ter filhos.

Durante todo o filme, nos sentimos amigos de Frances. A forma que a trama é construída, com sua simplicidade e sutileza, além da excelente atuação de Greta, faz com que criemos uma empatia pela protagonista e saibamos a admirar, não pelos seus feitos e conquistas, mas pela sua essência. Mesmo com as coisas não indo bem, Frances irradia positividade. Por trás do seu jeito ingênuo e desajeitado, a bailarina carrega consigo uma grande bagagem de persistência e otimismo. Em diversos momentos acreditamos que ela vai desabar, mas Frances segue vendo um copo meio cheio onde a maioria das pessoas veria um copo meio vazio.

Toda a trama se passa em preto e branco, o que deixa o filme ainda mais especial, pois parece concretizar na imagem as relações frias e monocromáticas que rodeiam Frances, de alma colorida. O filme inclusive brinca o tempo todo com o preto e branco, contrastando-o com recursos modernos, como cartões de créditos, e-mails, computadores e celulares, os quais a protagonista parece não ter se adaptado ao uso. A trilha sonora completa o enredo, com destaque à canção Modern Love, de David Bowie, que é muito bem colocada em uma das cenas mais emblemáticas do filme. Frances corre pelas ruas de Nova York embalada pela canção que tem como refrão a frase “But I try, I try”, que nada menos é o que a personagem faz durante todo o filme: tenta.

Em suma, o filme é um belo exemplo de como a simplicidade e as sutileza também conseguem desenvolver uma narrativa que cativa e emociona. É uma excelente história de uma personagem original e carismática, que assim como nós, diariamente busca e luta pelo objetivo e significado de sua existência.

Resenha crítica. Trabalho produzido para a disciplina de Jornalismo Opinativo, ministrada pelo professor Basílio Sartor. Porto Alegre, maio de 2018.

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