A luta em apenas um click

Isabel Linck Gomes
Isabel Linck Gomes
Published in
3 min readJun 9, 2018

Há pouco mais de cinco anos, os debates feministas voltaram a ser pauta na sociedade. Isso se deve majoritariamente à internet que, por meio das redes sociais, criou um espaço que reúne pessoas em torno da mesma causa e, dessa forma, conseguiu ampliar as possibilidades de ativismo político. Esse renascimento do feminismo, agora com suas bases no mundo virtual, acontece graças ao caráter horizontal da internet, que permite uma autonomia aos internautas para dar visibilidade a causas que frequentemente são ignoradas pela grande massa, como a luta das minorias sociais, por exemplo, incluindo o feminismo.

Um estudo divulgado pelo Google BrandLab no ano passado apontou que o interesse pelo feminismo tem crescido progressivamente, sendo que, desde 2015, o número de buscas aumentou 200%. Dessa forma, quanto maior o número de pessoas envolvidos na causa, maior força do movimento e, consequentemente, maior a chance de mudança. Um exemplo disso foram as hashtags #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto, criadas por páginas feministas, que tinham como objetivo incentivar a denúncia de abusos que mulheres já sofreram. O movimento foi tão forte que, após sua repercussão, o disque-denúncia de atendimento à mulher registrou aumento de 40% no número de denúncias.

Entretanto, sabe-se que uma parte considerável do país — quase 40% — ainda não tem acesso à internet. E sabe-se também que ter acesso a internet não necessariamente significa estar em contato com esses assuntos, visto que o mundo virtual tem uma infinidade de conteúdos disponíveis. Portanto é preciso refletir até que ponto esse ativismo está sendo eficiente. A luta que se inicia na internet não pode permanecer ali. Para que os seus resultados sejam mais eficientes, os discursos precisam ir além do “curtir” e do “compartilhar”, precisam repercutir também na grande mídia (que historicamente tem um alcance maior), precisam ser levados para os debates das escolas e das universidades, precisam se concretizar no cotidiano. Se a internet funciona como um recurso divulgação das lutas de minorias sociais, é preciso que essa divulgação seja eficiente ao ponto de não permanecer apenas ali.

Outro risco da “militância online” é distorção de realidade que ela provoca, uma vez que as redes sociais personalizam os nossos “feeds de notícias” com base nas nossas interações, ou seja, dão prioridade para conteúdos semelhantes aos que mais acessamos, curtimos ou compartilhamos. Isso quer dizer que aquilo que não me interessa, não será exibido na minha rede social. Acabamos caindo na falsa ilusão de que a internet é reflexo da realidade e, dessa forma, acreditamos que, se nossas redes sociais estão repletas de conteúdos de cunho feminista, isso quer dizer que agora o mundo “está” feminista. Nos prendemos numa bolha em que todos pensam de forma semelhante à nós, impedindo que vejamos as opiniões contrárias às nossas que seguem existindo (e frequentemente tendo força igual ou maior às que acreditamos). Foi assim, inclusive, que a vitória de Donald Trump nas eleições presidências dos Estados Unidos foi uma surpresa para um grande número de pessoas, pois na época que antecedeu as eleições, não era aquilo que a bolha de suas redes sociais refletia.

A internet tem um grande potencial para transformar o mundo, mas é preciso ter equilíbrio ao usá-la. Seu caráter “sem fronteiras” e sua capacidade de melhorar, amplificar e organizar os movimentos sociais são ferramentas essenciais para que as lutas ganhem mais força e cada vez apresentem mais resultados na realidade. Mas é preciso ter cuidado para não cair no conforto dessa facilidade de reivindicar e se manifestar com apenas um click. A militância não pode se resumir em “curtir”, “compartilhar”, usar uma hashtag ou assinar uma petição, pois a internet não é a luta por si só, mas apenas um instrumento para fortalecê-la.

Artigo opinativo. Trabalho realizado para disciplina de Jornalismo Opinativo, ministrada pelo professor Basílio Sartor. Porto Alegre, abril de 2018.

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