A luta em um click

Isabel Linck Gomes
Isabel Linck Gomes
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3 min readMay 22, 2019

Graças à internet, as sementes do feminismo se espalharam novamente pelos debates políticos, florescendo uma nova versão do ativismo que tem suas raízes no final do século XIX. Isso se deu porque ambientes virtuais, como fóruns e redes sociais, criaram um espaço que permite reunir pessoas que se identificam em torno de uma mesma causa e que, dessa forma, conseguem ampliar as possibilidades de ativismo político. Esse renascimento do feminismo, agora com suas bases no mundo virtual, acontece graças ao caráter horizontal da internet, que permite uma autonomia aos internautas para discutirem o que quiserem e quando quiserem, podendo dar visibilidade a causas que, até então, eram pouco faladas pela grande massa, como a luta das minorias, por exemplo — incluindo aí o feminismo.

Um estudo divulgado pelo Google BrandLab no ano passado apontou que o interesse pelo feminismo tem crescido progressivamente, sendo que, desde 2015, o número de buscas relacionadas ao termo aumentou 200%. Partindo disso, sabe-se que quanto maior o número de pessoas envolvidas na causa, maior a força que o movimento constrói e, consequentemente, maior a chance de mudança. Um exemplo disso foi a repercussão das hashtags #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto, criadas por perfis feministas em redes sociais, as quais tinham como objetivo denunciar abusos e atitudes machistas que mulheres já sofreram. O movimento foi tão forte que, após sua repercussão, o disque-denúncia de atendimento à mulher registrou aumento de 40% no número de ligações.

Entretanto, uma parte considerável do país — quase 40% — ainda não tem acesso à internet. Além disso, ter acesso a internet não necessariamente significa estar em contato com tais temáticas, visto que o mundo virtual tem uma infinidade de conteúdos disponíveis. É preciso refletir até que ponto o ativismo online pode ser eficiente e quais são as mulheres que se beneficiam de um feminismo online. A luta que se inicia na internet não pode permanecer na zona de conforto do click. Os discursos precisam ir além do “curtir” e do “compartilhar”, precisam repercutir também na grande mídia (que historicamente tem um alcance maior) e em ambientes escolares, universitários, profissionais. Precisam sair do navegador e ir às ruas, concretizando-se no cotidiano. Se a internet funciona como um recurso divulgação das lutas de minorias sociais, é preciso que essa divulgação seja eficiente ao ponto de não permanecer apenas ali.

Outro risco da “militância online” é distorção de realidade que ela provoca, uma vez que as redes sociais personalizam os nossos “feeds de notícias” com base nas nossas interações, entregando-nos conteúdos semelhantes àqueles que mais acessamos, curtimos ou compartilhamos. É preciso ter cuidado para não se perder na neblina que confunde o mundo real com o virtual, acreditando que, se nossas redes sociais estão repletas de conteúdos de cunho feminista, isso quer dizer que agora o mundo “está” feminista. Nos prendemos numa bolha em que todos pensam de forma semelhante a nós, impedindo que vejamos opiniões divergentes das nossas que seguem existindo (e frequentemente tendo força igual ou maior às que acreditamos). Foi assim, inclusive, que a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos foi uma surpresa para uma parcela da população, uma vez que no período que antecedeu as eleições, não era isso que a bolha das redes sociais indicava.

A internet tem um grande potencial para transformar o mundo, mas é preciso ter equilíbrio ao usá-la. Seu caráter “sem fronteiras” e sua capacidade de melhorar, amplificar e organizar os movimentos sociais são ferramentas essenciais para que as lutas ganhem mais força e cada vez apresentem mais resultados reais. É necessário ter cuidado, porém, para não cair no conforto dessa facilidade de reivindicar e se manifestar com apenas um click. A militância não pode se resumir em “curtir”, “compartilhar”, usar uma hashtag ou assinar uma petição, pois a internet não é a luta por si só, mas apenas um instrumento para fortalecê-la.

Artigo opinativo. Trabalho produzido para a disciplina de Jornalismo Opinativo, ministrada pelo professor Basílio Sartor. Porto Alegre, abril de 2018.

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