O grito que ainda ecoa

Livro de jornalista gaúcho relembra as manifestações de 2013 evidenciando um processo que foi além daquele ano

Isabel Linck Gomes
Isabel Linck Gomes
3 min readMay 1, 2019

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Foto: Flávio Dutra (Secom/UFRGS)

Quinta-feira, 20 de junho de 2013. Mais de um milhão de pessoas preenchiam as ruas de centenas de cidades em todos os estados do país. As causas que pautavam os gritos e cartazes das mobilizações eram diversas: saúde, educação, transporte, combate à corrupção. A data foi o ápice de um movimento que ficou conhecido como as Jornadas de Junho, que marcaram 2013 como o ano em que muitas lutas populares se desenvolvem nas ruas, de maneira que não se via há mais de duas décadas com as mobilizações pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

Esse movimento, na verdade, teve como berço a capital gaúcha e nasceu pela aliança de diversos setores da esquerda em defesa do transporte público gratuito como parte do direito à cidade. Não foi espontâneo, pelo contrário: foi resultado de um processo que se desenrolava em Porto Alegre há mais de um ano, iniciado com a reivindicação pelo direito de utilizar os espaços públicos da cidade contra a apropriação desses espaços pela iniciativa privada.

É o que conta o jornalista Alexandre Haubrich no livro Nada será como antes — 2013, o ano que não acabou, na cidade onde tudo começou, lançado em julho deste ano pela editora Libretos. Alexandre, que esteve presente nas mobilizações como jornalista e manifestante, reconstrói em 216 páginas os acontecimentos da época em Porto Alegre, indo do episódio da queda do Tatu, em 2012 — manifestação que resultou na queda do boneco símbolo da Copa do Mundo — às manifestações na Copa de 2014, provando que os protestos fizeram parte de um processo muito mais complexo do que apenas as manifestações de junho.

Em formato de reportagem, o livro narra os acontecimentos em ordem cronológica, contextualizados e descritos de forma detalhada, conforme o resgate da memória do autor e os depoimentos de cinco entrevistados que, de diferentes formas, estiveram envolvidos nas mobilizações da época. A narrativa conta como, dia a dia, as manifestações foram tomando corpo e se tornando mais complexas, ganhando novas reivindicações e fazendo com que a direita e a esquerda ocupassem as ruas.

Para Alexandre, as alterações provocadas pela mobilização foram além de mudanças institucionais, foram também mudanças no ambiente social. “2013 mudou o ambiente social para o bem e para o mal. A direita foi às ruas e aprendeu a usar as ruas como um espaço de luta […] Por outro lado, o Brasil, definitivamente, entrou na era dos novos movimentos. Movimentos que juntam a ação num território com a ação nas redes sociais digitais, movimentos que são mais horizontalizados”, comenta o jornalista.

O livro é uma leitura essencial para entendermos que 2013 não pode ser reduzido à junho, e que, junho, por sua vez, não pode ser reduzido a um acontecimento promovido apenas pela esquerda ou pela direita. Ele resgata a lembrança de um momento passado, complexo que, mesmo ainda carregando algumas incógnitas, segue se desdobrando e mostrando suas caras no presente.

Resenha crítica. Texto produzido para o Jornal da Universidade (UFRGS). Porto Alegre, dezembro de 2018.

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