poeira de estrela

Gustavo Roças
isso não é um diário
2 min readSep 18, 2017

Sacudi o tapete pela janela formando uma nuvem de poeira que se dissipou ao vento na mesma velocidade com a qual se formara, como uma gota de tinta que se desfaz num copo d’água. Admirei pelo tempo que pude a beleza do que estava presenciando e tentei numa esperança cega — aliás, que esperança que não é? — repetir o feito sacudindo mais uma vez o tapete com mais força e de novo e de novo mas a essa altura da vida já era esperado de nós que soubéssemos aproveitar as coisas no tempo em que elas duram. A beleza de um instante, do efêmero, é facilmente ignorada pelas vistas cansadas que se embaçam com os filtros sobrepostos à revelia tentando deixar menos cega a percepção do belo.

Continuei a faxina que fazemos de tempos em tempos, nos finais de ciclos, de anos, de amores, de sonhos, tirando tudo o que estava amontoado nos cantos esquecidos e com pouca luz enquanto refletia sobre o que de fato poderia usar de maneira proveitosa mais pra frente. As nuvens de poeira formavam-se leves, abstratas e alheias aos sentimentos de uma tonelada que carregava dentro do peito, quase tão pesados quanto os armários centenários que perfilavam-se no meu porão particular. Nem tudo é denso no processo trabalhoso da limpeza, contudo, há recordações que aparecem sem aviso e me trazem o sorriso pro rosto e no instante seguinte, como um susto de consciência em que a melancolia passa despercebida, grita em meu subconsciente na esperança, ela de novo, de me levar de volta àqueles momentos. Às vezes funciona.

E quando funciona sinto um ímpeto de jogar fora todos os pedaços e cacos pesados que carrego comigo, tão pesados que fazem ranger os tacos empoeirados do chão oferecendo resistência para que eu mesmo não consiga abrir a janela e flutuar como uma partícula de poeira do tapete velho.

Às vezes só precisamos de uma sacudida.

- Gustavo Roças;

--

--