sinfonia de talher
O tilintar ao redor servia como uma boa trilha sonora aos picos agudos na minha mente que, compassados como uma sinfonia de Bethovem, me levavam numa jornada emocional de tantos extremos quanto à apresentada por uma orquestra. Me concentrava no mínimo possível anulando toda interferência como já era de costume até perceber vultos intervalados que me fizeram voltar a focar minha visão em algo concreto, o vulto foi lentamente tomando forma, tão lentamente que demorei mais tempo do que era esperado pra perceber que era uma mão que acenava perto de mais do meu rosto.
— Ei! Você ouviu o que eu falei?
— Não, desculpa. — ri, sem graça — Eu não tava aqui.
O bom de se ter amigos, além de outras milhões de razões que eu não seria capaz de listar completamente, é a facilidade que eles têm de lidar com nossas esquisitices, veja bem, não era a primeira vez que deixava minha amiga falando sozinha, e nem seria a última.
Pois é.
Sorrimos e voltamos ao almoço e ao tilintar dos talheres enquanto eu me concentrava para ouvi-la dessa vez.
— Bom, terminei. Agora vou ficar em silêncio e te deixar contemplando o vazio existencial em paz — mais risos.
Ainda bem.
É mais forte do que eu, o impulso de categorizar cada pensamento que povoa minha cabeça, etiqueta-los, e guarda-los na pasta arquivo correta. O silêncio é o fiel companheiro de uma mente que só se comunica à base dos berros. Continuei, portanto. Me desliguei do mundo entre uma garfada e outra e entre um e outro olhar cúmplice e amoroso que sentia vindo do meu lado.
Olhei para o celular.
— Tá tudo bem?
— Tá. Tá tudo certo. Semana cheia, só isso.
Semana cheia é uma desculpa infalível — quase impossível de contestar. Ela sabia disso.
Ainda bem.
Com um sorriso de quem não se engana fácil me olhou de canto e voltamos — em silêncio — ao almoço, ao tilintar dos talheres e, principalmente, ao ranger das engrenagens enferrujadas da minha cabeça.
aos amigos.
- Gustavo Roças;
