urinando sangue
Às vezes enquanto caminho pela rua olho para os dois lados para garantir que não estou num livro qualquer do Jonathan Tropper, como naquele que o personagem principal acorda urinando sangue e passa o livro inteiro com a certeza de que irá morrer de uma condição rara e dolorosa mas que no fim não passa de uma infecção urinária branda. É presunçoso, eu sei, me imaginar sendo um personagem principal de um livro de quem quer que seja, que não o meu próprio mas, ei, um homem pode ser presunçoso de vez em quando. Me perdoa.
Nos últimos tempos tenho sido assim, exatamente o tipo de pessoa que nunca imaginei querer ser. Exatamente como um personagem principal de um romance do J. T.
— Isso se chama “ser adulto”, — diria alguém um pouco mais pessimista, que mora num canto qualquer do meu cérebro — um amontoado de contradições e dramas que parecem ser criados no interior de uma casa de espelhos: tudo fora de proporção, com divisão de importância duvidosa, confuso, escuro e com cheiro de urina.
Olha aí, a urina de novo.
Todo mundo cresce e em algum momento se desconhece. Tá tudo bem, vai ficar.
Onde foi que o plano deu errado?
Olho de novo para o arco narrativo que um dos autores que tanto gosto geralmente usa e me agarro naquele fio de esperança torcendo para que a hora em que eu me dou conta das pequenas coisas apareça. É como se eu ainda tivesse urinando sangue, suprimindo algumas sensações que não me fazem muito bem e aguardando a hora em que vai ser mais fácil lidar com elas. A gente se acostuma com tudo, até com a ardência, e a tristeza é um solo fértil — repito para mim mesmo, querendo me fazer acreditar.
Então levo mais um dia tomando decisões de cunho duvidoso e me arrependendo amargamente de ter me aberto para coisas e pessoas que não estavam preparadas pra mim — ou eu pra elas, de qualquer maneira.
Urinando sangue. Urinando sangue.
É uma metáfora boa, escrevo numa folha no caderno que carrego na mochila mas que não é um diário — já conversamos sobre isso — e sigo.
Entro no site do Jonathan para dar uma olhada e aproveitar para ver se ele vai lançar alguma coisa nova. Não vai.
Talvez ele esteja esperando, assim como eu, para que essa ardência passe para transcrever o que aprendi depois dela.
- Gustavo Roças;