urinando sangue

Gustavo Roças
isso não é um diário
2 min readSep 20, 2017
Photo by Gabor Monori on Unsplash

Às vezes enquanto caminho pela rua olho para os dois lados para garantir que não estou num livro qualquer do Jonathan Tropper, como naquele que o personagem principal acorda urinando sangue e passa o livro inteiro com a certeza de que irá morrer de uma condição rara e dolorosa mas que no fim não passa de uma infecção urinária branda. É presunçoso, eu sei, me imaginar sendo um personagem principal de um livro de quem quer que seja, que não o meu próprio mas, ei, um homem pode ser presunçoso de vez em quando. Me perdoa.
Nos últimos tempos tenho sido assim, exatamente o tipo de pessoa que nunca imaginei querer ser. Exatamente como um personagem principal de um romance do J. T.

— Isso se chama “ser adulto”, — diria alguém um pouco mais pessimista, que mora num canto qualquer do meu cérebro — um amontoado de contradições e dramas que parecem ser criados no interior de uma casa de espelhos: tudo fora de proporção, com divisão de importância duvidosa, confuso, escuro e com cheiro de urina.

Olha aí, a urina de novo.

Todo mundo cresce e em algum momento se desconhece. Tá tudo bem, vai ficar.
Onde foi que o plano deu errado?

Olho de novo para o arco narrativo que um dos autores que tanto gosto geralmente usa e me agarro naquele fio de esperança torcendo para que a hora em que eu me dou conta das pequenas coisas apareça. É como se eu ainda tivesse urinando sangue, suprimindo algumas sensações que não me fazem muito bem e aguardando a hora em que vai ser mais fácil lidar com elas. A gente se acostuma com tudo, até com a ardência, e a tristeza é um solo fértil — repito para mim mesmo, querendo me fazer acreditar.
Então levo mais um dia tomando decisões de cunho duvidoso e me arrependendo amargamente de ter me aberto para coisas e pessoas que não estavam preparadas pra mim — ou eu pra elas, de qualquer maneira.

Urinando sangue. Urinando sangue.

É uma metáfora boa, escrevo numa folha no caderno que carrego na mochila mas que não é um diário — já conversamos sobre isso — e sigo.

Entro no site do Jonathan para dar uma olhada e aproveitar para ver se ele vai lançar alguma coisa nova. Não vai.
Talvez ele esteja esperando, assim como eu, para que essa ardência passe para transcrever o que aprendi depois dela.

- Gustavo Roças;

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