Computação quântica e quantum machine learning

Boas-vindas ao Medium Itaú Quantum Machine Learning

André Juan Ferreira Martins
itau-data
10 min readJun 28, 2022

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Nossas boas-vindas à seção de Quantum Machine Learning do Medium Itaú Data!

Nos posts desta seção, vamos apresentar conceitos e discutir avanços na pesquisa e desenvolvimento da computação quântica, com especial foco na sub-área conhecida como Quantum Machine Learning (QML).

À primeira vista, o termo QML parece apenas uma combinação de buzzwords das tecnologias emergentes, mas, na verdade, esta é uma área de pesquisa relativamente recente, mas muito aquecida, que está na fronteira da tecnologia e tem como principal objetivo responder às seguintes perguntas:

  • O que a computação quântica tem a oferecer aos problemas de aprendizagem de máquina?
  • Em que casos podemos esperar vantagens?
  • Que tipos de vantagens podemos esperar?

Atualmente estamos em um estágio em que há muito mais perguntas do que respostas — e isso talvez seja o que torna a área tão interessante e promissora!

No Itaú Unibanco, seguimos uma abordagem data-driven para a resolução dos mais diversos problemas. Esta abordagem é apoiada pelo uso de ferramentas de ciência de dados, e muitas vezes incluem técnicas de Machine Learning (ML). Sendo assim, estamos sempre em contato com a fronteira da tecnologia, continuamente buscando técnicas que possam aprimorar os métodos de ML que são utilizados.

E é neste contexto que a pesquisa em QML ganha grande relevância e interesse, pois esta intersecção entre aprendizagem de máquina e computação quântica pode ser justamente um destes novos desenvolvimentos na fronteira tecnológica, com o potencial de transformar profundamente a forma como alguns dos mais complexos problemas são resolvidos!

Mas devemos ir com calma. Como mencionamos acima, a área ainda é bem jovem, então ainda não há respostas definitivas para nenhuma das três perguntas acima. O que temos são evidências circunstanciais e algumas semelhanças estruturais entre a computação quântica e métodos de ML, que indicam que esta intersecção pode ser muito frutífera. Mas, por enquanto, nenhuma certeza — e é justamente por isso que a pesquisa em QML é de enorme importância, pois é só assim que encontraremos as respostas para estas e tantas outras perguntas no contexto desta que tem o potencial de ser uma revolução tecnológica sem precedentes.

Por isso, criamos um time dedicado à pesquisa desta área no banco, e, para compartilhar um pouco sobre as formidáveis possibilidades que esta nova tecnologia proporciona, decidimos criar esta seção de posts no Medium Itaú Data!

Nosso objetivo é divulgar os conceitos de maneira mais acessível possível. Assim, mesmo que você nunca tenha ouvido falar sobre computação quântica, os conceitos poderão ser bem absorvidos. Em alguns posts seremos mais técnicos, mas buscaremos sempre ser autocontidos, ou oferecer referências adicionais, assim, conseguiremos passar detalhes mais profundos aos interessados, sem prejuízos à compreensão geral.

Além disso, queremos que este espaço seja construído com você. Assim, se houver algum assunto em particular que você gostaria de saber, deixe sua sugestão nos comentários, e faremos o possível para que os temas sugeridos sejam abordados em posts futuros.

Aproveite a leitura! Esperamos que você se divirta e se empolgue com esta nova tecnologia e suas possibilidades tanto quanto nós!

Uma breve introdução à Computação Quântica

Em nosso primeiro post, antes de partirmos diretamente para conceitos de Quantum Machine Learning (QML), gostaríamos de discutir um pouco sobre o contexto geral da computação quântica.

Em termos simples, podemos definir a computação quântica como a utilização de propriedades da mecânica quântica para o processamento de informação.

Apesar de simples, a definição acima só faz sentido se soubermos o que é a mecânica quântica, não é mesmo? Então, vamos começar por este ponto.

A mecânica quântica é a teoria física que descreve a natureza na escala molecular, atômica e subatômica. Isto é, com a mecânica quântica conseguimos descrever a evolução (como as coisas mudam no tempo) e os fenômenos que ocorrem com moléculas, átomos, partículas, etc.

Um átomo típico tem tamanho da ordem de 1Å (Angstrom), que equivale a 1e-10 metros, isto é, 0.0000000001 m. É nesta escala (muito menor que a escala macroscópica à qual estamos acostumados), que os efeitos quânticos aparecem! (Aliás, na imagem acima representamos o átomo segundo a descrição proporcionada pela mecânica quântica: as posições possíveis para os elétrons são dadas probabilisticamente pelos orbitais eletrônicos).

E, acredite, o mundo nesta escala é muito diferente do mundo macroscópico com o qual estamos acostumados! Por este motivo, muito do que a mecânica quântica descreve é bastante contraintuitivo — e isso é absolutamente normal, pois nossa intuição foi construída através do contato com o mundo macroscópico, onde os fenômenos quânticos simplesmente não são observados.

Assim, não se preocupe se, ao estudar a mecânica quântica (ou ao ler nossos posts!), surgirem conceitos e fenômenos que causem estranhamento à primeira vista. Todos que seguiram esta empreitada passaram por isso! Mas, acredite, com o tempo (e a inestimável ajuda da matemática), as coisas começam a ficar mais claras!

Infelizmente, talvez seja devido a este seu aspecto contraintuitivo que, com o passar do tempo, a mecânica quântica tenha ganhado uma conotação um tanto quanto esotérica no imaginário popular. É possível que você já tenha ouvido falar sobre algumas apropriações injustificáveis do termo “quântico”, que estão longe de qualquer embasamento científico, e por isso devem ser combatidas. Esperamos que com os textos deste blog, além de compartilharmos as possibilidades da computação quântica, também contribuamos para desmitificar estes usos levianos do termo, e passemos as ideias por trás da real mecânica quântica, como teoria científica!

Afinal, a mecânica quântica é uma das teorias físicas mais bem-sucedidas na descrição da natureza! Apesar de muito contraintuitiva, hoje é consenso na comunidade científica que a descrição da natureza microscópica que é proporcionada por esta teoria é adequada e precisa. Tão adequada que seus métodos e ferramentas vão além de curiosidade científica — é graças à mecânica quântica que temos muitas tecnologias extremamente relevantes da atualidade (como por exemplo: transistores, LED, laser, ressonância magnética nuclear, etc.) e do futuro próximo (como a computação quântica, internet quântica, etc.).

Feita esta pequena introdução sobre a mecânica quântica, podemos entender um pouco melhor a definição que demos acima: a computação quântica surge ao decidirmos mudar a forma como representamos e processamos a informação!

Antes de avançarmos, um comentário quanto à terminologia: nos textos desta seção, sempre que você ler a palavra “clássica”, entenda-a como “não-quântica”. Neste sentido, “clássico” não se refere a algo necessariamente tradicional ou antigo. Em nosso uso do termo, tudo o que não é quântico será caracterizado como “clássico”. Assim, por exemplo, quando utilizarmos o termo “computação clássica”, estamos nos referindo à computação que não é quântica. Mesmo os supercomputadores modernos, por não serem computadores quânticos, serão chamados de computadores clássicos. Fixada esta terminologia, vamos prosseguir!

Todos sabemos que a computação clássica, em seu nível mais fundamental, é baseada em bits, valores lógicos binários que podem assumir dois estados possíveis: 0 ou 1. E nada além disso.

De fato, todo algoritmo clássico pode ser reduzido, no nível mais fundamental, a operações que são feitas com bits, pois eles são as unidades mínimas de informação clássica. E é processando esta informação armazenada nos bits que os computadores clássicos realizam todas suas operações.

A computação quântica nasce ao modificarmos o aspecto mais fundamental do processamento de informação: introduzimos o bit quântico, mais conhecido como qubit (do inglês, quantum bit). Diferente do bit clássico, o qubit é implementado fisicamente em sistemas quânticos que, portanto, apresentam as formidáveis propriedades descritas pela mecânica quântica!

Com isso, enquanto bits clássicos só podem assumir os dois únicos estados discretos 0 ou 1, os qubits podem assumir o que chamamos de estado de superposição entre estes dois estados, que pode ser entendido como um contínuo de estados possíveis de combinações de 0 e 1. Mais adiante discutiremos a superposição em mais detalhes, mas, desde já, perceba que a introdução dos qubits muda fundamentalmente a noção clássica que temos de representação e processamento de informação!

Assim sendo, a informação armazenada em qubits — a chamada informação quântica — é fundamentalmente diferente da informação clássica em diferentes aspectos, inclusive na forma como ela é processada. E é a partir daí que surgem os enormes potenciais da computação quântica!

Ao alterarmos o nível mais fundamental de informação, é possível construirmos todo um novo modelo computacional, baseado em princípios e implementações radicalmente diferentes dos da computação clássica, e com o potencial de gerar enormes vantagens computacionais!

Para finalizar esta introdução, é importante mencionar que não é só de superposição que a computação quântica é feita. Na verdade, há três propriedades quânticas que são extensivamente exploradas para que o enorme poder computacional da computação quântica se concretize: superposição, interferência e emaranhamento. Vamos discutir brevemente cada uma!

Superposição

Um qubit (que é o sistema quântico no qual estamos interessados) é caracterizado como um sistema quântico de dois níveis. Isto quer dizer que, quando medimos o estado do qubit, há apenas dois estados possíveis que ele pode assumir: |0> ou |1>. Ou seja, é com a medida (interação empírica com o sistema físico para determinação de algumas de suas características) que de fato determinamos qual é o estado do qubit. No entanto, anteriormente à medida, o estado do sistema pode ser dado por uma combinação linear entre estes dois estados. Este estado de combinação entre |0> e |1> é o que chamamos de estado de superposição, e representa a indeterminação do estado anteriormente à medida.

Um qubit, unidade fundamental de informação quântica, assume um estado de superposição entre as unidades fundamentais de informação clássica, 0 e 1. As amplitudes α e β estão relacionadas com a probabilidade de encontrarmos o estado quântico nos estados |0> e |1>, respectivamente, quando o qubit é medido.

Obs.: é comum que a superposição seja interpretada como o sistema quântico estando “em todos os estados possíveis simultaneamente”. Esta noção não é muito adequada: na realidade, enquanto em superposição, é mais adequado dizer que o sistema não está em nenhum dos estados definitivamente — o estado só é definido com a medida empírica do sistema, cujo resultado é fundamentalmente probabilístico!

Na prática, é possível controlar qual é exatamente a combinação entre |0> e |1> que desejamos (isto é, controlamos com que probabilidade esperamos medir |0> ou |1>, ao efetivamente controlar α e β), e este recurso é importantíssimo para que algoritmos quânticos sejam desenvolvidos. Veja: no fim do algoritmo, os qubits serão medidos e eles irão colapsar para o estado definido |0> ou |1>, de maneira probabilística. Mas, no decorrer do algoritmo, sabendo que os qubits estão no estado de superposição, é possível que exploremos este fato para processar a informação quântica de maneira fundamentalmente diferente do processamento de informação clássica, afinal, o estado de superposição é uma propriedade inerentemente quântica!

Interferência

Sistemas quânticos apresentam propriedades de fenômenos ondulatórios. Em particular, uma propriedade muito típica deste tipo de fenômeno é a interferência, que ocorre quando ondas diferentes interagem entre si: se as ondas estiverem em fase, a amplitude resultante é somada (interferência construtiva); se as ondas estiverem fora de fase, a amplitude resultante é subtraída (interferência destrutiva). Acontece que, apesar de intuitivamente pensarmos em sistemas quânticos (átomos, elétrons) como partículas — que, portanto, não deveriam sofrer interferência — , na realidade os sistemas quânticos também sofrem interferência!

Padrão de interferência observado no experimento de dupla fenda realizada com elétrons ou átomos, sistemas físicos regidos pela mecânica quântica.

Na computação quântica, esta propriedade tem uma aplicação bem importante: como dissemos anteriormente, o resultado da medida de um sistema quântico é probabilístico. Se esta medida for a resposta do problema que desejamos resolver com o algoritmo quântico, é importante que a resposta correta seja a mais provável, não é mesmo? Pois bem, aí entra a interferência: ao manipular os qubits, podemos fazer com que as respostas corretas para um determinado problema sejam construtivamente interferidas, e as soluções erradas, destrutivamente interferidas! Assim, apesar do caráter probabilístico do algoritmo quântico, maximizamos as chances de medir a resposta correta no final!

Emaranhamento

Quando dois ou mais sistemas quânticos interagem de maneiras particulares a formar um sistema composto, os sistemas passam a estar correlacionados de maneira tão forte, que passa ser impossível descrever o sistema composto em termos dos estados dos sistemas individuais. Isso faz com que a manipulação e medida de sistemas individuais afetem também os demais estados que compõem o sistema composto. Quando dois ou mais qubits apresentam este comportamento, dizemos que os qubits estão emaranhados.

Esta propriedade é extensivamente utilizada em computação quântica, para que a interação entre os qubits dê origem a estados informacionais não acessíveis classicamente, tendo também grande importância em protocolos de comunicação quântica.

Dois átomos emaranhados, formando um sistema composto (não separável) que não pode ser descrito em termos dos átomos individuais.

Estas três propriedades são completamente quânticas, sem um análogo clássico muito claro, e talvez por isso pode ser difícil entendê-las sem uma devida descrição matemática. Mas não se preocupe com isso (e, se houver demanda nos comentários, podemos fazer posts futuros mais detalhados e matemáticos sobre cada uma destas propriedades!). Por enquanto, saiba apenas que estas três propriedades (disponíveis apenas em sistemas físicos muito pequenos, regidos pela mecânica quântica) são os elementos fundamentais para que seja possível conceber a computação quântica, com todo seu enorme potencial de ganhos em processamento computacional.

Naturalmente, todo este potencial só pode ser concretizado se for realmente possível a construção de computadores quânticos — isto é, hardware que (além de diversos outros componentes importantes), conta com uma central de processamento quântica (QPU, do inglês quantum processing unit) composta por qubits que possam ser manipulados para a execução de algoritmos quânticos.

Felizmente, atualmente já temos alguns exemplos no mundo de computadores quânticos ainda pequenos e ruidosos, mas que demonstram como prova de conceito que este é um caminho possível. E, acredite, a construção de um computador quântico é um problema de engenharia extremamente complexo, um desafio enorme! A boa notícia é que, enquanto você lê este artigo, há cientistas brilhantes trabalhando na construção de diferentes propostas de hardwares quânticos para que seja possível implementarmos e termos, um dia, concretizadas as revoluções computacionais que descreveremos neste blog. Em posts futuros, vamos discutir um pouco mais sobre as propostas de hardware existentes, e em que estágio de seu desenvolvimento estamos atualmente, assim, ficará claro o porquê da construção de hardware quântico ser uma tarefa de engenharia tão complexa.

Agora que os conceitos básicos sobre a computação quântica já foram apresentados, estamos prontos para introduzir o contexto geral da área de QML, o que começaremos a fazer no próximo post. Até lá!

Aos interessados em se aprofundar nos detalhes mais matemáticos da mecânica quântica, computação quântica e quantum machine learning, deixo as seguintes excelentes referências:

Diu, B., Laloë, F., Cohen-Tannoudji, C. (2019). Quantum Mechanics, Volume 1: Basic Concepts, Tools, and Applications. Alemanha: Wiley.

Nielsen, M. A., Chuang, I. L. (2010). Quantum Computation and Quantum Information: 10th Anniversary Edition. Reino Unido: Cambridge University Press.

Benenti, G., Casati, G., Strini, G. (2004). Principles of Quantum Computation and Information: Basic concepts. Singapura: World Scientific.

Schuld, M., Petruccione, F. (2021). Machine Learning with Quantum Computers. Suíça: Springer International Publishing.

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André Juan Ferreira Martins
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Quantum computing researcher, data scientist and professor. MSc in Physics.