Priorização e estratégia em ambientes com incertezas
O Quarterly Business Review como ferramenta para alinhar a estratégia da empresa
por Heloisa Morais e Felipe Fornachari, agentes de transformação no Itaú.
Era 2020, um ano de mudanças. No mundo, sofríamos uma espécie de “caos” provocado pela pandemia do Coronavírus. Internamente, o Itaú estava mudando seu jeito de agir e aderia à cultura orientada a resultados. Os sinais das mudanças já eram percebidos: estratégia definida e tangibilizada em diversos negócios do banco, milhares de pessoas envolvidas em todo o processo de transformação digital, novas comunidades sendo criadas, e como resultado, novas iniciativas e entregas eram idealizadas (já falamos disso no artigo “Jornada de transformação digital no Itaú… até agora!”). O resultado prioritário do banco era (e ainda é) sempre colocar o cliente no centro em todas as nossas decisões, provendo melhores serviços e produtos que o auxiliem na sua vida, bem-estar e sustentabilidade financeira.
Neste cenário, nascia um grande desafio: “Como garantir priorização e alinhamento estratégico em um ambiente complexo, com tantas ações acontecendo ao mesmo tempo?”. Olhamos para o mercado buscando entender como as principais empresas digitais estavam conectando e governando seus resultados, encontramos e adaptamos, a partir de inúmeras referências e experimentação o Quartely Business Review, mais conhecido como QBR.
Uma prática de priorização, revisão e acompanhamento de resultados, que pode ser apontado como um “motor de revisão estratégica”, onde procura identificar e evoluir nosso posicionamento frente às mudanças de mercado e novos desafios, além de intensificar a relação negócio e tecnologia. Sua utilização traz como principais benefícios:
- Clareza dos resultados atingidos no último ciclo de trabalho;
- Revisão dos objetivos e resultados das estruturas e negócios;
- Alinhamento e compartilhamento de resultados;
- Discussão das principais prioridades.
QBR? Mais uma burocracia?
A prática do QBR propõe um modelo contínuo de revisão e priorização estratégica e, a partir da estratégia, a definição e priorização das hipóteses de solução com maior potencial de atingir os resultados desejados. Mais do que uma prática, o QBR era necessário para garantir que nossas escolhas estratégicas orientassem todo alinhamento dentro da organização. De forma teórica, esperava-se:
· Que os líderes executivos recebessem os grandes direcionadores estratégico do banco para o próximo ciclo;
· Analisassem a estratégia dos seus negócios, baseados em características como o contexto, resultados anteriores, inputs estratégicos de outros stakeholders, dores e oportunidades;
· A partir disso, definiriam os direcionamentos e tangibilizariam em objetivos e resultados chaves (OKRs) prioritários (top down);
· O resultado desta etapa seria comunicado aos times que definiriam suas alavancas (OKRs a nível time) e principais hipóteses e oportunidades para atingimento dos resultados (bottom up).
Entretanto, no meio do caminho, encontramos alguns desafios que não faziam com que o QBR alcançasse o seu objetivo. Entre eles: falta de clareza estratégica entre os times, contextos diferentes nos diferentes negócios e cultura organizacional não orientada a resultados.
Como conduzimos os desafios?
Falta de clareza estratégica
Uma das ações imprescindíveis previstas no QBR é a comunicação da estratégia e seu contexto aos times que irão atuar no desenvolvimento e evolução dos produtos para o atingimento dos resultados priorizados. Identificamos que em diversos cenários essa comunicação não ocorria conforme o esperado, fazendo com que os times não tivessem visibilidade da estratégia. A capacidade de orientação a resultados direciona a habilidade e esforços do time a um resultado em comum e, assim, funciona como uma bússola em direção ao objetivo do negócio. Quando o time não é orientado a resultados podemos notar os seguintes sinais:
· Sem estratégia clara, perdem o senso de direção ao verdadeiro objetivo;
· Se apaixonam pela solução (entrega) ao invés do resultado;
· Não se reconhecem nos objetivos e, assim, não se empoderavam para alcançá-los;
· Não há inovação por serem conduzidos a desenvolver soluções prontas.
De forma individual e adaptada, podemos destacar as principais soluções criadas para este problema:
· Buscamos conscientizar a liderança sobre a necessidade de estruturação e comunicação de estratégia ao time;
· Empoderamos os times na aplicação do novo Modelo de Orientação a Resultados, substituindo o foco no modelo de entregas tradicional. No modelo focado em resultados, o time orienta-se por um resultado desejável ao usuário, viável financeiramente e factível tecnicamente e se empodera para criar soluções que visam alcançar esse resultado. Realizam-se experimentações rápidas de soluções que permitem revisão ou ajuste de rota, com o mínimo de investimento necessário e maior envolvimento do cliente — seu público-alvo;
· Foi proposto um modelo de retroalimentação da estratégia bidimensional (estratégia top down — resultados bottom up), permitindo a crítica e co-criação dos times;
· Acompanhamos de perto o amadurecimento da prática de Objective and Key Results (OKR), fazendo flexibilizações sempre que necessário com a proposta de adaptá-los, cada vez mais, a mensurar resultados (outcomes) ao invés de entregas (outputs).
Contextos diferentes
Em um banco tradicional, com uma imensidão de processos e serviços, não era percebida por todos os times a necessidade da utilização da prática nos diferentes tipos de negócios. Podemos destacar alguns pontos importantes:
· O banco que “ainda” não era totalmente ágil;
· A aplicação da prática poderia conflitar ou adaptar-se com outros processos e serviços do banco, além de escopos de áreas corporativas com diferentes níveis de complexidade;
· Não estava claro que o QBR não seria a solução para todos os problemas relacionados à agilidade, mas, sim, uma prática complementar em um banco que mudava todo o sistema de gestão tradicional para um modelo de gestão ágil.
De forma individualizada, por negócio, empregamos as seguintes ações:
· O emprego de artefatos do QBR foi feito de forma individualizada, obedecendo a topologia e estrutura de cada negócio, além do perfil de atendimento aos clientes internos ou externos;
· Não houve obrigatoriedade para utilização da prática do QBR, mas focamos muitas vezes no direcionamento do banco: o alcance e orientação de resultados. Dentro desse direcionamento, as áreas tinham autonomia para adaptar ou utilizar outras práticas que garantissem a governança e mensuração dos resultados;
· Foi importante a criação de ações de conscientização e aprendizagem nível banco, times e comunidades a fim de deixar claro o objetivo e a contribuição da prática do QBR no aumento da agilidade de entrega de resultados ao cliente e ao banco, além da clareza e visão de complementariedade de que outras ações que estavam ocorrendo com o mesmo objetivo (e que somariam ao grande objetivo).
Cultura organizacional “Não orientada a resultados”
Dentro de todos os desafios, a cultura organizacional não orientada a resultados, pode ter sido o fator que causou maior dificuldade para implantação:
· Muitas entregas realizadas até aquele momento focavam em alavancar indicadores que, não necessariamente, traziam resultados concretos;
· Alto investimento financeiro para entrega única;
· Muitas iniciativas eram desenvolvidas baseadas em quão tecnológica poderia ser a solução ou quão disruptiva poderia ser para o mercado;
· Estruturas siladas, com entregas e objetivos individuais que poderiam, por hipótese, criar diferentes caminhos para um objetivo em comum, resultando em retrabalho e conflitos operacionais.
Entretanto, o banco mudou, e o nosso objetivo era trazer resultados para o banco, cliente e sociedade. Havia a hipótese de o negócio não trazer valor em sua entrega, por não as relacionar a resultados mensuráveis e, por isso, as seguintes ações foram propostas:
- Focar em resultados que impactam o negócio e o cliente final, e não somente em indicadores de performance e qualidade;
- Foco em entregas menores, que agregam valor (MVP) com objetivo de testar a solução, trazendo algum tipo de resultado ou benefício, mesmo que pequeno, com baixo investimento financeiro;
- Medir constantemente os resultados para identificar necessidade de mudança de rota em relação à solução ou hipótese que está sendo desenvolvida. Quando mais rápido percebe-se a necessidade de mudança de rota, menos custosa se torna;
- Conscientizamos o time de que a inovação não pode ser criada de forma artificial, ela ocorre naturalmente em um modelo que proporciona maior autonomia do time, focado em atender as necessidades do cliente e com o “sucesso” tangibilizado através de resultados mensuráveis;
- A prática de QBR propõe artefatos que facilitam o compartilhamento de desafios, além de direcionar planejamento de inciativas e envolvimentos, tornando possível a sincronização entre áreas, comunidades e times.
Aprendizados
Obviamente, tudo o que é novo pode gerar receio. Ainda mais, quando estamos falando de algo tão sério que é a gestão de uma grande instituição bancária. Na implantação aprendemos lições importantes:
· Não devemos usar a prática pela prática: Importante nos concentrarmos no resultado que queremos gerar. A utilização sem objetivo evidente não faz sentido e pode somente gerar movimentações organizacionais desnecessárias;
· Não é toda estrutura que se adapta ao formato padrão: Já falamos disso, mas a adaptação às características e oportunidades da estrutura é extremamente necessária;
· Não temos a mesma maturidade ágil em todas as estruturas: Estamos aprendendo juntos e, assim, temos oportunidades para conseguir absorver conceitos e aplicá-los dentro de nossas características;
· Estamos abertos a ouvir: Como diz a cultura do Itaú #Nãosabemosdetudo e, por isso, estamos abertos a ouvir feedbacks e criar formatos ou fazer adaptações em busca de um resultado maior.
O nosso acordo
Quando falamos de adaptação, é importante ressaltar fatores que não “abrimos mão” quando a estrutura não se sente confortável em utilizar a prática de QBR. Caso opte por se planejar por outros caminhos, é responsabilidade da estrutura:
- Garantir o alinhamento e acompanhamento estratégico vertical entre os objetivos do Comitê Executivo e os objetivos das estruturas, por meio da clareza dos resultados alcançados;
- Assegurar o alinhamento e compartilhamento estratégico horizontal entre estruturas;
- O formato de compartilhamento de desafios deve ser adaptado ao contexto dos stakeholders envolvidos, propiciando interpretação e acompanhamento claro.
Não terminamos, estamos caminhando…
O QBR é uma prática que nos ajuda a estabelecer uma cultura cada vez mais baseada em dados, no contexto e alinhamento estratégico e nas necessidades do cliente. Essa prática nos ajuda também a ter maior foco, ao promover priorizações estratégicas e realização de renúncias.
Em uma instituição tão ampla, é natural que a cultura não emerja da mesma forma e na mesma velocidade em todos os contextos e, por isso, seguimos apoiando a instituição nessa jornada, atuando de forma flexível, norteados pelo contexto e pelas necessidades do cliente, mas sem perder de vista a transformação cultural que queremos provocar.