Porque designers devem começar cada projeto pela Avaliação de Oportunidade

A avaliação de oportunidade coloca o projeto no chão — no bom sentido — , tira a atenção da entrega e a coloca no resultado de negócio.

Pedro Ungaretti
Itaú Design Team
11 min readJan 12, 2021

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Ilustração de uma pessoa confiante, apoiando seu braço em um painel de dados.

No meu texto anterior, falei sobre como o Donald Norman defende que, para design virar uma área executiva, designers precisam falar sobre dinheiro. Hoje, quero aprofundar nesse tema, falando sobre uma ferramenta aparentemente simples, mas muito poderosa: a avaliação de oportunidade.

Conheci a avaliação de oportunidade no Inspired, livro do Marty Cagan que está se tornando cada vez mais presente em equipes de produto. Neste texto, compartilho aprendizados da aplicação desta ferramenta dentro do Itaú Unibanco, onde eu trabalho coordenando designers.

Principais aprendizados que veremos:

  1. Designers devem começar seu trabalho pela avaliação de oportunidade.
  2. Podemos adaptar a avaliação de oportunidade para a vida real de design e assim ganhar visão estratégica.
  3. Avaliação de oportunidade vai muito bem com a matriz CSD (e vice-versa).
  4. Avaliação de oportunidade pode ser recebida, coletada ou facilitada. Facilitar é o melhor caminho.

A avaliação de oportunidade

Introdução feita, vamos ao que interessa. Inspired, Capítulo 35, duas páginas de texto. Como o próprio Cagan afirma, a avaliação de oportunidade é simples:

"A ideia é responder quatro perguntas chave sobre o trabalho de descoberta que você está prestes a atacar:

1. Esse trabalho pretende atacar qual objetivo de negócio? (Objetivo)

2. Como você saberá se foi bem sucedido/a? (Resultado chave)

3. Esse projeto vai resolver qual problema de nossos/as clientes? (Problema de cliente)

4. Em qual tipo de cliente nós vamos nos concentrar? (Mercado alvo)"

(Tradução minha)

Trata-se de uma lista de perguntas que precisam ser respondidas. Fácil, né? Antes fosse. Mas vale a pena.

Aprendizado 1: Designers devem começar seus projetos pela avaliação de oportunidade

A afirmação é forte de propósito, para chamar a atenção. Se queremos ser uma área executiva, este tipo de ferramenta é um ótimo passo nesta direção.

A avaliação de oportunidade coloca o projeto no chão — no bom sentido — , tira a atenção da entrega e a coloca no problema e no resultado de negócio. Além de deixar nosso trabalho de design mais embasado em métricas. Enfim, só alegria.

Ao adotar a avaliação de oportunidade, estamos dizendo que a gente só começa a pesquisar, ou projetar (etapas clássicas de design), quando houver um alinhamento na equipe a respeito das fundações do trabalho: objetivo de negócio, resultado chave, problema de cliente e mercado / público alvo.

Do modo como a avaliação de oportunidade é apresentada pelo Marty Cagan, ela parece uma ferramenta que se dá bem em empresas e equipes com alta maturidade em gestão de produto ("normalmente leva alguns minutos para preparar as respostas [da avaliação de oportunidade]"), mas com alguns truques podemos aproveitá-la muito bem em contextos não tão favoráreis. Ou seja, no nosso dia a dia de design.

Aprendizado 2: Podemos adaptar a avaliação de oportunidade para a vida real de design e com isso ganhar visão estratégica

Vamos ver como fazer isso em cada item da ferramenta.

1. Objetivo de negócio

Ilustração de duas pessoas conversando. Uma está sentada, com um computador, e a outra move papéis em um quadro.

Cagan fala: se a sua equipe ou empresa tem objetivos como, por exemplo, crescer o negócio, diminuir o tempo de onboarding de novos/as clientes ou reduzir a perda mensal de clientes (churn), então cada projeto deveria atacar pelo menos um destes objetivos.

O problema nesta concepção de objetivo é que ela funciona muito bem para equipes que já trabalham objetivos baseados em indicadores, seguindo métodos de gestão como OKR. Mesmo os exemplos dados por Cagan seguem esse raciocínio. Podemos imaginar uma diretora ou gerente dizendo para sua equipe: "neste trimestre, vocês devem diminuir a nossa perda mensal de clientes, de 10 para 7%; como fazer isso fica a cargo de vocês."

Lindo, né?

Entretanto, na vida real do design, muitas vezes o objetivo que nos é passado é uma solução, que deve ser detalhada, construída e entregue em determinado prazo. Dentro dessa realidade que tantos e tantas de nós vivemos, como lidar com essa primeira parte da avaliação de oportunidade?

Não se preocupe com esta parte (por enquanto).

Você pode pegar o objetivo que te foi passado, mesmo que seja a construção de uma solução, colocá-lo nesse item 1. Objetivo e seguir com a avaliação. É possível que, ao discutir os demais itens, as próprias pessoas envolvidas com o projeto queiram reelaborar o objetivo. Veremos porquê.

2. Resultado chave

Ilustração de uma pessoa olhando para um painel com gráficos.

O que vamos medir para saber se o projeto foi um sucesso? De novo, se há uma cultura forte de métrica e OKR, esta resposta está praticamente dada: "queremos diminuir a perda mensal de clientes de 10 para 7%". Ou seja, 3% de redução é sucesso.

Mas, na vida real, o sucesso é avaliado pelo escopo, pelo prazo e pelo orçamento da entrega. Se a solução foi implementada seguindo o briefing, na data combinada e custando o que foi estimado, então temos sucesso.

Entretanto, como o próprio Cagan defende no Inspired, equipes e empresas bem sucedidas avaliam o sucesso do trabalho medindo resultados ao invés de entregas. É esse tipo de conversa que incentivamos por meio da avaliação de oportunidade.

Na avaliação de oportunidade de Cagan, o sucesso é medido por métricas, mas podemos também pensar em indicadores de desempenho (ou “KPI: key performance indicators” no jargão nosso de cada dia). Indicadores podem ser qualitativos, como o feedback de usuários e usuárias, e dependendo do contexto também servem como validação de sucesso.

Ao receber um briefing ("precisamos construir tal solução"), você pode questionar:

  • Qual indicador queremos impactar com essa solução? Exemplo: receita mensal do produto x.
  • Como esse indicador está hoje e onde queremos que ele chegue? Continuando o exemplo: estamos em R$ 100.000 por mês e, ao implementar essa solução, queremos chegar em R$ 120.000 por mês.

Algo que vemos acontecer com frequência ao ter essa conversa é recebermos, como resposta, vários indicadores diferentes. Uma lista de indicadores ajuda a entender o contexto, mas colabora pouco para dar foco para o projeto. Então, a pergunta seguinte fica:

  • Qual desses é o indicador mais importante? E por quê?

Ao ter clareza sobre o indicador principal, podemos encarar de forma diferente a solução que nos foi pedida. Podemos sugerir soluções diferentes, com mais potencial de mexer o ponteiro, ou mesmo decompor a solução original, pensando nas partes que, se forem implementadas primeiro, gerarão mais impacto neste indicador.

3. Problema de cliente

Qual problema de clientes vamos resolver com esse projeto?

Atenção: o problema não pode ser a falta da solução. Vejo com muita frequência pessoas confundindo problema ou necessidade de cliente com solução ou produto da empresa. Talvez isso te soe familiar:

O problema dessa pessoa é que ela não tem [descrição da solução que se quer construir].

A falha desse tipo de declaração é presumir que só há uma solução possível para a necessidade dessa pessoa — a nossa solução. Agora, e se estivermos errados/as nessa avaliação? E se a solução não entregar valor para esta pessoa?

Precisamos declarar o problema focalizando a necessidade de quem queremos atender, não a solução que queremos construir. Pois assim aceitamos que há uma variedade de possíveis soluções para uma mesma necessidade. Isso liberta o trabalho de design das amarras de uma solução única. Como vimos antes, o importante não é a entrega da solução; é o resultado no indicador.

O Marty Cagan não entra em detalhes de como elaborar um problema de cliente, então podemos complementar usando um modelo da Interaction Design Foundation: usuário/a, necessidade e sacada ("user, need and insight" no original).

Fica algo parecido com:

[descrição da pessoa] precisa de [necessidade], porque [sacada sobre o motivo da necessidade].

Uma variação desse formato que eu gosto usar é trocar o porquê pela barreira que impede a pessoa de alcançar seu objetivo. Acho que funciona bem quando a equipe não tem embasamento suficiente de pesquisa para entender os porquês por trás da necessidade da pessoa. Fica assim:

A [nome da pessoa] é [característica relevante] que precisa [alcançar este objetivo], mas [encontra esta barreira].

Veja que é bem diferente de:

[Público genérico] precisa [da minha solução].

4. Mercado (ou público) alvo

Ilustração de uma pessoa olhando para uma janela de navegador de internet, na qual estão outras duas pessoas.

Qual tipo de cliente nós vamos atender? Como o próprio Cagan coloca, "tantos produtos falham porque tentam agradar a todo mundo e acabam não agradando a ninguém."

Concentrar-se em um público específico facilita várias etapas do trabalho de design, como pesquisa, ideação e testes, pois afunila e especifica nosso escopo de projeto. Não é à toa que gostamos tanto de usar personas.

Cagan também indica que o público alvo pode ser as pessoas que possuem um mesmo problema a ser resolvido ("job to be done" no original), como pagar a fatura do cartão de crédito, por exemplo. O importante é especificar.

Ao questionar "quem vamos atender com essa solução?" é comum ouvirmos "toda a nossa base de clientes", ou "toda a base de determinado segmento", o que pode ser uma resposta vaga caso este segmento tenha dezenas de milhares de pessoas. Nesse momento, podemos segmentar o público perguntando: "se tivéssemos que priorizar dentro deste segmento, qual grupo gostaríamos de atender primeiro e por quê? Qual grupo tem maior potencial de retorno? Qual é mais estratégico neste momento para nossa empresa?"

Com esse tipo de pergunta, demonstramos que aceitamos o objetivo grande (atender todo mundo) mas que daremos um passo de cada vez. Depois de resolver bem o problema de um público alvo pequeno, e assim validar a solução, podemos planejar expansões.

Aprendizado 3: Avaliação de oportunidade vai muito bem com a matriz CSD (e vice-versa).

Um rápido parênteses para falar sobre a matriz CSD, depois voltamos para a avaliação de oportunidade, juntando os dois temas.

A matriz CSD é uma ferramenta utilizada para organizar o início de projetos, fazendo a equipe listar e compreender certezas, suposições e dúvidas sobre o escopo do trabalho. Foi concebida por Luis Alt e Tennyson Pinheiro, autores do livro Design Thinking Brasil (2011), e hoje é presença constante no vocabulário de designers brasileiros/as.

Em uma troca de e-mails com o Luis, perguntei se depois desses anos ele chegou a fazer alguma alteração na ferramenta. Luis respondeu que sim: já realizou testes cruzando a CSD com as três lentes do design thinking: pessoas, tecnologia e negócios. Fica uma matriz de três linhas (certezas, suposições e dúvidas), por três colunas (pessoas, tecnologia e negócios).

Achei isso ótimo, pois às vezes a matriz CSD pode sair do controle, com as pessoas elencando itens de temas tangenciais, não relevantes para o escopo do projeto, resultando em muito post-it e pouco conteúdo útil.

Pois bem, podemos aplicar esse mesmo raciocínio de restrição construtiva para a análise de oportunidade:

Quais são nossas certezas, suposições e dúvidas sobre o (1) objetivo de negócio? E sobre o (2) problema que queremos resolver, (3) indicador de sucesso e (4) público alvo?

A partir desse cruzamento, a equipe se organiza para buscar as respostas para as dúvidas e validar as suposições. O objetivo é ter uma análise de oportunidade na qual as pessoas confiam, baseada em evidências e direcionamento estratégico da empresa.

Aprendizado 4: Avaliação de oportunidade pode ser recebida, coletada ou facilitada. Facilitar é o melhor caminho.

A avaliação de oportunidade pode ser montada de formas diferentes:

  1. A equipe recebe a avaliação pronta da pessoa que demandou o projeto, por e-mail ou em uma reunião de início de projeto (kickoff). Talvez um sonho alcançado em empresas com alta maturidade em gestão de produto.
  2. A equipe requisita o preenchimento da avaliação para a pessoa que trouxe a demanda do projeto. Isso pode trazer respostas extensas ou vagas demais. É importante conhecer as boas práticas da ferramenta para usá-la adequadamente.
  3. A equipe faz uma dinâmica ou workshop em que uma ou mais partes interessadas (stakeholders) preenchem a avaliação de oportunidade, seguindo a condução de um facilitador ou facilitadora. Para mim, essa é a melhor forma, porque permite que questionamentos sejam feitos e uma discordância — saudável — emerja.

Uma dinâmica também é propícia para reescrevermos os itens conforme a conversa evolui. Por exemplo, ao discutir o indicador de sucesso (item 2) é possível que a equipe perceba que o objetivo de negócio (item 1) estava equivocado ou pode ser melhorado. A definição de público alvo (item 4) pode influenciar a necessidade de cliente (item 3) e vice-versa.

A avaliação de oportunidade é uma ótima ferramenta de alinhamento de partes envolvidas. Queremos todo mundo na mesma página sobre os elementos mais fundamentais de um novo projeto. Com uma dinâmica, podemos fazer valer as boas práticas da ferramenta — o problema não pode ser a falta da solução; precisamos priorizar indicadores e definir o mais importante; público alvo idealmente começa pequeno para depois expandir etc. Isso resulta em uma avaliação de oportunidade precisa, útil, que serve de base para todo o projeto que virá em seguida.

Concluindo: a avaliação de oportunidade aproxima design e estratégia de negócios

Ilustração de três pessoas construindo, juntas, uma interface digital.

Ufa! Esse texto ficou maior do que eu esperava.

Meu objetivo foi compartilhar aprendizados a partir do uso da avaliação de oportunidade por designers no Itaú Unibanco, mostrando como esta ferramenta traz um olhar estratégico para o nosso trabalho. E que, portanto, deve ser o primeiro passo de designers ao começar um novo projeto.*

*É bom esclarecer: essa é a minha opinião, baseada em literatura e experiência profissional, e não tenho pretensão de dizer como as pessoas devem trabalhar, ok? Cada contexto é único, cada equipe é única e, portanto, cada abordagem também deve ser única. É de se esperar que nem sempre a avaliação de oportunidade faça sentido para determinados projetos. Mas deixo a minha recomendação: análise de oportunidade é mara.

Por fim, agradeço demais à minha equipe de designers no Itaú, que aplica essa e outras ferramentas no dia a dia e estão sempre dispostos e dispostas a refletir, compartilhar aprendizados e explorar modelos de trabalho. Adriana, Alexandre, Amanda, Eric, Robertas, Tati Paula, Vanessa e Viviane, vocês são demais.

O que você acha? Se você ficou com alguma dúvida, ou discorda, ou quer complementar alguma ideia desse texto, por favor comente! Bora conversar :)

Referências:

Inspired: how to create tech products customers love. Livro do Marty Cagan pela Wiley, segunda edição, 2018.

Lições aprendidas de um papo com Donald Norman: como transformar design em um área executiva. Meu texto no UX Collective, 2020.

O que é OKR. Texto do Felipe Castro.

Problem Statement. Texto sobre declarações de problema na Interaction Design Foundation.

Matriz CSD: certezas, suposições e dúvidas. Texto do Luis Alt no LOGOBR, 2012.

Entenda as motivações do seu público com a metodologia Jobs to Be Done. Texto da Camila Casarotto no blog da Rock Content, 2020.

Personas Make Users Memorable for Product Team Members. Texto da Aurora Harley no NN Group, 2015.

As ilustrações deste texto vieram do maravilhoso Undraw.

Edit: quando escrevi este texto, em janeiro de 2021, a versão traduzida para o português do livro Inspired ainda não tinha sido lançada. Não havia uma versão oficial, em português, de “opportunity assessment”, portanto eu arrisquei uma tradução para “análise de oportunidade”.

Meses depois, “Inspirado” chegou às livrarias e, nele, a ferramenta ganhou o nome de “avaliação de oportunidade”. Ajustei o texto para ficar coerente com a tradução oficial.

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Pedro Ungaretti
Itaú Design Team

Mestre em gestão de design pela USP, coordenador de design no Itaú.