Metaverso: da origem até o seu potencial de mercado

Itaú Tech
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8 min readMar 9, 2022

Por Eduardo Ferreira dos Santos, Allan Moraes Navarro e Ramon Domingues, do time de Tecnologias Emergentes

Você sabe o que é metaverso?

A redescoberta do termo metaverso, capitaneada pelo Facebook (agora chamado de Meta), trouxe de volta o interesse pelo tema. Em monitoramento realizado pela CB Insights, o número de artigos sobre o assunto passou de 437 para 5.092 entre junho e novembro de 2021 — um aumento de mais de 1000%.

No entanto, apesar de o termo estar em alta agora, ele já existe há algum tempo. Metaverso é o nome dado para qualquer mundo virtual em três dimensões que habilite interações socioculturais.

Seu surgimento faz parte do processo de evolução da comunicação humana, que avança ao mesmo tempo que tecnologias como 5G, blockchain, inteligência artificial, internet das coisas, realidade aumentada e virtual ganham mais espaço e robustez.

Quais os requisitos de um metaverso?

Para que uma existência digital seja possível, são necessárias quatro características: realismo, ubiquidade, interoperabilidade e escalabilidade. Para que ela seja completamente funcional, inclusive em sua economia, também é necessário sincronismo, convergência e integração entre o mundo físico e digital — sem uma limitação de pessoas que podem existir em um único mundo. No entanto, também existem metaversos desenvolvidos com funções limitadas e pouco integradas, mas que contam com funções de compra e venda de bens, espaços digitais e experiências.

O contexto histórico do metaverso

As primeiras inspirações para a construção de mundos virtuais (ou metaversos) vêm da literatura fantástica interativa, como os famosos jogos de RPG de mesa e livros-jogos, em que os leitores enfrentam aventuras e experiências diferentes de acordo com suas escolhas. A partir daí, é possível dividir a construção de mundos virtuais em quatro grandes fases, que se conectam com a evolução da tecnologia e do mercado de jogos.

A primeira fase começa quando as experiências proporcionadas por livros-jogos invadem as telas de computadores, criando mundos virtuais baseados em texto, chamados de MUD ou MUSH. Com a introdução das interfaces gráficas, estes mundos digitais ganham novos elementos e chegamos na segunda fase, em que são lançados os primeiros jogos de RPG online. Já a terceira fase inicia quando começar a transpor as experiências sociais proporcionadas por fóruns de internet para uma experiência em três dimensões, com chats, avatares customizados e múltiplas oportunidades de interações sociais — como no jogo Second Life, por exemplo.

A quarta fase, que está mais próxima da nossa realidade atual, se manifesta pelas ações tangíveis que vêm tomando forma no Brasil desde 2019, hospedadas pelo servidor Cidade Alta do jogo GTA V, que traz algumas modificações no jogo original para torná-lo uma experiência mais amigável a todos os públicos.

Ativação de fim de ano do Itaú Unibanco no servidor Cidade Alta do GTA V, em que influenciadores desse metaverso puderam trazer palavras inspiracionais para 2022 em um outdoor da marca.

É inegável que, com a chegada da pandemia e com a consolidação da economia descentralizada sustentada pelo blockchain, experiências de interação online estiveram em uma tempestade perfeita para alcançar novos patamares.

O poder de mercado do metaverso e as empresas que o compõem

Assim como no mundo físico, diferentes empresas têm investido grandes valores para terem sua presença e negócios em destaque em diferentes metaversos. A Meta, por exemplo, investiu cerca de US$ 10 bilhões em 2021 em projetos da empresa Reality Labs. No mesmo ano, a Epic Games, responsável pelo jogo Fortnite, investiu US$ 1 bilhão.

Mais recentemente, a Activision/Blizzard, que mantém os ambientes virtuais que compõem o universo de franquias como World of Warcraft e Overwatch, por exemplo, foi adquirida pela Microsoft por US$ 70 bilhões.

Em um estudo recente, foram mapeadas mais de 90 empresas que atuam com ecossistemas de metaverso. Essas empresas são divididas em diferentes áreas de atuação: a primeira é a de software engines, que são responsáveis pela criação de mundos virtuais customizados. Um exemplo é a empresa japonesa Hikky, que acaba de levantar US$ 57 milhões para financiar sua expansão global.

Na segunda estão as empresas que se ocupam com a criação de avatares virtuais, como os oferecidos pela empresa Genesis. Essa modalidade possui intersecções com o mercado de NFTs, em busca de uma forma de validação e viabilização de identidade digital instransponíveis.

Na terceira estão as com foco em ativos digitais, também relacionados a NFT: estas empresas buscam construir um ecossistema de compra e venda, como os fornecidos pela OpenSea.

A quarta e última área é formada pelas empresas de serviços financeiros, onde se encaixa a parceria entre Tilia e Second Life e muitas outras iniciativas de DeFi que ainda estão em fase experimental.

O que esperar do futuro?

Ainda existe alguma incógnita sobre como exatamente se formará o mercado em que o metaverso vai se encaixar como produto. No entanto, apenas sob a perspectiva do mercado de games & e-Sports, por exemplo, estamos falando de US$ 63 bilhões em mais de 50 acordos, considerando apenas M&A e IPO em 2021.

Pela perspectiva de imersão e experiência social, uma boa referência é o mercado de vídeos ao vivo (live streaming) que, bastante potencializado pela pandemia, gerou 20% de todas as vendas on-line na China em 2021. Tratando-se de uma experiência imersiva, é possível imaginar que haverá espaço para ambos: habilitar a presença virtual como já é explorado pela indústria de jogos, ou como plataforma de divulgação, potencializando as vendas de produtos através da conexão afetiva com influenciadores e interação com produtos de forma virtual.

A última onda de interesse no assunto realidade virtual, que ainda não era chamado de Metaverso, foi capitaneado pela plataforma Second Life. A empresa não deixou de existir — muito pelo contrário: sua relevância é confirmada com seu número de usuários ativos por dia, que segue na casa de 200 mil. A empresa continua se reinventando através da criação de uma economia virtual em parceria com empresa Tilia, que contribui com um mercado de US$ 600 milhões em negociações dentro da plataforma.

Porém, em comparação com plataformas como Roblox, por exemplo, esse número já é bastante tímido: diariamente, a empresa recebe aproximadamente 40 milhões de usuários ativos e teve um IPO explosivo em 2021, que elevou o valor da empresa para US$ 41 bilhões.

Quais os possíveis desafios — e quais as possíveis maneiras de enfrentá-los?

Ainda existem muitos desafios no que tange a integração da economia tradicional e centralizada com a economia digital e descentralizada, que possui o blockchain como base para os ativos negociados no metaverso.

Um relatório recente solicitado ao IACC aponta como a experiência do cliente será potencialmente transformada através das tecnologias de realidade virtual, afirmando que 78% deles vão utilizar algum dispositivo de AR/VR nos próximos 10 anos em busca por uma experiência mais imersiva. Para que essa experiência seja possível, ainda existem desafios que precisam ser superados, como a baixa latência, descoberta de tecnologias hápticas e de telepresença e a conexão através de dispositivos embarcados (internet das coisas — IoT). A questão da latência poderá ser resolvida pelo 5G e posteriormente pelo 6G, junto a outros padrões de conexão via satélite de baixa órbita ou novos padrões de conexão remota como Wifi 7.

No entanto, ainda é necessário criar tecnologias que aumentem a imersão através de sensações, como dispositivos com cheiro e projeções sensíveis ao toque (telepresença). Finalmente, algumas empresas têm buscado formas de transferir objetos do mundo real para o mundo virtual, seja através de dispositivos embarcados ou até mesmo implantados no corpo. Quebrar essas barreiras vai permitir que as interações sociais no metaverso sejam mais profundas e reais, habilitando novos modelos de negócio.

Então, quais são as oportunidades?

A grande disputa do mercado de mídia é pela atenção do usuário — cada vez mais disputada. Passar tanto tempo conectado com outras pessoas em mundos virtuais estabelece um novo modelo de relação sociocultural habilitado pela tecnologia. Quando pensamos nos jogos da modalidade play-to-earn baseados em NFTs, que requerem investimento e dedicação em troca de um tipo de moeda que não é exatamente a mesma do mundo real, a dificuldade está justamente em quebrar essa barreira financeira e atribuir valor real a essa moeda.

O ecossistema de troca de tokens emitidos no blockchain envolve uma complexidade que acaba gerando dois efeitos colaterais imediatos: perda do valor em taxas nas muitas trocas até a liquidação em dinheiro real e o conhecimento de uma intrincada rede de intermediários e tecnologias. Contudo, se houver uma forma eficaz de remover essa barreira e trazer um valor real aos ativos produzidos no mundo digital, com fácil liquidez, a economia digital pode trazer benefícios reais aos seus atores.

Ou seja, a grande diferença entre os modelos econômicos digital e real está na tecnologia descentralizada. A existência do Blockchain permite que a autenticidade dos tokens emitidos seja garantida pela própria tecnologia, dispensando a necessidade de uma instituição central que autentique as transações. Todavia, ainda é difícil estimar o valor de troca, pois em geral, esse “valor depende da utilidade marginal do bem que, por sua vez, sustenta-se na sua utilidade e escassez”.

Apesar de o ecossistema descentralizado sustentar que a necessidade de esforço para emissão de moeda é capaz de oferecer remuneração suficiente para mantê-lo saudável, “o trabalho necessário para elaborar um bem não é decisivo na determinação de seu valor”. Assim, só a troca de tokens no mundo virtual não vai adicionar valor real àquela economia: é necessário haver alguma espécie de instrumento de liquidação que permita aos participantes trocar as moedas digitais por dinheiro real (Fiat). Entendemos que o CBDC pode ter um papel importante para mitigar parte desse risco, mas enquanto ainda não existe uma iniciativa consolidada no Brasil, é natural que os bancos, que já fazem parte do sistema financeiro tradicional, atuem como entidades liquidantes para esse ecossistema.

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