A função da forma que segue a função

Kiko Herrschaft
Itera Ideia
Published in
7 min readJun 8, 2017

Quando um colega de trabalho ou faculdade vinha me mostrar um layout pedindo por feedback, eu gostava de sacanear dizendo:

Achei esteticamente belo.

Era a minha forma de dizer: "provavelmente não funciona, mas tá bonito". Confesso que sempre tive um pouco de preconceito com a estética pela estética, e esse é sentimento que vem muito antes de começar a estudar design.

Afinal, que raios é Estética?

Eu estudava Artes Visuais quando trombei com Estética pela primeira vez. É basicamente um ramo dentro da filosofia que estuda o belo, qual é a relação entre os estímulos sensoriais de um fenômeno e a resposta no campo afetivo de um indivíduo (o prazer). Para os alunos de artes, era importante estudar a disciplina para entender o impacto do Modernismo, uma vez que ele era uma tentativa de ampliar o escopo da arte ao propor novas possibilidades estéticas.

O julgamento estético é um dos principais objetos de estudo da disciplina: é o que ocorre quando somos expostos a um estímulo sensorial e contemplamos, sentimos, julgamos. É segurar um iPhone e sentir que ele encaixa perfeitamente na sua mão, é ouvir um toque suave como uma pequena recompensa em um app. No mundo offline, é sentir a maciez da coberta ao acordar, sentir aquele cheiro de bolo ficando pronto, olhar uma estante de livros bem organizada e sentir satisfação.

Uma das coisas interessantes sobre o julgamento estético é que ele não está relacionado apenas à resposta mais visceral e automática de um estímulo. Ele pode ser (e é) condicionado pela cultura, experiências prévias e valores morais, políticos e econômicos de uma pessoa. Um trovão pode ser algo instintivamente assustador, mas dependendo do grau de conhecimento e exposição ao fenômeno, algumas pessoas podem começar a apreciá-lo de forma positiva (olha eu aqui!). Um vestido da Zara pode ser lindo para um consumidor convencional, ou horroroso para alguém engajado com as discussões sobre trabalho escravo.

A Estética na prática

Certo, então sabemos que a estética envolve uma resposta afetiva a um fenômeno sensorial, e essa reposta é influenciada pela cultura e valores de um indivíduo. Qual o impacto disso para nós, designers?

Bem, de acordo com o Donald Norman, isso impacta tudo.

Em seu livro Design Emocional, Norman fala da importância da emoção no nosso dia a dia, e a forma como os produtos que consumimos refletem nosso estilo de vida e auto-imagem. O autor, que pesquisa também a área de ciência cognitiva, argumenta que existem três níveis de estrutura no cérebro:

  • Nível visceral: é anterior ao pensamento, pré-programado e automático. Depende bastante dos sentidos e é responsável pelas primeiras impressões e julgamentos inicias de bom/ruim, seguro/perigoso.
  • Nível comportamental: diz respeito ao processo de uso, comportamento contínuo, rotina, experiência. Relaciona-se à função, desempenho, usabilidade. Pode inibir o nível visceral.
  • Nível reflexivo: conecta-se ao raciocínio, pensamento, intelecto. Envolve o entendimento, a descoberta, reflexão. Pode inibir o nível comportamental.

Um produto, por sua vez, deve se conectar à maior quantidade de níveis possível, para que a conexão emocional seja maior. Toda conexão a um dos níveis produz um afeto, podendo esse ser positivo ou negativo.

  • Afetos positivos: a ideia é que aqui, o cérebro está relaxado. Isso estimula a receptividade a novas ideias, maior paciência para entender o produto, maior criatividade e maior facilidade para resolver problemas.
  • Afetos negativos: o cérebro está em estado de ansiedade, pressão. Estimula a impaciência, estresse, desinteresse e percepção de dificuldade.

Coisas atraentes produzem afetos positivos, que segundo Norman, fazem as pessoas se sentirem bem, o que por sua vez faz com que pensem de forma mais criativa. Ao fazer as pessoas se sentirem mais confortáveis, pacientes e criativas, elas passam a resolver melhor os problemas. Portanto, aquele layout brilhoso e organizado é super importante para criar um afeto positivo no usuário e estimular seu engajamento com o produto.

Além do fator de criar afetos positivos, se conectar no nível emocional e estimular que as pessoas trabalhem melhor, a estética também pode afetar a nossa cognição. Um fenômeno conhecido desde os anos 1920, descrito por Edward Thorndike em seu estudo “A Constant Error in Psychological Ratings” é o Efeito Halo.

O Efeito Halo descreve que as pessoas tendem a transferir seus sentimentos sobre um atributo de algo para todos os outros atributos, mesmo que eles não sejam relacionados. Por exemplo, pessoas bonitas são percebidas como inteligentes e confiáveis, mesmo que não exista correlação lógica entre a configuração facial e o QI ou a moral de um indivíduo. Uma coisa interessante é que o efeito do Halo funciona nos dois sentidos: da mesma forma que um atributo positivo influencia a percepção de outros atributos positivos, um atributo negativo influencia a percepção de outros atributos negativos.

Vejam o Inkscape: ele faz a maior parte das coisas que o Illustrator faz. Porém, só de ver a interface datada e poluída, você tem a sensação de que o software é ultrapassado, lento e difícil. Toma esse Efeito Halo na cara, open-source!

Inkscape, apesar de feio pra caramba, é um baita software

Outro efeito relacionado ao Efeito Halo é o Efeito Estética-Usabilidade, que define a tendência dos usuários em perceber produtos atraentes como mais fáceis de usar. As pessoas teriam uma resposta afetiva positiva com relação ao design visual, que as torna mais tolerantes a pequenos problemas de usabilidade — reproduzindo o raciocínio do Norman descrito anteriormente. O efeito foi estudado inicialmente por Kurosu e Kashimura em 1995, em um teste onde 252 participantes avaliaram a aparência e facilidade de uso de 26 variações de uma interface de caixa eletrônico. Os pesquisadores concluíram que os usuários foram fortemente influenciados pela estética da interface, mesmo tentar avaliar a funcionalidade.

Outro fator importante de ser lembrado é a estética não só se conecta com a gente em um nível emocional, mas também comunica. E adicionar uma camada de comunicação não necessariamente significa enfatizar a funcionalidade de determinado produto — ela permite construir uma identidade que possa se relacionar de forma mais pessoal e emocional com as pessoas. Vamos pegar como exemplo o Slack.

O Slack é um bom exemplo de aplicativo que não se sustentaria sem a estética. O seu co-fundador, Stewart Butterfield, tinha apenas um protótipo web tosqueira quando contatou a agência MetaLab para ajudar a desenvolver um conceito para o produto. O fundador da agência, Andrew Wilkinson, explica que o segredo do sucesso do Slack é que ele é diferente visual e emocionalmente.

Eles perceberam que os grandes players do mercado — HipChat e o falecido Campfire — eram todos sérios, frios e objetivos. Eles se perguntaram: se comunicação interna empresarial já é um saco, por que um software para fazer isso precisa ser um saco também? A proposta então foi apostar em um formato descontraído, enérgico e positivo. Criaram um logo colorido elétrico e usaram uma paleta de cores típica de um video-game. Adicionaram animações e rechearam o aplicativo de emojis e pequenas interações que pulavam pela interface. A voz do Slack dentro do aplicativo é bem humorada e descontraída. Toda a estética do produto foi pensada para evocar a sensação de desestresse, energia e diversão. E é isso que as pessoas sentem ao usar o Slack: ele é divertido, você não sente que está trabalhando.

Apesar de ele ser funcionalmente igual aos outros players, a forma como o Slack se conecta no nível emocional faz com que ele seja único, atraindo a atenção dos usuários e conquistando sua lealdade.

Estética atrai, mas também distrai

A estética se conecta em um nível emocional com as pessoas. Isso permite abrir a primeira porta que permitirá a elas prestar atenção ao produto, se importar com ele, ter vontade de usar. A função nua e crua, por outro lado, não é prazerosa, não atrai e tem algumas implicações explicadas anteriormente sobre a percepção de valor de um produto e sua facilidade de uso.

A questão é quando a estética é exacerbada e a forma prevalece sobre a função. O foco no prazer sensorial pode tirar a atenção da funcionalidade, fazendo com que os usuários se distraiam do objetivo prático do produto.

Há quem diga que essa é justamente a causa da queda do esqueomorfismo no design digital, substituído pelo flat design: o segundo remove as interferências visuais e canaliza a atenção para o objetivo funcional.

Para mim, trata-se de uma balança: é preciso equilíbrio entre a estética e a funcionalidade para engajar as pessoas sem sacrificar o propósito prático do projeto.

O espremedor de limão de Philippe Starck é um exemplo clássico de forma que passou com o trator por cima da função, a ponto da peça ser tratada como objeto de arte ao invés de uma ferramenta para espremer limão.

Conclusão

Vimos que de fato a estética influencia muito a experiência de usuário, e imaginar ela como algo isolado ou secundário dentro de um projeto é uma ingenuidade.

A estética tem uma influência muito forte na forma como nos conectamos emocionalmente às coisas à nossa volta. Temos sempre que lembrar que a emoção é um elemento que está sempre presente nos nossos processos mentais. Nós escolhemos com base na emoção, julgamos com base na emoção e até nossa memória é altamente influenciada por ela.

Portanto, aplicando a estética para criar vínculos afetivos, somos capazes de estimular as pessoas a pensarem de forma mais criativa, lidar melhor com problemas e se importar mais com o nosso produto. Ela pode mascarar problemas de usabilidade, melhorar a percepção da qualidade do produto como um todo e comunicar identidade e valores que transcendem a funcionalidade.

E você, está vendo a estética de forma mais estratégica agora? Que decisões como consumidor você já tomou baseado apenas na estética? Que tipo de experiências estéticas de produtos mais te atraem hoje? Deixe aí nos comentários. ;)

Quer ouvir mais sobre o assunto? Falamos sobre o tema no Itera Ideia dessa semana, nosso podcast de bate-papo sobre design. Vem dar uma ouvida! 🎧

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