1º dia de artigos selecionados na convocatória

Florencia Alvarado e Sofia Borges.

Texto por Manuela Rodrigues

“Num mundo onde todo mundo fotografa, fotógrafo é quem edita”

Com essa frase, Iatã Cannabrava abre a apresentações dos artigos selecionados na convocatória e passa a palavra para Rubens Fernandes Jr e Ronaldo Entler, curadores responsáveis pelo IV Encontro.

Rubens ressalta o foco na discussão sobre os processos de edição já iniciada na edição anterior, e lembra que o tema era “Tudo no mundo existe para terminar num livro de fotografia”, juntando dois conceitos que por muito tempo eram a síntese de um trabalho ou de uma mensagem, respectivamente o livro e a fotografia.

Rubens também fala sobre o significado da palavra livro, que etmologicamente remete a suporte. Dessa forma tudo seria livro, mas a imagem que temos ao pensar na palavra atualmente, já não é essa.

Ronaldo fala da intenção do tema desse ano que é o de pensar a fotografia para além de seu conceito mais histórico de arte das imagens isoladas, bem definidas no espaço e e tempo, para a qual a contemplação por si só era o bastante.

No entanto, hoje as imagens em seus diferentes suportes começam a conversar e a colaborar entre si, encontrando novas formas de produção de sentido. Nesse processo, Ronaldo também lembra da ação mais efetiva de novos atores, os críticos, curadores, produtores culturais, que fazem com que a fotografia adquira uma complexidade muito maior.

Portanto, o desafio está em conseguir estabelecer essas relações para que a imagens adquiram estatuto de narrativas. E a pergunta que nos deixa é:

"Como arrancar sentido de pequenos conjuntos, nesse oceano de imagens?"

Por isso a proposta do evento é pensar novos caminhos para a fotografia, e contemplar uma série de experiências de outras linguagens, que também esbarram nessas mesmas questões.

Abrindo as sessões dos 4 textos contemplados na convocatória — dentre os 104 enviados — Florencia Alvarado e Sofia Borges sobem ao palco.

Foto de Bea Rodrigues

Florência Alvarado

(Venezuela)

Florência apresentou o trabalho “The moment made eternal”na forma de diálogo, em co-autoria com a escritora Natasha Tiniacos (Venezuela).

Antes do diálogo, enumerou feitos arbitrários de sua vida, porque segundo a autora, a experiência que cada um marca, resulta em nossa percepção.

“Cada momento é uma repetição em vocês, e assim falando brevemente de mim farei um exercício de semelhança, porque nos unem momentos de nossa existencia”. E conclui: “As palavras fazem democracia a intimidade”.

1. Sou Florencia Alvarado, filha de um artista plástico, oriundo de uma ilha rural dentro do lago de Maracaibo. Meu pai foi construtor de um romance legítimo entre meus avós.

2. Também sou filha de uma mulher que tinha muita relação com o campo, por isso passei parte de minha infância viajando para essa região.

3. O primeiro livro sem imagens que li foi o de Willy Wonka, a “Fantástica Fábrica de Chocolate”, se fizer algum esforço posso até recordar a textura desse livro

4. Comecei com a fotografia na adolescência, com uma câmera que veio do estúdio da minha mãe, e o primeiro trabalho que me impactou foi o “Things are queer” de Duane Michals.

5. Fiquei obcecada pelo escritor Julio Cortázar e a cultura Argentina, e aos 22 anos vivi em Buenos Aires estudando fotografia.

6. Voltei par a Venezuela. Sinto falta particularmente dos estúdios fotográficos argentinos, a qualidade dos estudios da venezuela se assume como uma derrota.

7. Na minha volta ao país encontro com Natasha Tiniacos, uma poeta venezuelana que me deu em um encontro seu primeiro livro — Mujer a fuego lento.

8. Junto ao músico Ulisses, fizemos a performance “Letra proyecetada”, um cruzamento de nossas três disciplinas: poesia, música e fotografia, ao vivo. Apresentamos primeiro em uma sala silenciosa, e logo em praça pública, um menino tentou desligar meu computador.

9. Ulises fez sucesso como produtor, fez seu segundo disco e começou a viajar muito. O projeto não continuou, mas eu continuei colaborando com a poeta.

10. Natasha e eu seguimos trabalhando juntas. Ela escreveu o último texto da minha exposição “Sopros de vida”.

11. Também fizemos entrevistas com artistas venezuelanos para um plataforma digital, Backroom Caracas. Algo difícil, em um país como a Venezuela, que nesse momento atravessa uma crise editorial e de imprensa.

12. “The moment made eternal” — o diálogo que aqui apresentarei, pela primeira vez foi lido em um seminário em Caracas. É a segunda vez que apresentamos a distância, na primeira ela estava em uma residência, e nesse momento ela está na Venezuela.Parece que nosso diálogo, a conversa entre nossas vidas em cada uma das nossas disciplinas esté destinada a viajar.

Já dentro do diálogo, narrado ao vivo em parte por Florencia e respondido em forma de conversa pelo áudio de Natasha, a fotógrafa conta do mistério pela imagem que as uniu, da imagem escrita e da fotografada.

Faz uma reflexão sobre, momento e eternidade, que segundo ela, são duas palavras as quais os fotógrafos e teóricos se dedicaram por muito tempo. E conclui, que para além de Bresson, com o tempo a fotografia se encarrega de nos ensinar que todo momento é decisivo.

E quando vivemos em um mundo superpovoado pelas imagens, no qual sua onipresença não supõe capacidade para processá-las, e medir seu impacto nas identidades individuais e coletivas, o desafio que se coloca é o de pensar as imagens. E nesse momento ela nos deixa com a pergunta: "O que é a imagem?"

Na continuidade do diálogo, as respostas que se seguem são que a imagem não oferece verdades absolutas, e que a realidade não pode estar sujeita a retratos definitivos.

Já no fim do texto, retoma a conexão com sua interlocutora para concluir sobre a busca das disciplinas que trabalham, a poesia e a fotografia:

“Diante da complexidade da existência, ambas parecem querer o mesmo: trabalhar com a luz e manter aberta a ferida do tempo.”

Foto de Bea Rodrigues

Sofia Borges

(Brasil)

Sofia abre sua apresentação contando sobre seu processo de descobrir o que era uma imagem, quando ao fotografar sua família percebeu que o que a câmera captava não estava próximo da realidade. Ainda que parte disso fosse devido ao pouco avanço da tecnologia da fotografia digital nas câmeras amadoras na época.

Ela continuou a fotografar a família mas ainda assim não conseguia entender essas imagens. Passou a fotografar a irmã pra tentar compreender o que era a imagem de uma pessoa, o que era um retrato, ainda sem sucesso. Tentou o auto-retrato, também em vão, e quando encontrou um retrato de sua irmã tirado 20 anos antes, entrou novamente em colapso.

Ao longo de seu desenvolvimento como artista, continuou em sua busca e o que começou a descobrir tem muito a ver com uma fala de Duane Michals, que decidiu em última hora incorporar a sua apresentação, pois também citado por Florencia Alvarado.

Eles sentiram o desejo de fotografar a realidade, quão tolo eu fui ao acreditar que isso seria fácil. Eu confundia a aparência das árvores, dos automóveis e das pessoas, coma a realidade em si, e acreditei que a fotografia da aparência dessas coisas fosse uma fotografia em si. É uma verdade melancólica, que eu nunca poderei fotografar, isso só pode falhar. Eu sou uma reflexão fotografando outros reflexos, dentro de relfexões. Fotografar a realidade é fotografar nada. Fotógrafos obviamente acreditam que a fotografia diz a eles exatamente o que vem, como uma espécie de verdade dentro da realidade. Eu particularmente não acredito em realidade.

Sofia também não acredita. Da realidade diz que pensa ser "uma contradição de experiências em última análise", por isso em suas fotografias gosta não de dizer o que o público já sabe, mas de contradizer as expectativas, pra ela "cada fotografia contradiz a fotografia anterior."

E ao entender que enxergar é uma construção, uma linguagem, e que a imagem não é evidente, chega ao problema que fricciona a fotografia com o real. E o problema passa a ser não com a imagem e sim com a realidade.

Sofia fala de como a realidade é um problema comum para diversas vertentes do conhecimento, filosofia arte, religião, ciência, etc. E isso a incentivou a ser "exploradora de cavernas" para buscar alguma luz com nossos antepassados.

Diante disso, enquanto muitas das pesquisas e análises buscam entender o que as pinturas rupestres querem dizer, ou que em última instância os fotógrafos querem dizer, pra ela a questão é a oposta, é sobre o que eles estão tentando perguntar. O desenho de um cavalo, ou a foto do mesmo animal é uma forma de tentar entender o que é aquele objeto, aquele significado. Portanto a chave da questão é o próprio enigma.

"No fundo os objetos que fotografo servem para um estudo do sentido inerente ao objeto, e de como a fotografia subverte ou apaga ou desloca esse sentido."

Sofia ainda coloca diversas outras questões sobre as imagens, linguagens, visões construídas e representação da realidade. Mas o tempo não seria suficiente para abordar todas elas.

Foto de Bea Rodrigues

Cobertura: Oitenta Mundos.

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