Educação + Tecnologias: o design para novas interações em 2020

Aprendizados do meetup com designers educadores

André Grilo, Ph.D.
IxDA Natal
10 min readAug 16, 2020

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O ano de 2020 tem sido marcado pela crise sanitária eclodida com a Covid-19, a qual provocou mudanças significativas e intensas em diversos setores. Poderíamos dizer que não apenas uma ou mais áreas ou um grupo de segmentos, mas todo o conjunto da sociedade sofreu com as mudanças de comportamento e de convívio com o isolamento social.

Nesse cenário de mudança na vida cotidiana das pessoas, a Educação foi uma das áreas sensivelmente impactadas em todos os seus níveis de ensino e naturezas institucionais, sejam da iniciativa privada ou da rede pública. Com a paralisação das atividades do nível básico ao superior, toda a comunidade escolar e acadêmica teve de repensar estratégias para retomada e continuidade de suas frentes formativas.

Em meio a esse processo de adaptação, o ensino remoto e o uso das tecnologias na educação emergem como componentes estratégicos para dar contornos ao obstáculo do tempo que agora precisa ser recuperado na aprendizagem dos sujeitos. Na educação básica, é sabido que o impacto é severo, considerando o acúmulo histórico de todos os outros problemas anteriores à crise sanitária que já eram motivo de debate entre os especialistas.

No ensino superior e na educação profissional e tecnológica, esse enfrentamento tem exigido a reinvenção das instituições, que habitualmente estão na vanguarda da inovação e dos avanços do conhecimento.

Nessa direção, despontam-se menos certezas e mais dúvidas:

— De que maneira a academia (lugar que forma profissionais e gere o corpo de conhecimento de diversas grandes áreas) está enfrentando essa nova crise que também é da Educação?

— Como educadoras e educadores têm enxergado os rumos de suas aulas, de suas turmas e de suas ações de ensino, pesquisa e extensão?

— Como as tecnologias e seus designs podem ser úteis como ferramentas mediadoras nesse momento?

Essas foram algumas das questões levantadas em nosso meetup realizado em 30 de maio, em que convidamos designers educadores do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para refletirem sobre o tema.

Participantes do 2º meetup remoto do IxDA Natal em 2020, ocorrido em maio

Os participantes

Silvia Matos

Mestra em Design e professora no IFRN (Campus Natal Central).

Ivana Lima

Mestra em Design e professora no IFRN (Campus Cidade Alta).

Guilherme Ranoya

Doutor em Meios e Processos Audiovisuais, professor na UFPE e pesquisador no Instituto de Educação para Inovação.

Neste post organizamos os principais aprendizados da conversa. Você pode assistir a gravação completa do encontro em nosso canal no Youtube.

Do mercado para a academia

Todos os participantes tinham alguma relação com o mercado antes de ingressarem na docência. Na verdade, “alguma” é modo de dizer: Silvia atuou por décadas no mercado de identidade visual, Ranoya conduziu por anos o seu próprio negócio na área digital e Ivana é uma veterana designer gráfica, de marcas, sinalização e editorial. Todos eram profissionais seniores em suas áreas de atuação antes de adentrarem à área de ensino.

E isso foi um ponto que cada um observou: não faz sentido ensinar sem a prática do mercado ou sem as vivências que o educador precisa dividir com seus alunos:

“Não faz sentido a gente dar aula sem entender o que acontece na prática.” — Guilherme Ranoya

No caso de Silvia, hoje como pesquisadora, essa relação com a academia foi, nas suas próprias palavras, uma trajetória bastante curiosa: foi a extensão que a trouxe para a pesquisa, e não o contrário. Isso porque, tradicionalmente, a universidade forma acadêmicos que, em determinado avançar de suas pesquisas, as estendem visando impactar a sociedade (daí o termo extensão universitária). No caso de Silvia, no entanto, as próprias demandas da sociedade, cartografadas em seus projetos de extensão, possibilitaram a formulação de hipóteses e teorias que hoje ela conduz em nível de doutorado sob a orientação de Solange Coutinho.

“O jeito que eu dei para continuar produzindo e trazendo experiência de fora para dentro da sala de aula foi trabalhar com a extensão (…) Nitidamente eu fiz um caminho ao contrário. Eu saí do mercado, depois para extensão, e da extensão pra pesquisa. Não é um caminho habitual…“ — Silvia Matos

Teoria é importante e pode nos tornar designers mais reflexivos

O fato de todos os participantes serem profissionais de nível sênior lhes permitiu olhar com serenidade para conceitos e produzir questionamentos sobre como discutimos e aplicamos nossos conhecimentos em Design.

Um ponto levantado por Guilherme é que o Design absorve conceitos de muitas áreas e que a própria ideia de Experiência do Usuário toma emprestados conhecimentos de outras ciências, e o Design ainda caminha na construção de seu arcabouço teórico sobre o conceito.

Ivana, por sua vez, destacou a importância de se construir bases teóricas sólidas para uma prática profissional responsável e reflexiva, a fim de evitar apropriações equivocadas de conceitos já consolidados na área de Design.

“A gente está num momento de olhar para história. Muitas vezes estabelecemos uma conexão com algo que já existe, renomeando… A meu ver, às vezes é pela falta de reflexão a respeito de um trabalho coletivo, porque eu considero o Design uma área multidisciplinar.” — Ivana Lima

Ivana ressaltou, inclusive, que o próprio Design de Interação, em seus fundamentos, nos ensina a trabalhar com equipes de áreas distintas, e que estamos em um momento de começar a estabelecer uma melhor comunicação entre os pares e entre as áreas, destacando a necessidade de uma coletividade no pensamento de profissionais de design.

Qual a relevância do professor em tempos de amplo acesso à informação?

Tomando emprestado o pensamento de Gilberto Dimentein em A Era da Curadoria (escrito em coautoria com Mario Sergio Cortella), destaquei um ponto sobre a relevância da figura do professor agora que as pessoas têm acesso a muitas informações em vários lugares e diferentes formatos.

Para Dimenstein, educadores terão seu papel ainda mais consolidado nesta era de curadoria do conhecimento, e se destacarão pela relevância que têm e a influência sobre a curiosidade que despertam nos aprendentes.

A partir desse enunciado, os participantes foram perguntados sobre quais são suas perspectivas sobre a relevância do professor nesse contexto de mudanças. Uma das coisas que ouvimos no encontro foi que os

Educadores são relevantes pelas discussões que promovem em torno do conhecimento.

Ranoya afirmou que o papel do professor nos meios digitais será manter a ideia de alguém que estimula o questionamento e a reflexão sobre os temas abordados nas disciplinas, um mediador entre as pessoas e o conhecimento. Porém, na opinião do pesquisador, isso deverá acontecer de uma maneira muito diferente no remoto e todos terão de se reinventar nesse processo. Fazendo uma alegoria ao jazz, a Educação de forma remota passará por improvisações e um processo de êxitos que decorrerão de uma sucessão de tentativas e erros, pois ninguém — nem alunos nem professores — têm as respostas para essa nova educação emergente e circunstancial. Segundo ele, é preciso levar em conta que os professores são seres humanos e nesse momento muitos vivem a insegurança de lidar com os meios tecnológicos depois de anos acostumados a dominar os espaços físicos. É momento de todos colaborarem e repensarem seus papeis.

Desafio de engajar e inspirar pessoas no conhecimento

De fato, em uma aula remota, as chances são grandes de alunos alternarem a aba do navegador enquanto a aula é ministrada, por exemplo. Como estimular o engajamento?

Para Silvia, essa ainda é uma das grandes preocupações: a relação interpessoal que como educadora ela tem com seus alunos:

“Como é que vai ficar essa relação que a gente tem com os alunos — que é de fato o lugar que eu me sinto mais à vontade? Eu confesso a vocês que me sinto receosa de como é que vai ser a Silvia nesse ambiente (…) Eu acho que hoje a tecnologia tem inclusive ajudado muito a gente (…) também acho que a gente vai precisar se refazer, mas de fato essa relação homem-homem, essa relação professor-aluno (…) eu acho que o que mais vou sentir falta é dessa relação do não verbal do aluno.” — Silvia Matos

Sala de aula é lugar de construção compartilhada do conhecimento

E isso precisará ser repensado na sala de aula nos meios digitais, pois também é um lugar que funciona como espaço educativo, ainda que esteja imerso no ciberespaço.

A abordagem da aula invertida (flipped classroom), lembrado pelo prof. Guilherme Ranoya, foi um ponto que ele destacou como uma alternativa para ministrar as aulas de forma remota. Textos, por exemplo, não precisariam ser lidos necessariamente em sala de aula. Esses materiais poderiam ser estudados e refletidos em casa, pelo aluno, para que faça suas descobertas e compartilhe em momento oportuno com a turma, durante a aula. Segundo Ranoya, a experiência remota levará lições para o presencial, e tanto alunos como professores perceberão o que pode ser realmente adequado — e o que não é — para se praticar de forma produtiva no tempo em sala de aula.

Silvia complementa essa ideia ao dizer que de agora em diante — inclusive no futuro retorno ao presencial — as pessoas terão mais noção da relevância do que deve ser discutido presencialmente, devido à escassez do presencial por longo período.

Aula remota não é Ensino a Distância

Ivana explicou que o ensino remoto e as estratégias de aulas online não devem ser confundidas com o ensino à distância. Esta última se trata de uma modalidade, com características curriculares, pedagógicas e organizacionais próprias (como é o caso da necessidade de polos presenciais, tutores, e outros componentes da modalidade EaD). Nesse sentido, há consideráveis diferenças entre o que está sendo praticado em aulas remotas e os modelos educacionais presencial e a distância, e os aprendizados dessa experiência produzirão, certamente, encaminhamentos para ambas as modalidades.

Diversidade de estudantes e projeto universal para o ensino em meios digitais

Outra enriquecedora contribuição ao debate foi a ideia de um design universal para aprendizagem. Ivana explicou que, assim como esse conceito se aplica a projetar para a maior diversidade de públicos usuários de um produto, o conteúdo e objetos de aprendizagem devem ser disponibilizados em diferentes linguagens, que podem ser materializadas em suportes e mídias distintas, de acordo com o perfil do aluno.

A docente explica que isso se relaciona com algo fundamental no processo de ensino-aprendizagem, em que o professor é responsável pelo que diz, mas não possui controle sobre como serão interpretados os conteúdos que emitir em sua comunicação. A ideia de universalizar, nesse sentido, é fornecer variedades na forma como o conteúdo se apresenta, para que o sujeito construa um itinerário sobre o conhecimento a ser adquirido com diferentes tipos de representação do objeto.

Silvia e Ranoya destacaram que existem limitações além da adaptação dos educadores e dos conteúdos às tecnologias: os contextos sociais e as assimetrias levarão educadores e instituições a repensarem seus modelos mediados por tecnologia para o alcance dos sujeitos onde a tecnologia ainda nem é uma realidade comum. Ranoya, por exemplo, destaca que o mobile será uma plataforma alternativa aos estudantes de baixa renda, por ser menos onerosa para esse perfil de público (que nem sempre tem pacotes de acesso à internet e usam em diferentes locais de maneira improvisada) e que talvez o audiovisual seja uma nova maneira de explanar conteúdos, devido às limitações de tela dos smartphones para serem ocupados por grande extensões de textos, o que sugere novas reflexões para o design de interação para os processos de ensino-aprendizagem acontecerem nesses dispositivos.

Cibercultura e hipertexto

Esse processo não-linear me lembrou as próprias estruturas do hipertexto inerentes à web, e aproveitei para comentar sobre essa relação semiótica de intertextualidade, em que os textos (sejam textuais ou imagéticos) conversam uns com os outros no processo da comunicação, produzindo assimilações e significações.

Ivana complementou que essa relação hipertextual já era preconizada pelo teórico Pierre Lévy, sobre o qual Ranoya destacou a obra ‘As Árvores do Conhecimento’ (de Lévy em coautoria com Michel Authier). Nela, o filósofo já discorria sobre esse fenômeno de plataformas educacionais em rede muitos anos antes da popularização da web.

Considerações finais

Agradecemos aos nossos participantes pela disponibilidade pela inspiração que trouxeram sobre o tema, e a todos os profissionais e estudantes que participaram de nosso encontro!

Assista no Youtube

A gravação do meetup já está disponível em nosso canal:

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André Grilo, Ph.D.
IxDA Natal

Design, Educação e Cibercultura. Reflexões sobre Design de Produto Digital e Experiência do Usuário.