Como o Princípio de Ancoragem pode melhorar a vida dos Usuários

Pessoas tendem a prestar mais atenção e lembrar de pequenas informações iniciais, que as influenciam em como o valor de algo é visto e que decisões tomar.

Marcelo Gomes
IxDASJC
6 min readAug 21, 2020

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Fonte: http://neumanagementllc.com

Uma breve história pra explicar mais a fundo como o Princípio de Ancoragem funciona:

“Certo tempo atrás eu estava pesquisando um carro pra comprar. Encontrei uma BMW usada quase intacta e com só 10,000km percorridos. O preço era muito baixo, coisa de R$10,000. Eu não podia perder essa oportunidade , então acabei comprando. Voltando pra casa sorrindo de orelha a orelha por conta do meu ótimo negócio. Mal sabia eu que o carro só duraria um ano e meio…

Foquei tanto no preço e na marca do carro que nem considerei outras possíveis questões (como partes enferrujadas em carros velhos sem uso). Isso é o viés de ancoragem em ação.”

Definição: Viés de ancoragem (Ou focalismo) é a tendência que temos em considerar pequenas informações ou partes de um evento (A “âncora”) na hora de tomar uma decisão.

Heurísticas de Julgamento

Ancoragem é uma heurística de julgamento. Essa e outras heurísticas de julgamento como framing e priming são úteis para agilizar decisões do dia-a-dia, principalmente na falta de informação, recursos ou tempo. Esse tipo de viés é, muitas vezes, automático e as vezes nos conduz à decisão errada.

Existem algumas poucas pessoas que são muito beneficiadas pela ancoragem; por exemplo, especialistas com muita experiência na área de decisões ou julgamentos. Por estarem tão familiarizados com essa situação, suas respostas rápidas provavelmente serão as corretas.

Estudos sobre o Princípio de Ancoragem: O que a ciência diz?

Considerando que diversos estudos sobre Ancoragem já foram concluídos, o que acha de um teste como se fossemos o objeto de estudo? Tente realmente participar, o resultado é bastante interessante.

Experimento:

Ok, sem usar a calculadora e em CINCO SEGUNDOS tente calcular a expressão matemática abaixo e anote em um papel:

1x2x3x4x5x6x7x8

Foi? Anotou? Legal!

Qual número você anotou? O número está entre 100 e 900? Provavelmente. Grande parte das pessoas fazem a mesma coisa.

Porque isso acontece?

Em 1974, os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman pediram para que cada um dos seus estudantes calculassem duas diferentes expressões matemáticas.

1x2x3x4x5x6x7x8

ou

8x7x6x5x4x3x2x1

Com apenas com 5 segundos, os usuários estimaram a resposta em vez de multiplicarem de fato.

O resultado é o mesmo para os dois problemas: 40,320. Mas as estimativas foram totalmente diferentes.

No grupo onde a expressão era 1x2x3x4x5x6x7x8 a média foi 512 — Ou seja, metade dos participantes estimaram um número menor que 512. Já no grupo da expressão 8x7x6x5x4x3x2x1 o a média estimada foi 2,250, ou seja, 4 vezes maior. — Somente por causa da representação na ordem reversa.

Representação da pesquisa de Amos Tversky e Daniel Kahneman’s mostrando a discrepância nas estimativas levantadas quando a me
Representação da pesquisa de Amos Tversky e Daniel Kahneman’s mostrando a discrepância nas estimativas levantadas quando a mesma expressão é mostrada de maneiras diferentes. — Fonte: NN/group

Mas por que uma diferença tão grande? A resposta é: Os números “âncora” no início de cada expressão (1x2=2 vs. 8x7=56) mudaram as estimativas drasticamente.

Pequenos números no começo da conta “sinalizaram” a ideia de um resultado menor, por outro lado números grandes influenciaram deduções maiores.

Estudo completo em inglês>

Outro experimento

Em um estudo similar feito por Dan Ariely e alguns colegas nos MIT, duas perguntas foram feitas aos participantes:

  • Se eles comprariam alguns ítens (como Teclado Wireless, Vinhos, Livros por exemplo) pelo valor em dólar referente aos dois últimos dígitos do seu cartão de crédito.
  • Depois de aceitar ou recusar, eles teriam de dizer qual seria o preço máximo que pagariam pelo item.

Resultado: Pessoas em que o cartão de crédito terminavam em números menores deram preços limites menores pelos ítens. O inverso aconteceu com pessoas com número de cartão de crédito maiores.

Em outras palavras, os participantes usaram os dois últimos números do cartão de crédito como uma âncora para avaliar o item, mesmo não havendo nenhuma relação entre eles.

Estudo completo em inglês>

Agora vamos ao que interessa:

Como o Viés de Ancoragem pode melhorar a Experiência do Usuário?

Ancoragem pode preparar novos usuários para o sucesso e estabelecer expectativas claras de como a experiência pode acontecer. Leve em consideração a aplicação a seguir no seu próximo redesign.

1. Bons padrões e valores sugeridos.

Padrões numéricos são importantes para minimizar o custo de digitação, mas são também âncoras para um valor de variação correspondente. Ajuda o usuário a saber qual valor é grande e qual é pequeno.

Por exemplo, imagine uma pessoa que nunca usou um programa de prototipação, a fonte padrão como 16 cria um entendimento do normal do valor mais usado, assim o usuário pode ajustar como quiserem do modo que quiserem.

Se nunca comprou uma casa, uma boa calculadora de empréstimos pode te ajudar nas suas expectativas te mostrando padrões numéricos mais comuns. Por exemplo, a calculadora de empréstimos do Bankrate.com mostra o valores padrões próximos dos valores mais usados por usuários. Esse tipo de padrão ajuda usuários a definirem uma expectativa do que é normal e do que não é.

Bankrate.com usa do princípio de Ancoragem quando define padrões comuns para os campos da calculadora. Esses valores ajustam
Bankrate.com usa do princípio de Ancoragem quando define padrões comuns para os campos da calculadora. Esses valores ajustam as expectativas dos usuários enquanto procuram uma casa nova para comprar — Fonte: NN/group

Um valor sugerido para doações também pode direcionar os usuários em sites sem fins lucrativos, ancorando um valor e ajudando a decidir quanto dinheiro doar. Esse padrão tira o peso da decisão do usuário: Dependendo do quão engajado o usuário é com a causa, ele pode doar menos ou mais do que o valor sugerido.

Por exemplo: Em um teste A/B feito pela Behave.org, Oxfam testou duas variações diferentes de call-to-action para doações. Uma com valor sugerido (£4) e outra somente com “Doe agora” no botão. Resultado: A primeira teve um rendimento 23% maior do que a segunda.

Reykjavik Excursions highlighted sales price while still displaying original prices (12,900 ISK, 8,500 ISK, and 21,900 ISK, r
A/B teste feito pela Oxfam, crescimento em formulários de doações devido ao valor sugerido. — Fonte: NN/group e Behave.org

O design com valor sugerido diminui a carga cognitiva e o custo de interação de duas maneiras:

  • Usuários não precisam passar por duas páginas e esperar que elas carreguem para completar a tarefa.
  • Não precisam pensar sobre especificações porque os valores já estavam lá; só precisaram ajustar os valores para mais ou menos, dependendo do contexto.

2. Expectativas bem definidas no início de um fluxo de trabalho/processo

Ancoragem pode também estabelecer expectativas no início de uma experiência.

Em formulários longos ou aplicações, é importante dar ao usuário um sinal de quão longo o processo será, assim, é possível definir se terão tempo ou recursos para completar o processo na hora.

Contudo, esse tempo também é visto como âncora: Se o processo durar mais do que deveria, o usuário sentirá que foi enganado e vai acabar frustrado. Dados corretos (ou até aquele “chute pra mais”) são muito importantes para evitar decepções.

3. Preço original junto com o desconto

Pense em como você apresenta seus descontos.

Mostrar o preço original junto com o desconto significa que o preço original pode ancorar a percepção de valor que o usuário tem com seu produto.

Por exemplo: Usuários podem estimar um valor maior nas excursões oferecidas pela Reykjavik Excursions só porque o valor original é mostrado junto com o desconto.

Reykjavik Excursions destaca os descontos junto com os preços originais. — Fonte: NN/group
Reykjavik Excursions destaca os descontos junto com os preços originais. — Fonte: NN/group

Conclusão

Na ausência de informação, pessoas dependem do Princípio de Ancoragem para ajudá-las a moldar suas decisões quando usam um produto ou serviço. Boas âncoras ajudam usuários ajustando expectativas do que é normal ou não, diminuindo o custo cognitivo para tomada de decisões, e até mesmo aumento de percepção de valor.

Referências:

Amos Tversky and Daniel Kahneman: “Judgment under uncertainty: heuristics and biases,” Science (Sep. 27, 1974)

Dan Ariely, George Loewenstein, and Drazen Prelec: “Coherent arbitrariness: stable demand curves without stable preferences,” The Quarterly Journal of Economics, Volume 118 (February 1, 2003)

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o UX Para Minas Pretas (UX For Black Women), uma organização Brasileira focada em promover equidade para mulheres Pretas na indústria de tech através de iniciativas de ação, empoderamento, e troca de conhecimento. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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Marcelo Gomes
IxDASJC

Lisboa, UX/UI Designer @ Volkswagen, Especialista em UX Design em Plataformas Digitais pela FVG. Twitter • Instagram