O futebol tem que se libertar da masculinidade tóxica

E nós temos que falar mais sobre isso

izadorapimenta
Izadora Fala Sobre Futebol
3 min readDec 13, 2018

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Thiago Silva foi criticado quando caiu no choro antes das cobranças de pênaltis na Copa de 2014

Essa semana circulou pelas redes sociais o perfil de Igor Julião, do Fluminense, destacado por se diferenciar de um conhecido estereótipo de “boleiro”. Isso porque Julião tem interesses culturais, anda de metrô e critica o machismo e a homofobia no futebol. Nas eleições, ele também se posicionou enquanto eleitor de Fernando Haddad, ao contrário de outros jogadores brasileiros, que celebraram o presidente eleito, Jair Bolsonaro, com manifestações um tanto quanto controversas em campo.

Não é estranho que o perfil do lateral seja destacado dessa maneira. O futebol, enquanto esporte de contato e parte do imaginário social ligado ao masculino, também tem um código velado, uma cartilha de masculinidade que os jogadores e torcedores devem seguir. A ONU Mulheres, em uma pesquisa conduzida em 2015 e intitulada “Precisamos falar com os homens”, definiu essa cartilha como “caixa dos homens”, uma espécie de prisão cultural que limita a ação e a expressão do sexo masculino.

Desta forma, o homem deve ser viril, forte e se afastar de sentimentos tidos socialmente como femininos, como demonstrar emoções, chorar, apresentar sensibilidade a respeito de algo ou até mesmo ter interesses culturais como o jogador do Fluminense. Algumas dessas características se fazem ainda mais fortes no esporte. Neste mesmo imaginário social, o jogador “raçudo”, agressivo, que “aguenta o tranco”, é tido como “bom jogador” ou “jogador de verdade”.

Fugindo um pouco do campo do futebol jogado com os pés, esses dias eu dei uma entrevista para o André Magalhães a respeito dos casos de violência doméstica que são acobertados na NFL. Neste caso, a imagem do ídolo é alçada em superioridade e a violência doméstica é deixada como segundo plano. Como ser dominante faz parte dessa tal “caixa dos homens”, o ato não é considerado criminoso discursivamente dentro deste campo, já que, se ele é “bom jogador”, a violência é naturalizada. E esses casos também são minimizados na “trajetória do herói” que aquele jogador constrói.

Quando estive realizando algumas pesquisas para conceder essa entrevista, também me deparei com o método utilizado nas categorias de base do Barcelona, na famosa “La Masia”, por onde passaram jogadores como Lionel Messi e Gérard Piqué. E vi ali um primeiro passo de como todo esse campo de masculinidade tóxica pode começar a ser desconstruído pelo próprio clube. Neste método, os jogadores não são preparados pura e simplesmente para jogar futebol. Há todo um treinamento emocional, suporte psicológico e desenvolvimento pedagógico — ou seja, há uma preocupação em construir aquele jogador enquanto cidadão além de construi-lo enquanto craque.

Enquanto pesquisadora e também fã de futebol, esse tema vem me instigando bastante. Nós temos que falar mais sobre isso. A medida em que queremos romper essas barreiras em sociedade, acredito que também devem ser pensados métodos para rompê-las em campos particulares, como é esse esporte.

Deixo o texto ainda com uma reticências, pois esse é só o início de uma discussão. Mas vale dar um play na reportagem da VICE sobre homofobia no futebol, que me inspirou a sentar e escrever um pouco sobre essas coisas que me inquietam:

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