Um pouco da minha pesquisa sobre o discurso midiático do racismo no futebol

E como esse discurso diz muito sobre o poder da representação

izadorapimenta
Izadora Fala Sobre Futebol
4 min readAug 13, 2018

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Eu decidi pesquisar sobre o discurso midiático sobre o racismo no futebol por dois motivos: o primeiro veio quando eu trabalhava em uma agência de comunicação e comecei a me atentar como o discurso racista estava presente em algumas sutilezas diárias, como minha chefe à época reclamando que um cliente estava pedindo mais diversidade em uma peça porque “era só olhar em volta, a maioria das pessoas do mercado de trabalho eram assim” (na peça em questão, para o Dia da Mulher, só haviam colocado mulheres brancas e loiras). O segundo foi quando eu me deparei com uma lembrança no Facebook, uma capa da revista Veja de 2014 dizendo que Daniel Alves teria quebrado a cara do preconceito “talvez para sempre”.

“Talvez para sempre”

Hoje, o caso de racismo sofrido por Daniel Alves, à época, jogador do Barcelona, é o destaque da minha dissertação, que vem sendo desenvolvida no âmbito do programa de mestrado em Linguística Aplicada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com previsão de defesa para março de 2019. E acho muito interessante analisar esse caso e os dados preliminares que ele me traz.

Minha análise está concentrada na Linguística Sistêmico-Funcional e no Sistema de Avaliatividade, que é um recurso desenvolvido para analisar discurso a partir dos preceitos teóricos da LSF. Isso quer dizer que eu busco entender a relação entre a linguagem e as funções que ela desempenha em determinadas configurações sociais. E, considerando o peso de cada palavra para determinados contextos, também parto do pressuposto de que o discurso midiático dificilmente se separa de uma linguagem ideológica e/ou emocional.

Também lembro algumas questões pertinentes da sociologia do esporte apontadas por Pierre Bourdieu para entender como o futebol se faz presente no espaço social, a partir da qual entendo que o esporte não é um espaço autônomo e não só é espelho, como faz parte de uma estrutura prévia da sociedade na qual ele está inserido.

O Peter White, um dos autores que embasam a minha dissertação, destaca que, por mais que o hard news traga uma linguagem que visa ser objetiva, ele pode influenciar, por meio da retórica, o entendimento e a visão de alguns eventos por parte do leitor, já que aquele texto está sendo escrito mediante uma condição: a identidade social de quem o escreve. Por mais que haja o uso da impessoalidade na hora de redigir, as escolhas de palavras durante o texto também deixam avaliações implícitas.

Quer um exemplo? Uma das matérias que estou analisando para o trabalho descreve Daniel Alves da seguinte forma: “o lateral — um baiano de 30 anos, pardo, como se diz nos censos, e de olhos verdes”. Considerando que esta é uma matéria a respeito de um caso de racismo sofrido pelo jogador, no qual a sua negritude era elemento central, quem escreve essa matéria traz algumas intenções implícitas neste tipo de texto. O destaque para os aspectos ressaltados do fenótipo, que o aproximariam de um estereótipo embranquecido (ao mesmo tempo em que os negros no Brasil, contexto no qual está sendo escrita a matéria, são os pardos e pretos), nos leva para o que diz Sueli Carneiro: a miscigenação no Brasil exclui ou embranquece negros de pele clara nos contextos midiáticos.

Outro ponto que vem sendo bastante frequente nas minhas análises é o quanto a atitude do jogador perante ao ato sofrido (pegar a banana, comer e cobrar o escanteio) é enaltecida nos discursos midiáticos, ora alçada como solução definitiva para o racismo no futebol, como previa a Veja (spoiler: não foi), ora enaltecida em relação a outros protestos (como um trecho que diz “um protesto original, inteligente, muito mais contundente contra o racismo, por seu caráter inovador, do que discursos ou denúncias”).

Ainda há muito a ser desvelado sobre esse caso, mas cada vez mais entendo o quanto essa pesquisa se faz necessária. Stuart Hall, quando falou sobre estereótipo, disse sobre o que acontece a partir da relação entre o poder, a diferença e a representação. Há a liberdade para representar o outro, um poder para marcar, atribuir e classificar que está limitado à sua própria imaginação ou àquilo que é percebido como real. E é isso mesmo: eu não paro de me atentar no quanto esses discursos estão enraizados e estão por aí.

Matéria publicada no “O Globo” após a vitória da França na Copa do Mundo da Rússia

Algumas referências acadêmicas, se bater aquela curiosidade a mais:

BARBARA, Leila; MACÊDO, CMM de. Linguística Sistêmico-Funcional para a análise de discurso: um panorama introdutório. Cadernos de linguagem e sociedade, v. 10, n. 1, p. 89–107, 2009.

BOURDIEU, Pierre. Program for a sociology of sport. Sociology of Sport journal, v. 5, n. 2, p. 153–161, 1988.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil: consciência em debate. Selo Negro, 2011.

HALL, Stuart. The spectacle of the other. In: HALL, Stuart (Ed.). Representation: Cultural representations and signifying practices. Sage, 1997.

WHITE, Peter R. R. Un recorrido por la teoría de la valoración (Teoría de la valoración). Translated by Elsa Ghio. Disponível em: www.grammatics. com/appraisal/SpanishTranslation-AppraisalOutline. doc, 2003

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