Meu primeiro grande show pós-pandêmico (ou o Teenage Fanclub vindo junto com o Sol na Alemanha)

dora the explorer
Izadora Fala Sobre Música
6 min readMay 3, 2022

Sky is forever clear
Road never made it here
Forests are deep and green
Like nothing we’ve ever seen
Heavens revolving sin
Seasons change everything

(Teenage Fanclub — Winter)

Desde que eu me mudei de país, tenho pensado no Sol muito mais do que antes. Em especial, nas músicas que falam sobre ele. The sun is out, the sky is blue. Pensamentos que os Beatles escreveram e que vieram à minha cabeça todos os dias que abri a janela e fui surpreendida por uns raios tímidos entrando pelo quarto, marcando o anúncio do fim do sofrimento com os casacos pesados e do escuro constante. No Brasil, os dias claros são mais a regra do que a exceção. Na Alemanha, todos os meus amigos são mais alegres quando chega Abril.

O único problema é que Abril faz o que ele quer — então nem sempre podemos garantir que essa alegria será tão prolongada. Mas quando chega Maio, chega também toda uma nova perspectiva. Acho que é quando a gente começa a fazer planos, a pensar em sentar na beira de um lago e a planejar o verão. Esse maio também vem diferente — no ano passado, era aguardar a segunda dose da vacina e a reabertura das lojas, voltando lentamente para o que eu achava que conhecia como normal.

Ninguém contou pra gente que esse normal nunca vai acontecer de novo. Algumas coisas são imutáveis, como a alegria que a gente sente quando vê o Sol, mas tantas coisas mudaram. Às vezes eu me sinto como uma criança que está reaprendendo a viver algumas coisas — é Maio, os 21 graus me fazem repensar o casaco que eu estou usando, mas eu ainda não me dei conta daquela situação. Eu estou sentada na beira do Rio Neckar, em Mannheim, tomando uma taça de vinho branco, aguardando alguns minutos e tentando assimilar a situação de que, em poucas horas, eu veria o show de uma grande banda que eu gosto.

Faz tempo. Desde 2018, não somente por conta da pandemia mas também por uma mudança radical em minha vida, eu não estou ali, de frente para um palco, cantando todas as músicas e vendo uma banda que está sempre nos meus fones de ouvido em carne e osso. Agora, comprei vários ingressos e fiz vários planos. E finalmente o primeiro deles estava próximo. No mesmo dia que o Sol me fez repensar meu casaco, eu veria o Teenage Fanclub tocar ao vivo.

Depois do meu vinho eu fui andando lentamente até o local e percebi que era a única pessoa esperando por ali. Também me dei conta de que nunca fui a um show internacional na Alemanha e me lembro de que, no Brasil, já teriam pessoas na fila aguardando para pegar o melhor lugar na frente da banda, mas não: mesmo quando entrei, pouco a pouco as pessoas foram entrando, pegando suas cervejas, suas taças de vinho, se acomodando em pé em algumas mesinhas espalhadas pela pista e aguardando pacientemente para o show começar. Um contexto todo muito novo.

Já no show de abertura, da britânica Jane Weaver, fui me aproximando da grade, mas percebi que ninguém fazia o mesmo. E nem quando finalmente o Teenage Fanclub entrou no palco, nada — meu comportamento era realmente diferente dos outros. Eu estava grudada na grade enquanto os outros assistiam com uma certa distância. “Pessoa engraçada” — devem ter pensado. Até o Norman Blake estava olhando e dando umas risadinhas. Vez ou outra percebo o quanto algumas coisas mínimas mudam junto quando você muda do lugar que você sempre conheceu e essa foi uma delas. Mas não tive vontade de ser alemã com os outros ali. Continuei sendo brasileira no show.

Mas o que eu não estava esperando: foi estranho. Assim que eles começaram a tocar as primeiras notas e assim que o primeiro sinal de voz saiu do microfone, foi estranho. Parece que eu não lembrava mais como era ouvir as coisas que eu gosto assim. Nesse meio de tempo vi alguns shows de bandas locais e/ou menores na minha cidade, mas nada foi assim. De primeiro, foi ensurdecedor. Cheguei a me questionar: eu ainda gosto de shows? Eu ainda sei como é vivenciar um show? Por que isso soa tão estranho? Eu ainda gosto de… Música?

Acho que foi só na terceira música que o estranhamento ficou um pouco mais confortável. Os pensamentos intrusivos pareciam com os dias escuros que eu vivia antes, mas foram nas primeiras notas de Start Again, do Songs from Northern Britain, que eles começaram a ir embora. Foi ali que eu lembrei o sentido de tudo isso. Em 2012 eu ouvia esse álbum de trás pra frente, indicação de uma ex-chefe que era fã da banda. Meu segundo ano de faculdade, um estágio mal pago, a mente cansada de tantos ônibus e esse entre outros álbuns me fizeram companhia. Costumo elencar como um dos álbuns que trouxeram um pouco mais de sentido para a minha vida.

Where flowing rivers will bind us
And shadows will find us
Now we’re on our own

(Teenage Fanclub — Planets)

Vivo demais nos meus pensamentos, mas acho que aquele era um momento de me permitir a fazer isso ao invés de sentir algum tipo de culpa. Cada nota que entrava era como um raio de Sol para lembrar que os dias dos meus casacos pesados não existem mais, tanto em Maio, quanto na minha vida. A mente ainda está cansada, mas eu cheguei em algum lugar — e esse lugar me trouxe a esse show do Teenage Fanclub em Mannheim. Esse lugar me trouxe a ouvir tantas músicas que fizeram parte do meu repertório ao vivo, me trouxe a uma facilidade de comprar um ingresso para um show que eu gosto, pegar um trem só com minha bolsa a tiracolo e ir.

Eu não sei mais escrever resenhas apaixonadas de shows como eu escrevia antes, faz anos que eu não escrevo uma linha sobre música e faz tempo até que eu não escrevo grandes textos em Português. Parece que algumas partes de mim se vão mas as músicas que me acompanham me fazem ir e voltar no tempo. Eu cheguei em casa agitada e demorei mais do que uma hora para dormir. Tudo ainda ressoava na minha cabeça e eu ainda não digeri essa experiência por completo.

Tudo ainda é estranho e novo à minha volta. Mas minhas bandas preferidas continuam sendo um Sol que é regra, nunca exceção.

Todas as fotos no post foram tiradas por mim :)

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