A tecnologia vai salvar as mulheres?

O que tem por trás do painel da Eletromídia

Débora Rocha
Jararaca
3 min readJul 4, 2023

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Fonte: Brandon Wong, Unsplash 2023.

Era um domingo como outro qualquer e, de repente, um video com uma mesma mensagem começam a aparecer em diversos grupos de whatsapp que faço parte. A maior parte dos comentários que apareciam sucessivamente eram carregados de emoções e maravilhamento. Veja abaixo.

Fonte: Studio C, 2023.

Se emocionou?

Esse vídeo se trata da campanha publicitária que a empresa de marketing AlmapBBDO criou para a Eletromídia (empresa de publicidade outdoor e mobiliário urbano), que ganhou o prêmio Leão de Ouro em junho de 2023.

Não é a toa que ganhou o prêmio. Com uma narrativa envolvente que se apropria de um problema social muito grande no Brasil (falta de segurança para as mulheres especialmente), indica uma solução tecnológica mágica que será capaz de mudar a realidade de mulheres.

Será?

Não há dúvidas que muitas mulheres passam por essa situação diariamente. Ou seja, o ponto de partida está correto pois o problema de fato existe. Porém, a solução tecnológica apresentada já sabemos que não é real pois foi realizada por apenas uma semana na cidade de Campinas com o intuito de filmá-la para o prêmio. Ou seja, não é uma política pública (ufa!).

Já reparou que a resposta "poderiam criar um aplicativo para isso" tá virando algo presente nas mais diversas rodas e ambientes que estamos? Pois é, isso faz parte de uma crescente onda de digitalização da vida urbana que apresenta diversas formas (você já deve ter ouvido falar em smart cities). Com o uso de algum tipo de tecnologia (em sentido amplo, seja por artefatos físicos automatizados ou produção de dados) supostamente os problemas da cidade seriam resolvidos.

E se fosse real?

Reparou que o vídeo fala do problema (falta de segurança) mas o cenário no qual acontece a narrativa é um ponto de ônibus coberto, iluminado, com placa informativa de linhas, com lugar para sentar?

A menos que você more na área central de uma grande cidade que tenha o serviço terceirizado de publicidade no mobiliário urbano, também chamados de MUBs — mídia de mobiliário urbano, os pontos de ônibus não são como do vídeo.

Ou seja, a "solução tecnológica" é proposta para um ambiente fictício que não se aproxima da realidade da maior parte das pessoas enfrentam esse problema.

E como seria uma solução (mais) real?

Segurança pública é um tema super complexo e multifacetado, portanto não é com apenas um tipo de solução que o problema irá se resolver (como num passe mágica).

Como urbanista (e metida em políticas públicas e economia há mais de uma década) posso dizer que algumas medidas urbanísticas podem contribuir bastante como:

  • Uso do solo: prever a diversificação do uso do solo nos corredores de transporte coletivo contribui para que tenha a circulação (e permanência) de pessoas próximas aos pontos de ônibus;
  • Mobiliário Urbano: equipado com placas informativas sobre as linhas e horários dos ônibus em tempo real, facilitando a previsão do tempo de permanência no ponto (viu só como a tecnologia pode ser útil?!);
  • Iluminação pública: em geral, uma boa iluminação pública já contribui bastante a diminuir a sensação de insegurança e a afastar possíveis situações indesejadas;
  • Transporte coletivo: a oferta de ônibus com mais frequência nos horários mais críticos (início do dia e madrugada) ajudaria a diminuir a espera;
  • Trabalho: os grandes deslocamentos para o trabalho, que necessitam de transporte público, também poderiam ser evitados caso a oferta de emprego acontecesse mais perto de onde as pessoas moram. Dessa forma, elas poderiam usar a mobilidade ativa (a pé ou de bicicleta) e ter mais autonomia no ir-vir do trabalho. Para essa ideia ser factível, é preciso ter mais diversidade socioeconômica nas áreas centrais (e não só) normalmente mais bem-servidas de infraestrutura urbana e serviços.

Mundo ideal

Esse seria meu mundo real. Uma cidade viva que promove a autonomia das cidadãs e cidadãos na mobilidade cotidiana, com segurança física e social.

E o seu? Escreve ai nos comentários.

Se quiser ler mais sobre esse assunto, veja o que a Laís Leão escreveu sobre o ponto de ônibus tecnológico com um olhar bem aprofundado sobre a questão de gênero aqui.

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Débora Rocha
Jararaca

Eu ajudo as pessoas a verem as cidades c/outros olhos. Trago informações técnicas/científicas sobre tecnopolíticas e mobilidade urbanas,de forma descomplicada.