“A gente precisa aprender a selecionar pessoas para além do nosso espelho.”
“O que eu espero, como liderança, é que eu possa ajudar mais mulheres a terem histórias felizes como a minha”, afirma Fernanda Getschko, Head de Produto da Sanar.
Hoje, na Sanar, 43% do nosso time de tecnologia (engenharia e produtos) é composto por mulheres. Sabemos que o número ainda não é o ideal, no entanto, nos orgulhamos bastante da representatividade feminina na nossa equipe de tech. Infelizmente, hoje, de acordo com o IBGE, mulheres ocupam apenas 20% das vagas de tecnologia no Brasil. Faz-se muito necessário que as empresas intencionalmente pensem e executem estratégias para que esse número não seja tão alarmante. Conversamos com a nossa Head de Produto, Fernanda Getschko sobre o tema. Leia a entrevista na íntegra abaixo.
SANAR: Você sempre teve o mercado de tecnologia como objetivo profissional ou essa possibilidade surgiu durante o percurso? E como foram as suas experiências até aqui?
FG: Pergunta difícil! Explico o porquê: o mercado de tecnologia tem várias nuances e vários possíveis caminhos. Então a resposta curta é: sim, eu sempre pensei em trabalhar com tecnologia. Eu decidi que queria ser engenheira quando tinha 11 anos de idade e desde então eu percorri esse caminho. Eu sou formada em engenharia mecatrônica e eu fui uma engenheira mecatrônica convicta, eu queria trabalhar de fato como engenharia mecatrônica.
Na época que me formei, o mercado de engenharia mecatrônica no Brasil era um mercado muito voltado para a engenharia de manutenção. Era um mercado mais difícil. E aconteceu comigo o que acontecia com a maioria dos engenheiros mecatrônicos na época: fui parar no mundo dos negócios.
Então, eu comecei minha carreira de fato na área de negócios. Eu sempre quis trabalhar com tecnologia, fui parar em negócios por acaso. E, depois de algum tempo trabalhando em negócios, eu acabei sendo atraída de volta para o mundo da tecnologia e encontrei em produto a interseção dessas duas coisas: negócios com tecnologia. E foi aí que me encontrei e segui minha carreira nesse caminho.
SANAR: Quais são os benefícios em trabalhar no mercado de tecnologia enquanto mulher?
FG: Caramba! Para mim, o benefício mais tangível é poder trabalhar com aquilo que eu amo e poder fazer isso em um momento em que cada vez mais mulheres se desafiam a fazer isso e isso passar a ser mais natural e mais comum. Cada dia que passa na tecnologia a gente se sente mais em casa como mulher. E é muito legal poder participar desse movimento de transformação. Quando eu comecei na tecnologia não era tão assim. É um privilégio poder fazer parte dessa jornada de transformação.
SANAR: A que você atribui o fato de que ainda temos uma proporção bem diferente entre homens e mulheres quando falamos da presença em empresas de tecnologia?
FG: Eu acho que é uma junção de fatores. Eu, como líder, tive essa conversa recorrentemente ao longo dos últimos anos. Existem diferentes fatores que fazem o cenário ser como ele é. O primeiro fator se dá antes da chegada da mulher no mercado de trabalho. Que é o fato de encorajamento das mulheres para que elas façam aquilo que elas entendem que é o melhor para elas, onde elas podem contribuir mais, onde elas sentem que geram o maior valor e onde elas se veem felizes. A gente está melhorando muito nisso, mas ainda temos um caminho grande a percorrer. Então, eu acho que o primeiro passo está aí: em fomentar que cada indivíduo possa se sentir à vontade para fazer aquilo que se entende por vocação.
No mercado de trabalho, dentro das empresas, têm uma série de coisas. Muitas vezes, no processo de contratação, as pessoas tendem a procurar semelhantes e o mercado de tecnologia é um mercado historicamente masculino. Isso obviamente é um viés inconsciente. É preciso quebrar esse viés inconsciente porque o mercado de tecnologia tem muito a se beneficiar da diversidade.
Diversidade de tudo: é diversidade de pensamentos, diversidade propositiva, diversidade de backgrounds; diversidade de gênero, diversidade de raça; diversidade de tudo. A gente precisa aprender a selecionar pessoas para além do nosso espelho. A gente tem que parar de olhar no espelho na hora de selecionar pessoas.
E, por último, a gente tem que promover um ambiente interno onde todas as pessoas possam se sentir bem. Porque não adianta a gente fazer um esforço de atração e perder essas pessoas diversas que a gente consegue atrair, que é tão difícil, muitas vezes é tão suado, mas que no dia a dia a gente não consegue fazer essas pessoas se sentirem à vontade, sentirem que elas estão no lugar certo. Então, eu acho que, enquanto a gente não resolver essas coisas todas, a gente vai continuar vendo as diferenças que a gente vê no mercado de tecnologia.
SANAR: Você acredita que o preconceito nesse ambiente é maior ou menor comparado com outras áreas?
FG: Eu acredito que ele é igual. Talvez a diferença seja numérica. Quando a gente tem menos mulheres, o preconceito fica mais evidente porque existe uma distinção numérica. Mas eu acho que ele é igual. Eu poderia te dizer que talvez em indústrias mais tradicionais a gente tenda a ver comportamentos mais machistas. De fato, eu vi isso na indústria de logística por onde eu passei. Mas, para além disso, para além desses vieses das indústrias que são mais tradicionais, mais pré-históricas, mais apegadas às práticas do ontem, eu acho que o cenário é o mesmo em todo o lugar, e acho que o esforço que tem que ser feito é muito parecido. É um esforço transversal.
SANAR: Quais os caminhos que devem ser percorridos para que possamos aumentar a presença das mulheres nesse mercado?
FG: Eu queria saber a resposta dessa pergunta, de verdade (risos). Eu não sei se eu sei a resposta. Eu acho que a coisa mais importante é a intenção genuína. A gente vive em um momento de hype. É interessante para as empresas hoje falarem de diversidade. Mas a gente tem que ter o pé no chão para entender quais são as coisas que vão fazer a maior diferença nesses resultados.
Tem uma série de ações que a gente vê acontecendo no dia a dia que são muito legais em termos de awareness, que é importante para caramba mas a gente precisa dar os próximos passos. Quais são as outras coisas que a gente precisa fazer, além de chamar a atenção para o tema. Porque isso a gente tá fazendo muito bem.
Mas eu acho que existem temas muito importantes que às vezes fogem da mesa e que são essenciais para a gente diminuir essa discrepância, como por exemplo a maternidade e o impacto da maternidade no trabalho e na carreira das pessoas. Enquanto a gente tiver uma licença maternidade de 4 meses para as mulheres e de 5 dias para os homens, a gente vai continuar vendo essas diferenças no mercado. Então, eu acho que a gente precisa começar a atacar as coisas que vão ter maior relevância para diminuir de fato os gaps nas tomadas de decisão nas empresas, sabe?
SANAR: Você tem alguma história que você gostaria de contar que pode ser interessante para ilustrar o tema?
FG: Eu tenho particularmente dificuldade com isso porque eu sou uma mulher de muita sorte, mesmo! Eu me formei em um ambiente extremamente masculino, em uma faculdade de engenharia que na turma tinham sessenta homens e duas mulheres; eu trabalhei a minha vida inteira e construí minha carreira em ambientes muito masculinos. Então, de uma certa forma, eu acabei me acostumando em ser a única mulher na sala, o que é um costume horrível de se ter, né? Mas, a minha história é feliz. Eu realmente tenho muita sorte. Eu já vi, ouvi e presenciei histórias muito duras de mulheres no mercado de tecnologia e eu me sinto muito feliz porque isso não bateu na minha porta, graças a Deus. Então, o que eu espero, como liderança, é que eu possa ajudar mais mulheres a terem histórias felizes como a minha.