A vida de quem não tem filhos pode ser menos complicada

Jo Melo
ShutDiaries

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Me atrevo a dizer que a vida de quem não tem filhos é mais fácil, um pouco polêmico, mas só quem é entende. Talvez um pouco menos pior. Ter outro ser humano como sua responsabilidade, alimentar, vestir, não ter mais sono regular, não só porque tem de acordar a noite pra ver se a criança está respirando. Paranoias. Mas pensar no futuro dela, chorar devido à culpa, julgamento, acho que é essa é uma das piores partes.

Ter de pensar no seu bem-estar, mesmo você se esquecendo dele. Criar em casa, na rua, na escola, na casa dos parentes. Você precisa pensar em tudo, ser detalhista e ensinar a não ser machista. Não jogue lixo no chão, vem escovar os dentes e quando chega o dia da reunião é um deus nos acuda, isso quando não tem listas imensas de material escolar, uniforme, lanche, preparar caixas de lápis de cor pro ano todo, porque eles parecem que têm perninhas ou criam consciência e fogem dos nossos filhos.

Ir ao parque, não tentar gastar dinheiro, no mercado, então, é basicamente vendar os olhos do pequeno e mesmo assim ele deita no chão, esperneia e os olhares de julgamentos vem sobre você. Ajuda? Não precisamos, ou pelo menos, dizem que não. Somos guerreiras, mães… as pessoas tão imaculadas socialmente igual Maria, essa que também foi abandonada após parir.

É pedrada em cima de pedrada e a gente se coloca na frente deles pra não se machucarem, mas não adianta, sempre vem até nós abrindo o berreiro porque caiu e ralou a perna. Pedir pra não chorar é como dar aval pras lágrimas de crocodilo desses sem vergonhas conseguirem o que querem. Maternidade real.

Ser julgada no trabalho, na vida. Pra que você quer um emprego? Tem de ficar em casa cuidando da sua criança. Alimentar pra quê? Nunca é cadê o pai… sempre: onde está seu filho. Pra mãe, óbvio.

Beijar na boca passa a ser quase que ter água no deserto. Não tem água lá. Sexo, só sem compromisso. Criança chata, sem educação, eu não vou criar filho de ninguém. Toca aqui quem nunca ouviu ou viveu isso. O cordão umbilical que nunca solta.

Ta gorda, relaxada, não se cuida. Desafios de “mãe acabada” rolando por aí te lembrando o quanto a pressão estética para nós dói demais. Se cuida, você está péssima, em vez de “vem cá, eu te ajudo”. Cansada.

A adolescência é quase uma versão 2 das birras no mercado, só que agora eles usam suas roupas e odeiam você. Normal. Mas correm chorar as pitangas porque tal pessoa não quer ser mais amigo dele e que ele odeia tudo e todos. Querem fazer mil selfies, postar. Quero sair com meus amigos, eu já sou grande. O na volta a gente compra era fichinha, ou melhor, voltemos pra era das fraldas. Ai que facilidade. Queria voltar.

Posso dizer que quem não tem filhos não precisa se preocupar com nada além de si e a facilidade é essa. Um ponto aumenta o conto e no nosso caso, vira uma enxurrada de textão e dicas de amamentação e julgamentos sobre qual parto é o certo. Não faça, você não pode, não é assim que se cria uma criança.

Você não é boa mãe, você é egoísta por dar miojo um dia da semana ou dois, quem sabe. É víbora porque não deixa que deem doce pra sua cria, ou uma pessoa que não pensa na saúde daqui a uns anos quando dá um pirulito.

Batalha, corre, chora… engole o choro, diz nossa consciência que não dá um tempo pra que possamos explodir.

Olha, realmente, a vida de quem não tem filhos é bem menos complicada.

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Jo Melo
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Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.