Estuprador não é pai

Jo Melo
ShutDiaries
Published in
4 min readDec 12, 2018

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Art. 1º. A mulher que engravida em decorrência de ter sido vítima de estupro e optar por realizar o aborto legal terão direito a uma bolsa auxílio
por um período de três meses, desde que apresente os documentos necessários e obrigatórios disposto nesta lei.

Para quem quiser ler o projeto clique aqui.

É triste saber que pessoas pensem que homens que estupram têm o direito de ser pais, e pior, impedirem a vítima de abortar. Em nenhum momento se é falado sobre o ato do homem, mas sim o que a mãe deveria fazer.

Temos atualmente no Brasil mais de 5,5 milhões de pessoas sem o pai no registro de nascimento e eu fico tentando entender em qual mundo um estuprador irá assumir uma criança da mulher que ele abusou?

Atualmente, a futura ministra da Mulher e Direitos humanos, Damares, desenterrou no Congresso Nacional o projeto de lei: “Estatuto do Nascituro”, que é quando o “feto” poderá ter direitos, fazendo com que o aborto legal fique, mais uma vez, em segundo plano, fechando os olhos para a questão de saúde pública que mata centenas de mulheres em clínicas clandestinas e abortos caseiros.

Essa lei é como se fosse uma “bolsa-estupro” que seria levado a mulheres que “decidirem” continuar gerando o feto, mesmo sendo fruto de um estupro. E se você acha um absurdo, é porque ainda não viu o resto:

“A bolsa deverá ser paga por quem praticou o estupro. “O Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe”, de acordo com a proposta.”.

Agora, pensa comigo, conforme dito acima, em que país essas pessoas vivem? onde existem centenas de homens respondendo processos por falta de pagamento de pensão alimentícia e sem responsabilidade alguma para nomear-se pai na certidão do próprio filho, isso porque ainda não falamos sobre abandono afetivo irão assumir essa paternidade?

Outro ponto interessante nessa proposta é que o estuprador deverá ser identificado, e após, deverá arcar com as “consequências” do seu ato.

Se quando uma mulher depois de anos toma coragem de falar que foi abusada e dizem que ela está inventando, quem dirá uma mulher dizer que está grávida, só falta daqui a pouco falarem “deveria ter usado camisinha na hora do estupro”, pesado, mas dentro da realidade que nos norteia.

Não temos apoio a vítimas de estupro, nem psicológico e social e querem obrigar essa mulher a parir para cumprir a sua crença e impô-la como correta apagando toda dor, sofrimento e milhares de mortes de mulheres por abortos clandestinos? Isso é um absurdo. É incabível, não faz sentido. Não faz!

Estuprador não é pai, nem o pai é pai de verdade. E o Estado, a bancada evangélica e nenhuma mulher no poder tem direito sobre nossa liberdade de escolha. Uma bolsa de R$85,00 não paga nem as fraldas do da semana de uma criança. Uma pensão de R$200,00 não cria uma criança. Não tem lógica, a conta não fecha.

Eles não estão preocupados com essa mulher, mas preocupados em seguir uma doutrina e colocá-la como verdade para todas nós. Nos colocando como encubadoras e sem nenhum tipo de apoio. Centenas de mulheres com crianças pequenas sem acesso à educação, informação, alimentação e saúde de qualidade e eles só conseguem pensar em agradar a Deus.

Políticas públicas para um feto!

Eu não consigo conceber tamanha burrice! O Nosso ECA não é cumprido. Não existe política pública adequada às nossas crianças já nascidas e precisando de atenção e querem inventar uma falácia dessa.

Precisamos de apoio a mães que já têm seus filhos nascidos, precisamos de apoio a quem quer abortar, tanto social quanto, financeiro. Precisamos que a nossas políticas públicas FUNCIONEM.

Não temos creche, não temos saúde, não temos nada. Precisamos focar em escolha sobre o próprio corpo, sobre cuidado, traumas e punições para os abusadores para que a gente pare de morrer e nossos filhos passarem dificuldades negligenciados por um estado que coloca Deus acima de tudo e apaga totalmente, o fato de sermos um país laico.

Atualização

Parece que voltamos com o mesmo assunto em 2021. Agora com o Projeto de Lei n° 5435, de 2020 que:

“Dispõe sobre a proteção da gestante e põe a salvo a vida da criança por nascer desde a concepção. Cria auxílio para o filho de mulher vítima de estupro.”

Bom, não preciso nem dizer que não retiro uma palavra do que foi colocada acima.

Originally published at http://joymeloblog.wordpress.com on December 12, 2018.

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Jo Melo
ShutDiaries

Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.