Mulheres fortes também quebram

Jo Melo
ShutDiaries

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No meu caso, literalmente

Parece que mulheres como eu, mães solo, negras, indígenas, que nunca tiveram o papai e mamãe para ajudar, ou registro de suporte, sempre aprenderam tudo sozinhas, recebem um estigma de força e de ser tão inquebrável ao ponto das pessoas olharem e pensarem: "Ela dá conta." Só que não é assim.

Mulheres como eu às vezes nem têm tempo de reclamar, pois suas vidas são baseadas em urgência a todo instante.

É como se a gente fosse um balão, uma bexiga grande que está o tempo todo recebendo oxigênio até ficar muito grande e explodir.

O problema é que quando a gente explode, reclama, grita, chora, manda à m*rda e se dá o direito de ser grosseira, as pessoas nos olham espantadas.

Daí você me pergunta: "Ué, mas cada um faz o que quer da própria vida, não precisa ficar esperando aprovação de ninguém." É fácil dizer isso quando não é você que tá na pele.

Quando estamos tão afundadas e afogadas que olham para você como se fosse uma exagerada, te dizem palavras clichês de "vai passar, está tudo bem, não fique assim, seja forte, fique calma", sendo que no c* dos outros é mais gostoso. Nós, mulheres, com toda essa força, falta de rede de apoio, merecemos mais do que palavras…

…A gente quer ação. Palavras assim para nós não surtem mais efeito, porque a gente já passou por tanta coisa nessa vida que palavras são como penas, plumas, que passam pela nossa pele e a gente nem sente. Nós mulheres quebráveis, que parecemos inquebráveis.

E queremos o direito de falar: "Vai à merda com as suas palavras fáceis de falar, eu quero que você me ajude de verdade, o que você pode fazer por mim?"

Eu quero ser grosseira sem ter que mostrar pros outros uma pessoa que eu não sou. Eu quero ter o direito de estar passando pela maior m*rda da minha vida e mandar os outros irem pra a m*rda também, sem ter que sorrir e fingir que está tudo bem, sendo que não está tudo bem agora.

Eu não quero que as pessoas me olhem e falem: "Olha como ela é mal-agradecida, pelo menos ela não passou por isso ou não passou por aquilo", pelo menos o c*cete. A gente precisa aprender a olhar cada tragédia que acontece e ficar revoltado. Sim, esse negócio de esconder sentimentos nos fez ser uma sociedade, uma geração doente que finge. E a troco de quê?

Eu quero ter o direito de falar: "Sai, eu não quero." Eu quero ter esse direito de falar: "Eu não estou bem, não vai passar só porque você está falando que vai passar, eu dispenso as suas falsas palavras só pra cumprir protocolo social".

As mulheres como eu também precisam de afago, de ajuda, de colo. A gente está tão cansada de levar os outros nas costas e fazer tanto por todos que quando chega a nossa vez, nos olham com tanta força que acham que a gente consegue se virar sozinha, mas não é assim que funciona.

Nós, mulheres fortalezas sobrecarregadas, precisamos ser levadas, precisamos ter cuidados, precisamos ter o direito de falar, de deitar no colo e chorar, até não aguentar mais. A gente quer o direito de passar pela cabeça de desistir da vida e parecer a única solução. Às vezes a gente quer ter o direito de tantas coisas que nos cortam…

Não, não está tudo bem. O que você pode fazer por mim?

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Jo Melo
ShutDiaries

Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.